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Para Genro (1979), as Constituições Mexicana (1917), de Weimar (1919) na Alemanha, da República Espanhola (1911), dentre outras são “consideradas as modernas constituições sociais do século XX” (Ibid, p. 42) no que diz respeito à promoção de direitos sociais e trabalhistas. Essas constituições deram status constitucional àqueles direitos com reflexos “nos países em que as liberdades humanas básicas estão reconhecidas e garantidas, em seu texto e em sua interpretação, do espírito social de cada época” (OLEA, 1984, p. 232). Lyra Filho (1982) comungando da posição sustentada por Olea (1984) e Genro (1979) discorda da declaração do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva que, nos primeiros anos do

movimento denominado novo sindicalismo, na condição de líder sindical, teria manifestado que “a CLT é o AI-5 do trabalhador” (apud LYRA FILHO, 1982, p. 16). No entender de Lyra Filho (1982), a CLT tem aspectos positivos constituindo-se um “erro tático” atribuir à legislação trabalhista como resultado de uma legislação capitalista e por isso ser rechaçada por configurar-se como uma “armadilha burguesa” (Ibid, p. 17). Nesse sentido, Delgado (2008) afirma que um patamar mínimo civilizatório ampara as relações de trabalho no Brasil ao apresentar-se essencialmente por três grupos de normas trabalhistas heterônomas: 1) as normas constitucionais em geral, com as ressalvas expressas na própria Constituição22; 2) as normas de tratados e convenções internacionais vigorantes no plano interno brasileiro23 e 3) as normas legais infraconstitucionais que asseguram patamares de cidadania ao indivíduo que labora24. O que leva Cardoso (2003) a afirmar que:

O papel civilizatório do direito do trabalho, então, teria a ver com a penetração da proteção estatal ali onde as relações parecem, à primeira vista, ter caráter unicamente privado, já que a empresa nada mais é do que um instrumento para a produção de lucro, sendo, como tal e legitimamente, passível de gestão privada pelo proprietário. Aquele direito, então, penetraria as relações privadas, retirando-as desta esfera de arbítrio onde impera a lei do mais forte. Fá-lo-ia, ademais, para além de uma perspectiva puramente humanista da regrada, na medida em que leva em conta liberdade as hierarquias reais que cortam a organização social burguesa moderna, que destina ao trabalho lugar subordinado (CARDOSO, 2003, p. 115).

É por isso que a CLT e seus mecanismos e repertórios de ativação inibem o sistema capitalista, agindo como espaço de controle contra excessos por parte do capital. O antídoto está no princípio protetivo do trabalhador, considerando os direitos dos trabalhadores como de ordem pública, irrenunciáveis e indisponíveis. Mas, apesar dos direitos trabalhistas ganharem status constitucional a partir de 1988, passam a surgir algumas exceções reguladas em lei25. É dessa forma que o Direito do Trabalho surge no Brasil, considerando que o empresário renuncie parcialmente a sua autonomia diretiva e seus lucros e que os trabalhadores abram

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Art. 7º, incisos VI, XIII e XIV. 23

Referidas pelo art. 5º, § 2º, CF/88 expressando um patamar civilizatório no próprio mundo ocidental em que se integra o Brasil.

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Preceitos relativos à saúde e segurança no trabalho, normas relativas à base salarial mínima, normas de identificação profissional, dispositivos antidiscriminatórios, etc.

25“1) a compensação de horários dentro dos limites constitucionais; 2) a redução de jornada de

trabalho; 3) a exclusão ou inclusão do tempo in itinere em jornada; 4) a jornada de tempo parcial; 5) o número de horas extras compensáveis; 6) a condição de gerentes e exercentes de cargos de confiança; 7) a duração dos intervalos; 8) os dias de concessão nos quais recairá o repouso semanal; 9) o período que se caracteriza como noturno; 10) o percentual do adicional noturno; 11) a forma de marcação de ponto; 13) o contrato por prazo determinado.” ROSA, 2003, s/número).

mão de parte de suas reivindicações e o Estado “gerencia o grande pacto social” (DORNELES, 2002) firmado nesta relação tripartite.

