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Ao tratar das normatizações do corpo contemporâneo, recorri inicialmente a Michael Foucault (1986), cuja crítica genealógica consiste no estudo sobre como o poder15 e suas tecnologias dominam as pessoas e as fazem obedecer. Ressalto, no entanto, que o poder, neste estudo, não é considerado como um sistema de dominação que controla tudo e que não deixa espaço para a ação individual, mas que admite a presença da liberdade do indivíduo no sentido da tomada de decisões a partir do que lhe é oferecido.

Nas palavras de Foucault (1986), o corpo seria uma superfície de inscrição dos acontecimentos, lugar de dissolução do eu, volume em perpétua pulverização. A genealogia está, portanto, no ponto de articulação do corpo com a história. Ela deve mostrar o corpo inteiramente marcado de história.

Em outros termos, o corpo é o campo de forças múltiplas, convergentes e contraditórias. É o próprio lugar da sedimentação de seus combates: “nada no homem, nem mesmo seu corpo, é suficientemente fixo para compreender os outros homens e neles se reconhecer” (FOUCAULT, 1986, p. 160).

A apropriação e a aplicação desse conceito são percebidas dentro da história moderna e, de acordo com Foucault (1986, p. 80),

O controle da sociedade sobre os indivíduos não opera simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo e com o corpo. Foi no biológico, no somático, no corporal que antes de tudo, investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade biopolítica.

Na dinâmica desse processo, lancei mão da obra foucaultiana com o intuito de mostrar que a sociedade necessitava de corpos fortes, saudáveis e homogêneos para atender à lógica de mercado e às rotinas desumanas de trabalho, em busca da alta produtividade e do lucro – uma vez que seriam utilizados, transformados e aperfeiçoados para atender ao capitalismo e estando, assim, sujeitos às técnicas de disciplinamento.

A partir da ascensão do capitalismo e com a modernidade, todas as implicações culturais decorrentes dessa nova forma de se organizar social, econômica e culturalmente passam a ter um novo jeito de perceber o corpo, assentado em novos valores e novas

15 Segundo Foucault (1986), é a propriedade da classe que o conquistou sendo efeito do conjunto de posições

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ideologias. O corpo é percebido como uma “máquina” para auxiliar no acúmulo de capital, e seus movimentos eram, muitas vezes, regidos pelo poder disciplinar.

Esta manifestação de poder disciplinar se instalou nas principais instituições sociais. Foucault, em sua obra Microfísica do Poder, apontou seus mecanismos de atuação:

Essa forma específica de poder, que surgiu a partir do século XVII, agia nas mais diversas instituições sociais – escolas, hospitais, prisões, fábricas, quartéis... com o objetivo de submeter o corpo, de exercer um controle sobre ele, atuando de forma coercitiva sobre o espaço, o tempo e a articulação dos movimentos corporais. (1986, p. 146).

O poder disciplinar, ao mesmo tempo que promovia a utilização máxima da força de trabalho, domesticava e impossibilitava a resistência político-social do trabalhador. A padronização dos gestos e movimentos instaurou-se nas manifestações corporais para se chegar à alta produtividade e ao ganho econômico. As novas tecnologias de produção em massa desencadearam um processo de homogeneização de gestos e hábitos que se estenderam a outras esferas sociais, entre elas a educação do corpo, que passou a identificar-se com as técnicas disciplinares de comportamento. Ou, ainda,

[...] sobre o corpo se encontra o estigma dos acontecimentos passados do mesmo modo que dele nascem os desejos, os desfalecimentos e os erros; nele também eles se atam e de repente se exprimem, mas nele também eles se desatam e entram em luta, se apagam uns aos outros e continuam seu insuperável conflito. (MACHADO, 1979, p. 22).

Para Foucault (1986), essas normatizações são propostas aos indivíduos com o intuito de fixar suas identidades e homogeneizar a sua corporeidade, ou, ainda, para mantê- la ou transformá-la em função de objetivos estabelecidos pelos grupos sociais que estabelecem as normatizações.

[...] lá onde a alma pretende se unificar, lá onde o eu inventa para si uma identidade ou uma coerência, o genealogista parte em busca do começo,

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dos começos inumeráveis. A marca da proveniência permite dissociar o eu e fazer pulular nos lugares e recantos de sua síntese vazia, mil acontecimentos agora perdidos. (FOUCAULT, 1986, p. 22).