Para Baylos (1999), a intervenção estatal nas relações de trabalho cumpriria o papel de remediar a condição de desigualdade entre empregadores e trabalhadores através de um acordo de “significado político das instituições jurídico- trabalhistas, no sentido de revalorizar a intensidade e os conteúdos do intervencionismo garantista e tutelar” (Ibid, p. 69). Os direitos dos trabalhadores não se convertem num “direito do capitalismo, mas o direito que põe limites ao sistema capitalista” (Ibid, p. 69). Ao contrário de Santos (1979), que fala em cidadania regulada, Baylos (1999) fala em democracia contratada (Ibid, p. 80), o que vem a ser o cerne da regulação normativa e das exigências econômicas estabelecendo “um nexo direto entre os acordos das partes sociais e a estrutura política em seu conjunto” (ROMAGNOLI apud BAYLOS, 1999, p. 81). O autor faz a seguinte constatação:

Se até então estava em moda a concepção do Direito do Trabalho como ramo normativo que punha em prática mecanismos de distribuição da riqueza social (orientados tendencialmente a consecução da igualdade substancial), de forma muito rápida os valores que lhe sustentavam foram desaparecendo, convertendo-se em resíduos históricos, por obra de um tipo de pensamento que destaca a necessária submissão da norma às “necessárias exigências da recuperação econômica do mercado. (BAYLOS, 1999, p. 80)

Mesmo com todo o arcabouço de direitos trabalhistas e sociais, um dos problemas enfrentados pelos trabalhadores e sindicalistas está no fato dos agentes jurídicos do Estado e parte do campo jurídico e campo sindical enxergarem-nos como uma espécie de relativamente incapazes. Aqui se lança mão de uma analogia com um sentido quase que civilista, no qual há um entendimento de que os trabalhadores só possam celebrar um ato jurídico com a devida assistência do Estado, via Justiça do Trabalho. Ou seja, trabalhadores e sindicalistas não são vistos como estando em condições equilibradas na correlação de forças com o patronato, por isso, necessitariam de suporte legal do Estado. Tanto o Estado quanto parte do campo jurídico e campo sindical não enxergam o sindicato e o trabalhador como uma pessoa (física e jurídica) capaz de dirigir seus próprios destinos, fazer as escolhas que entendem corretas e, através do dialogo, firmar compromissos com o empregador. Aqui está o reflexo do sentimento arraigado em parcela de segmentos do Estado, entidades de classe, trabalhadores, sindicalistas e

campo jurídico que impede o avanço do fortalecimento do instrumento jurídico da negociação coletiva diante de disposições legais prévias cogentes.

Esta discussão traz à tona o fato de que a dinâmica social e econômica atual exige mecanismos ágeis e seguros para resolver problemas conjunturais nas relações de trabalho. Mas isso não implica obrigatoriamente que, para resolver tais problemas, coloquem-se na parte de cima da balança os interesses econômicos e do mercado e, do lado de baixo, a cidadania e a dignidade do trabalhador. A resolução desses problemas conjunturais passa pelo fortalecimento e respeito à legislação do trabalho que divide espaço com a negociação coletiva. Então, a noção do caráter universal da regulação trabalhista pelo Estado, a ideia de que a legislação trabalhista é inflexível por ser dotada apenas de direitos mínimos começa a ser colocada em xeque. As legislações trabalhistas e sindicais anteriormente concebidas como regulacionistas e fortemente intervencionistas começam a viver o processo de flexibilização e/ou desregulamentação. A regulação das relações de trabalho por lei ou instrumentos coletivos de trabalho26 passa a dividir espaço com a regulação por súmulas27 dos Tribunais Regionais do Trabalho28 e do TST29. Essas súmulas têm como papel reinterpretar a lei considerando a realidade sociojurídica das relações de trabalho.

Nesse sentido, inúmeras iniciativas passam a discutir e buscar mudanças na legislação trabalhista e sindical sob o fundamento da necessidade de adequação destas legislações à realidade contemporânea. As transformações no estatuto da regulação do trabalho passam a ser no sentido de legitimar as formas atípicas30 de contratação, isto é, não alinhadas ao contrato de trabalho a prazo indeterminado, forma originalmente prevista pela CLT como caracterizadora da relação de emprego formal.

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Acordos e convenções de trabalho, dissídios coletivos. 27

São decisões reiteradas com interpretações uniformes sobre determinado direito previsto em lei. 28

São vinte e quatro TRTs em todo o Brasil, sendo um por estado, exceto São Paulo que está dividido com o TRT de Campinas. Os TRTs vem a ser a segunda instância de tramitação doprocesso trabalhista.

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O TST, com sede em Brasília-DF e jurisdição em todo o território nacional, é órgão de cúpula da Justiça do Trabalho nos termos do artigo 111, inciso I, da Constituição da República, cuja função precípua consiste em uniformizar a jurisprudência trabalhista brasileira. Ele é composto por vinte e sete Ministros, com mais de 30 anos de idade e menos de sessenta e cinco anos, no momento de suas nomeações. Nesta composição existem membros da advocacia, Ministério Público do Trabalho e Magistratura Trabalhista. Disponível em <http://www.tst.jus.br/institucional>. Acesso em: 05 de Fev. 2016.