Esse caráter dissociativo do eu, com seus começos inumeráveis, múltiplos e dissociadores, possibilita a compreensão de uma dinâmica desse eu no qual corpo e alma estão submetidos a processos múltiplos de constituição histórica.

A atual visão moderna traz em si um modelo de corpo-máquina, muitas vezes, socialmente oprimido e manipulável. Também, não se pode deixar de abstrair desse modelo o local do exercício do poder disciplinar, nos termos das sujeições descritas por Foucault.

A resistência do corpo a essas normatizações impede considerá-lo apenas como suporte ou ponto de apoio, sendo melhor considerá-lo como destino e foco da atuação aos enfrentamentos. E é também esta característica existencial do corpo que permite que as minorias, os dominados e os excluídos revertam certas concepções normatizadoras de condutas, transformando o discurso que os rotula como diferentes em instrumental de afirmação de suas diferenças.

Compreendido assim, admito que não há poder sem recusa ou desacordo em potencial. Já não existe mais relação de poder que seja completamente triunfante e em que a dominação seja incontornável. Isso significa que onde aquelas relações existirem haverá de certo resistência; do contrário, relações de poder não estariam em jogo. Estas não poderiam existir senão devido à multiplicidade de pontos de resistência que se apresentam como o outro da relação de poder.

Há uma afirmação de Foucault que é adequada para pensar o corpo, qual seja, a de que “cada época elabora sua retórica corporal”. Todas as marcas, as formas, os modelos, as eficácias e os funcionamentos do corpo se transformam, mudam com o tempo, substituem- se representações, deslocam-se e formam-se outras:

Nem todas as marcas e sinais depositados sobre os corpos dos indivíduos emergem enquanto um campo de significados e de sentidos consolidados pelo exercício dos saberes/poderes. Estas sinalizações podem ainda estar

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atuando sobre os corpos de maneira incipiente, difusa, residual ou extremamente fragmentada, em termos de constituição estratégica de suas verdades sobre as corporeidades. (SILVEIRA; FURLAN, 2003, p. 22).

O corpo pode traduzir, revelar e evidenciar formas bem precisas de normatização, com modos sutis de inserção de indivíduos e grupos em uma dada sociedade com formas múltiplas de socialização. O corpo é um lugar que revela o que há de mais íntimo, mais profundo no humano, trata-se mesmo de sua possibilidade única de estar no mundo. Essa pode ser a razão pela qual a normatização dos corpos foi sempre presente, porque parece ter sido sempre consciente a leitura de que é possível formar e reformar disposições íntimas dos seres humanos, regulando, regulamentando “corporalmente” as múltiplas manifestações do corpo (OLIVEIRA, 2006, p. 12).

As pessoas poderiam, de acordo com Foucault (1986), estar diante de três tipos de lutas: uma contra as formas de dominação (étnica, social e religiosa), outra contra as formas de exploração que separam o indivíduo daquilo que produzem e uma última luta contra aquilo que liga o indivíduo a si mesmo e o submete, deste modo, aos outros (luta contra a sujeição, contra as formas de subjetivação e submissão das subjetividades).

Mas o que importa diante disso é que a historicidade destas lutas se exerce sobre corpos e sujeitos e que o fenômeno historicamente situado arrebata e manifesta, imprimindo marcas físicas, fazendo produzir e emergir uma subjetividade.

Com base no poder disciplinar empregam-se técnicas, dando pouco espaço, por meio de proposições normativas, para a resistência de corpos e sujeitos. O corpo do sujeito, além de ainda ter sobre ele a ação de técnicas disciplinares, é estimulado a falar de si mesmo para melhor se governar ou ser governado.

Com a noção de biopoder e com suas técnicas orientadas para que o sujeito se torne objeto de conhecimento de si mesmo (uma genealogia da ética), a possibilidade de resistência toma outra conotação. O biopoder exerce-se sobre os corpos das pessoas, sobre os saberes e discursos e sobre própria vida, com o intuito de mantê-la estável.