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A concretização dessas iniciativas resulta numa miríade de formas de estatutos jurídicos que criam situações sociojurídicas nas quais acabam funcionando como meios de desmobilização coletiva e, consequentemente, fragilizam a solidariedade de classe, resultando num quadro no qual os sindicatos fragilizam-se como entidades representativas. Os empresários defendem a necessidade de alteração da legislação trabalhista como forma de modernizá-la, de torná-la compatível com as exigências do mercado, permitindo que se produza com menores custos e que se concorra em condições “mais adequadas” com empresas de outros países e, desta forma, garanta-se a empregabilidade. Já os trabalhadores e suas lideranças sindicais enxergam nessas medidas a tentativa de flexibilização e/ou de precarização dos direitos trabalhistas, conduzindo-lhes a condições precárias de vida. O debate é se a regulação das relações de trabalho deve ser predominantemente pública (pelo Estado), predominantemente privada (entre capital e trabalho) ou combinar adequadamente as duas formas.

Baltar e Krein (2013) abordam a regulação pública das relações de trabalho no Brasil contemporâneo afirmando que “o mercado de trabalho assalariado é pouco estruturado e a proteção social ainda está em construção” (Ibid, p. 273). Portanto, conforme estes autores, o processo de abertura dos mercados nos anos 80 como reflexo da crise fomentada pela dívida externa brasileira colocou a legislação trabalhista em xeque, uma nova realidade marcada pela conjuntura econômica e social implica a supremacia do mercado. Dessa forma, os empresários começam a reivindicar a necessidade de maior espaço para estabelecer relações de trabalho em sintonia com a nova realidade:

No contexto dessa reorganização econômica e em um quadro político desfavorável aos trabalhadores organizados, ocorreram transformações na regulação do trabalho, reforçando a tendência de flexibilização e de descentralização das condições de contratação, uso e remuneração do trabalho. O capitalismo globalizado é mais instável e acirra a competição. A empresa reclama por maior liberdade de ação para poder competir, exigindo mais e comprometendo-se menos com o bem estar de seus empregados (SENNETT, 1999; URIARTE, 2000; KREIN, 2007 apud BALTAR; KREIN, 2013, p. 277-278)

A partir da abertura política pós-regime militar, o Estado e os sindicalistas começaram a reestabelecer interlocuções. Em 1990, durante o governo do então presidente Fernando Collor de Mello (1990-1992),a CUT é convidada para participar do chamado "entendimento nacional" juntamente com representações empresariais e membros do governo com o intuito de discutir a situação econômica do país

(FRANÇA, 2013). Essa iniciativa estava espelhada em outras apresentadas no governo de Juscelino Kubitschek (1956 e 1961) e renascida no governo de José Sarney (1985-1990). Mas no governo Collor ela será rebatizada como “Grupos Executivos de Política Setorial”, um reflexo das “transformações na produção industrial brasileira” (FRANÇA, 2013, p. 15) que impactaram na forma de agir dos sindicatos, que passaram a defender “um novo modelo de desenvolvimento para o Brasil”.

Para sindicato dos metalúrgicos do ABC o contrato coletivo de trabalho parecia ser um instrumento adequado para esse fim. Mas o deputado federal pelo estado de São Paulo, Aluízio Mercadante (PT/SP) daria vida à câmara setorial31 como foro de análise da estrutura de custos e de preços em setores e cadeias produtivas específicas. A primeira experiência da câmara setorial ocorreu no início dos anos 90, por iniciativa de Vicentinho, então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema. Este dirigente sindical dirigiu- se até a matriz da Ford em São Bernardo do Campo para construir junto com a representação da empresa uma saída viável capaz de evitar o desemprego em massa, compatibilizando crescimento da produção com distribuição de renda, justiça social e com defesa da empregabilidade.

Em 1993, o então Ministro do Trabalho, Walter Barelli buscou constituir o FNT sobre Contrato Coletivo e Relações de Trabalho para buscar subsídios para a reforma da legislação trabalhista e sindical, o qual não avançou porque os resultados obtidos nas discussões entre sindicalistas e entidades empresariais não se concretizaram em nenhuma proposta de alteração legislativa. Passos (in MACHADO; GUNTHER, 2004, p. 224-262), aponta que, no primeiro mandado (2003-2007, Lula, em sua Carta ao Povo Brasileiro32, procurava destacar “a ideia de pacto nacional, contrato social e/ou negociação nacional” (Ibid, p 227) através do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – CDES porque:

Será necessária uma lúcida e criteriosa transição entre o que temos hoje e aquilo que a sociedade reivindica. O que se desfez ou se deixou de fazer em oito anos não será compensado em oito dias. O novo modelo não poderá ser produto de decisões unilaterais do governo, tal como ocorre

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Pela lei nº 8.178, de 21 de março de 1991, o artigo 23 é introduzido por iniciativa e a Portaria nº 762, de 09 de agosto de 1991 definiu a competência, abrangência e designação dos membros componentes das câmaras setoriais, cuja organização e funcionamento ocorrerá durante os anos de 1992 e 1993 (França, 2013; Antunes, 1995).