No livro Vigiar e Punir (2004), Foucault faz um estudo sistemático das práticas das normas16, demonstrando que a sociedade disciplinar, muitas vezes, é uma sociedade do

16 Maneira de produzir um princípio de valorização, designa uma medida que serve para avaliar o que está

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confinamento que homogeneíza o espaço social: as disciplinas fazem a sociedade e criam uma linguagem comum entre as instituições.

O intuito primordial da sociedade normatizadora é mais do que reprimir a conduta do indivíduo, é influenciá-lo, conduzi-lo, incliná-lo através de mecanismos e dispositivos no sentido de submeter determinada posição de corpos e certos acessos históricos de saberes/poderes. Essas articulações de forças atravessando os corpos visam dispô-lo dentro de determinada estratégia de poder através do direcionamento de seus impulsos, vontades, sensações ou sentimentos.

Nesse tocante, estão as relações homem-homem, homem-natureza e homem- sociedade, que se configuram em elementos-chave para entender as formas como o meio social no qual está inserido normatiza e educa o corpo. No corpo, no movimento humano, e em todo universo das práticas e técnicas corporais, estão intrínsecos valores sociais, culturais, políticos e econômicos do momento histórico que perpassam a trajetória do homem em sociedade.

A generalização do esquema e das técnicas disciplinares tornou possível, segundo Foucault (1986), a prisão, a escola, o hospital, a igreja, entre outros. Com isso, o autor não quis dizer que a sociedade disciplinar é uma sociedade generalizada de confinamento, ao contrário, sua difusão, longe de cindir ou compartimentar, homogeneíza o espaço social.

O importante na ideia de sociedade disciplinar é a própria ideia de sociedade: as disciplinas fazem a sociedade, criam uma linguagem comum entre as instituições. Assim, a sociedade tenta mostrar aos adeptos às modificações corporais extremas que eles precisam ser reeducados, que sua conduta não é bem-vista socialmente e que, caso não voltem atrás, poderão viver à margem da sociedade.

A disciplina cria corpos submissos, dando uma regularidade e homogeneidade comum a cada detalhe e minúcia apresentada. É, assim, capaz de produzir a docilidade; mas ela não pode ser exercida sem uma cumplicidade. O corpo preparado para a docilidade opõe-se ao poder e mostra condições de funcionamento próprias. A docilidade só pode ser obtida se for dada uma atenção especial às forças e às operações específicas do corpo; não se pode circunscrever o adestramento dócil apenas a um dispositivo mecânico e passivo.

Com isso, Foucault (2004) tenta inverter a ótica que analisa negativamente o poder, é preciso abandonar o uso de expressões como “reprimir”, “censurar”, “ocultar”, etc. O

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corpo dócil torna-se hábil, eficaz e rentável porque constrói e realiza. Mas um corpo que escapa às disciplinas volta-se contra elas também.

Outro elemento estratégico refere-se aos mecanismos de controle, através das técnicas disciplinares, visando à contenção de atitudes e gestos, normatizando o corpo de acordo com valores socialmente aceitos. “O corpo é o primeiro momento, o objeto e a vítima preferencial da civilização, cuja história pode ser lida nos anais do crescente processo de controle daquele, e pelo desenvolvimento de técnicas que medeiam este domínio.” (VAZ, 1999, p. 91).

Nesse processo multifatorial, cabe identificar como se desenvolveram as formas de conceber, tratar e definir o corpo. É preciso indagar que práticas, concepções, dispositivos corporais foram constituidores dessa normatização atual. Portanto, trata-se de uma perspectiva investigatória sobre que bases e a partir de quais pressupostos as culturas investiram sobre o corpo.

É importante intensificar a busca por uma maior reflexão sobre a dimensão corporal, com base no reconhecimento de si e do outro. Não obstante, o que se constata a partir dos modelos de corpo disseminados é que muitas vezes são restringidas as possibilidades de autonomia e reforçadas as relações de poder e de normatização do corpo.

Dentro dessa visão, percebo a constituição do corpo diretamente ligada aos interesses de grupos sociais específicos que criam normatizações e também rotulações. Entre esses grupos está a mídia, que se utiliza do seu poder para assim estabelecer formas específicas de vida que se relacionam com corpos, saberes e discursos que constituirão sujeitos donos de corpos carregados de normatizações.

Mas como as pessoas são assujeitadas por esse poder e por essas normatizações? Há como resistir e desviar-se? Há motivos para o desvio? Por sua vez, o caráter desviante de uma ordem hegemônica não o torna necessariamente um transgressor, pode ser apenas um deslocamento de forças entre arranjos diversos, ambos com efeitos cristalizadores da identidade dos sujeitos e excludentes de suas diferenças. Nesse sentido, mesmo a emanação corpórea mais identificadora de uma pessoa, ela é, em Foucault (2004), sempre fruto de um acompanhamento e/ou incidência de forças.

Ressalto que tratar das normatizações e dos estereótipos disseminados socialmente não quer dizer que todos incorporem esse discurso de forma homogênica. Esses discursos

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não chegam a todos e nem da mesma forma. Há a força da eficiência das normatizações empregadas e o convencimento do grupo para incorporar ou não tal padrão.

Se o sujeito não se constitui única e exclusivamente através das práticas de sujeição, mas também por meio de práticas autônomas e reflexivas, deve-se considerar não apenas as técnicas de normatização, mas também as técnicas ou práticas de si.

Nos corpos dos indivíduos podem estar marcados valores e normas que caracterizam um grupo social, sejam explícitos ou não. Assim, os sentidos atribuídos aos corpos, os padrões e modos de usos dos corpos estão intimamente relacionados às características de um contexto social. Vivencia-se um paradoxo no qual o corpo torna-se, ao mesmo tempo, um espaço de liberdade e de aprisionamento.

Posso dizer que as pessoas não estão mais submetidas à sociedade disciplinar, na qual o corpo fora submetido ao rigor das punições. Mas não se pode deixar de observar que esta liberdade moderna aparente submete também as pessoas a uma sociedade do controle, onde o corpo é controlado pelo consumo, pela publicidade, pela moda, entre outros fatores, que legitimam práticas como um estilo de vida possível.

Isso acontece com o propósito de conseguirem alguma margem de manobra na gestão de situações que impliquem o confronto interpessoal com representantes de instâncias de autoridade e controle social sobre o estilo corporal, como a família, a igreja, a escola, os empregadores, etc.

Os adeptos às modificações corporais extremas diariamente lutam simbolicamente contra as formas de poder social que tendem para a homogeneização das condutas e imagens corporais e que, deste modo, dissociam, descaracterizam e fragilizam a subjetividade do indivíduo (esse estágio social particular em que os indivíduos têm o sentimento de que sua intimidade não pode nunca ser submetida sob qualquer representação totalizante).

Giddens (2002b), no entanto, em um contraponto ao exposto até agora, compreende o corpo dentro de etapas sucessivas de reflexividade que envolvem os sistemas sociais. O dinamismo da modernidade deriva da separação de tempo e espaço, dos mecanismos de desencaixe e da reflexividade institucional. A reflexividade institucional é definida por Giddens (2002, p. 26) como “o uso regularizado de conhecimento sobre as circunstâncias da vida social como elemento constitutivo de sua organização e transformação”, estando necessariamente vinculada ao sujeito e à sua capacidade de agir.

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Essa apropriação reflexiva da história aparece em Giddens como elemento para ampliação da ênfase disciplinar nas sociedades modernas. Concordando com esse autor, a disciplina da qual fala Foucault não significa necessariamente incapacidade de ação reflexiva. É exatamente a capacidade cognitiva dos agentes que contribui para a construção e difusão dos modelos institucionais em uma determinada estrutura, alertando que o que essas instituições têm em comum com os quadros mais amplos da modernidade é a tentativa de desenvolver o autocontrole reflexivo mesmo entre minorias que podem parecer intrinsecamente recalcitrantes (GIDDENS, 2002, p. 149).

A consequência imediata disso é que a noção foucaultiana de poder/saber para a ordenação discursiva de determinados contextos sociais não deve ser desvinculada da reflexividade inerente às instituições modernas:

Sem negar a sua conexão com o poder, deve-se considerá-lo (o discurso) mais como um fenômeno de reflexividade institucional em constante movimento. É institucional por ser o elemento estrutural básico da atividade social nos ambientes modernos. É reflexivo no sentido de que os termos introduzidos para descrever a vida social habitualmente chegam e a transformam – não como um processo mecânico, nem necessariamente de uma maneira controlada, mas porque tornam-se parte das formas de ação adotadas pelos indivíduos ou pelos grupos. (GIDDENS, 1993, p. 39).