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Iniciativa que visava repassar tranquilidade ao mercado financeiro, em 22/06/2002. Disponível em <http://novo.fpabramo.org.br/uploads/cartaaopovobrasileiro.pdf>. Acesso em 27 de Abr. 2016.

hoje, nem será implementado por decreto, de modo voluntarista. Será fruto de uma ampla negociação nacional, que deve conduzir a uma autêntica aliança pelo país, a um novo contrato social, capaz de assegurar o crescimento com estabilidade. (PASSOS in MACHADO; GUNTHER , 2004, p. 227)

A proposta de reforma trabalhista tinha como intenção construir a legislação trabalhista em bases mais modernas, trabalhando a ideia de um novo modelo de relações trabalhistas pautado pelo diálogo e entendimento, sem confronto e com três pontos a destacar:

a) um amplo debate sobre a reforma da estrutura sindical; b) ampla análise da reforma da legislação trabalhista, constituindo-se o Fórum Nacional do Trabalho para examinar as propostas sobre o tema; c) a questão do desemprego relacionada com os jovens, através da avaliação de um programa nacional de incentivo à contratação de jovens pelas empresas (PASSOS in MACHADO; GUNTHER , 2004, p. 225).

Essa iniciativa, também denominada como Fórum Nacional do Trabalho, buscava construir consensos relativamente aos temas debatidos e, posteriormente, encaminhá-los ao MTPS. No mesmo ano, ocorreu o FNT(Fórum Sindical dos Trabalhadores) que defendia a manutenção da estrutural sindical vigente e a busca do aperfeiçoamento da organização por local de trabalho. De modo concomitante, deu-se a formação da Comissão Nacional de Direitos e Relações do Trabalho33com a responsabilidade de subsidiar o Ministério de forma permanente. Essa comissão era composta por magistrados trabalhistas, Ministros do TST, juristas especialistas em Direito do Trabalho, professores universitários, advogados trabalhistas, representantes da ANAMATRA, ANPT, DIEESE, DIAP, etc., com objetivos semelhantes ao do FNT, como se percebe pela fala do Ministro:

[...] capacidade de interlocução [...] só o diálogo e a negociação vão possibilitar o encaminhamento de projetos legislativos capazes de dotar o país de leis e instituições sintonizadas às exigências do desenvolvimento nacional e com a elevação do nível de emprego e do padrão de renda da população brasileira” (PASSOS in MACHADO; GUNTHER, 2004, p. 250). Outra iniciativa foi a proposta de emenda constitucional 29/2003, por parte dos deputados federais Vicentinho (PT/SP) e Mauricio Rands (PT/PE), visando tornar plena a liberdade e autonomia sindical e incorporando vários conceitos e princípios da Convenção 87 da OIT34 que trata da liberdade sindical e da proteção

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Portaria nº 1.150, de 09/10/2003 do então Ministro de Estado do Trabalho e Emprego, Ministro

Jaques Wagner. Disponível em

<http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/ORGAOS/MTE/Portaria/P1150_03.htm>. Acesso em 27 de Abr. 2016.

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ao direito de sindicalização. Os argumentos dos deputados proponentes passavam pela constatação de que a unicidade sindical foi concebida em um regime autoritário (era Vargas) e que a liberdade e autonomia sindical plena é um requisito essencial do regime democrático. Muito embora o FNT tenha estabelecido alguns consensos35 entre governo, capital e trabalho sobre a estrutura sindical, esses não foram efetivados.

Assim, a legislação trabalhista passou a ser cada vez mais questionada e considerada como um entrave, por isso emergiu um forte entendimento em setores empresariais de “que a legislação trabalhista brasileira é rígida e precisa ser flexibilizada” (CARDOSO, 2003, p. 89). Desde então, não têm cessado os debates e propostas vistos de inspiração neoliberal que reivindicam a flexibilização da legislação trabalhista. Acontece que parte do movimento sindical, em que se destaca a CUT, também compreende a necessidade de ajustes nas relações de trabalho. A estabilidade das relações de trabalho, característica da regulação estatal fundada com o advento da CLT, vê-se submetida, desde os anos 90, a uma forte pressão flexibilizante, o que, com certa frequência, promove a passagem de um modelo de direitos assegurados em lei para um modelo de relações contingentes e precárias.

2.3 Do modelo de direitos trabalhistas assegurados em lei ao modelo de relações