Conforme Giddens (1993), os corpos dóceis não podem ser tão dóceis assim. Ou seja, na perspectiva giddensiana, o poder só pode ser compreendido a partir das ações de indivíduos e grupos em determinados espaços sociais que apresentam propriedades específicas e formas de reflexividade institucional:

[...] um indivíduo é o perpetrador, no sentido de que ele poderia, em qualquer fase de uma dada sequência de conduta, ter atuado de modo diferente. O que quer que tenha acontecido não o teria se esse indivíduo não tivesse interferido. A ação é um processo contínuo, um fluxo, em que a monitoração reflexiva que o indivíduo mantém é fundamental pra o controle do corpo que os atores ordinariamente sustentam até o fim de suas vidas no dia a dia. (GIDDENS, 1993, p. 7).

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A ação humana é um elemento fundamental para compreender iniciativas de mudança social sem desconsiderar os limites colocados para a realização dela, bem como a existência de aspectos contingentes e ações não intencionais que podem influenciar naqueles processos. O projeto reflexivo do eu descrito por Giddens (1993) e que serve de contraponto à análise foucaultiana se potencializa nas condições atuais da modernidade.

Esse projeto do eu requer uma necessária ação reflexiva do sujeito em relação ao corpo. Para Giddens (1993, p. 41), são características fundamentais de uma sociedade reflexiva:

[...] o caráter “aberto” da autoidentidade e a natureza reflexiva do corpo [...]. Hoje em dia, o eu é para todos um projeto reflexivo – uma interrogação mais ou menos contínua do passado, do presente e do futuro. É um projeto conduzido em meio a uma profusão de recursos reflexivos: terapia e manuais de autoajuda de todos os tipos, programas de televisão e artigos de revistas.

Mesmo que se admita a elaboração de estratégias disciplinares em relação ao sujeito, ela não desautoriza pensar a capacidade de reflexão deste em relação a seu corpo. Para o autor, “Certamente, o corpo torna-se um foco do poder disciplinar. Mas, mais do que isso, torna-se um portador visível da autoidentidade, estando cada vez mais integrado nas decisões individuais do estilo de vida.” (GIDDENS, 1993, p. 42).

Nesse enfoque, o projeto de modificação corporal extrema expressa uma forma de resistência estética ao enquadramento padronizador das subjetividades, afrontando a assimilação dessas perante os poderosos mecanismos e lógicas de produção, mercantilização e globalização das condutas e dos corpos na sociedade contemporânea. A modificação corporal extrema transmite ao outro uma sensação radical de evasão do mundo, “ao permitir experimentar-se à distância de uma sociedade que tende a mercantilizar a autenticidade, por meio de imagens e condutas que implicam pouco mais do que formas generalizadas e homogeneizantes de conformismo” (FERREIRA, 2008, p. 128).

A mobilização de regimes de modificação corporal extrema no espaço e no tempo, a par das propriedades materiais (permanência) e simbólicas (exotismo, arte, patologias, marginalidade) que lhes são formal e historicamente consagradas, concede a seus adeptos

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uma visibilidade social de si amplamente distintiva perante o que é percebido como sendo banal e estereótipo.

Por outro lado, à medida que o corpo é voluntária e reflexivamente modificado sob orientação do valor da originalidade, o corpo modificado ao extremo potencializa um sentido acrescido de unicidade individual para o indivíduo que o incorpora. Ao operar no sentido da acentuação imagética da distintividade do self, a originalidade atribuída ao projeto de modificação corporal intensifica o sentimento de diferença de seu adepto ao ponto de ele se perceber como único e incomparável.

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3 O UNIVERSO DAS MODIFICAÇÕES CORPORAIS EXTREMAS

Diga, quem você é me diga Me fale sobre a sua estrada Me conte sobre a sua vida

Tira, a máscara que cobre o seu rosto Se mostre e eu descubro se eu gosto Do seu verdadeiro jeito de ser

Ninguém merece ser só mais um bonitinho Nem transparecer, consciente, inconsequente

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