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As objetivações genéricas “em-si” e “para-si”: o trabalho (re) construindo

Capítulo I – Determinações históricas do ethos do trabalho

2.2 As objetivações genéricas “em-si” e “para-si”: o trabalho (re) construindo

As objetivações genéricas “em-si” e “para-si”26 são tidas como

conceitos relativos, porque afetam diretamente a natureza. É um “ser-em-si” tudo o que ainda não tenha sido penetrado pela práxis e pelo conhecimento (na relação entre a natureza e a sociedade) e é considerado “ser-para-si” toda a zona da práxis (estar penetrado por um sujeito, pelo respeito à natureza e por um desenvolvimento com suas próprias leis).

A sociedade “em-si” e “para-si”, para Marx, são categorias- tendências:

“A classe ‘em-si’ é aquela que possui um posto na divisão social do trabalho e a sua relação com os meios de produção está simplesmente presente, considera que a ordem econômica e social determinada não existiria sem o ‘ser-para-si’. Converte-se a classe ‘para-si’ quando reconhece seu próprio ‘ser-classe’ e os seus

26 Heller (1977:227-234) descreve estas categorias detalhadamente na obra:

A Sociologia da Vida Cotidiana, na terceira parte, intitulada: O marco estrutural da vida cotidiana, capítulo I – “Objetivações em-si e para-si. O para-nós”.

interesses específicos quando desenvolve uma consciência de classe própria”. (Heller, 1977: 227)

O primeiro aspecto que caracteriza as objetivações genéricas “em- si” é quando a natureza se autoproduz na sociedade, ou seja, quando o homem produz o seu ambiente, o seu mundo, o seu modo de ser, passando a se constituir como resultado da atividade humana.

O reino do “ser-em-si” é o reino da necessidade. O homem se faz através do trabalho, humaniza a natureza e a si próprio, cria o seu próprio ambiente e passa a se constituir num componente orgânico da sociedade. A humanização efetiva do homem (ascensão à genericidade) começa no momento em que o homem apropria-se da esfera de objetivações “em-si” por meio do trabalho, tornando-se o fundamento da objetivação “para-si”.

As objetivações genéricas “para-si” são ontológicas e somente podem funcionar através da intenção humana consciente e do respeito a um processo de desenvolvimento de leis próprias. As mesmas são expressões do grau de liberdade e consciência (conhecimento) que o gênero humano tem alcançado numa época determinada e são realidades nas quais estão presentes os domínios do gênero humano sobre a natureza e sobre si mesmo.

No que tange a essencialidade histórica do modo de ser do trabalho, pode-se dizer que o indivíduo encontra-se, desde o seu nascimento, numa relação ativa com o mundo onde vive. Esta relação vai colaborar decisivamente para a formação do seu modo de ser no interior da sociedade.

Os homens na sua singularidade adaptam-se às formas sociais impostas pelas forças produtivas que são cada vez mais concretas historicamente. Assim, o ser de cada sociedade surge da sua construção e (re) construção e da totalidade das ações e (re) ações do homem.

Marx ao referir-se à crítica a Feurbach, in A Ideologia Alemã, infere que na história de uma sociedade os homens criam produtos com a ajuda dos quais

estão em condições de realizarem sua genericidade, e cita as formas ideológicas mais elevadas: a ciência, filosofia, arte, ética: “[...] a um nível cada vez mais alto (sendo cada vez menos imediatamente singular)”, conforme Heller (1977:10).

A compreensão da sociedade em sua totalidade dinâmica e evolutiva ocorre quando se tem condição de entender a heterogeneidade da vida cotidiana. A vida cotidiana se constitui na “mediação objetivo-ontológica entre a simples reprodução espontânea da existência física e as formas mais altas de genericidade“ e, neste momento já consciente, “precisamente porque nela de forma ininterrupta as constelações mais heterogêneas fazem com que os dois pólos humanos das tendências apropriadas da realidade social, a singularidade e a genericidade, atuem em sua inter-relação imediatamente dinâmica” (Heller, 1977:11- 12), a vida cotidiana é o conjunto de atividades que caracteriza a reprodução dos homens singulares, os quais (re) criam a possibilidade de (re) produção social.

Todo homem, ao nascer, encontra-se em um mundo já existente e que independente dele apresenta-se já “constituído”. Desta forma, o singular nasce em condições sociais concretas, sendo que a reprodução do homem singular é sempre a reprodução de um homem histórico e num momento concreto.

Ao considerarmos o dinamismo da sociedade, percebemos que é na vida cotidiana que os homens objetivam-se, isto é, formulam o seu mundo e a si mesmos, adaptam-se, educam, aprendem, (re) criam o seu modo de vida. A relação da sua integração na sociedade como uma totalidade torna-se determinante para que as suas capacidades pessoais se elevem ao nível da genericidade.

O homem singular apropria-se da genericidade no seu respectivo ambiente social, tornando-se um “ser social” que transcende à sua própria necessidade singular. Temos nesta perspectiva o processo de produção feito pelo homem para si e para os outros e uma das formas elementares da sua genericidade.

O homem é um ser singular/particular, é parte constitutiva do mundo em que vive e, assim, a sua consciência do “eu” aparece simultaneamente com a consciência do “mundo”. No entanto, não é possível separar o homem singular do

homem individual, porque o indivíduo nunca está acabado, encontra-se num movimento permanente de (re) construção que é parte integrante da sua elevação sobre a singularidade.

“Cada época histórica tem o seu indivíduo (surgido da individualidade)”. A essência humana, conforme Marx, tem como características fundamentais: “o trabalho, a sociabilidade (historicidade), a consciência, a universalidade e a liberdade”. Estas características em contraste com a natureza são inerentes ao homem e se desenvolvem concretamente no decurso da história, transformando-se na base de todo o desenvolvimento do valor (Cf. Heller, 1977:49).

Todo o homem tem uma “essência genérica”, na medida em que o desenvolvimento da sua individualidade representa o próprio desenvolvimento genérico. Heller, referindo-se ao pensamento marxista, considera que todo o homem é “em si” um ser genérico:

“[...] na medida que se encontra numa sociedade determinada, numa estrutura social determinada, contribui ao desenvolvimento das forças essenciais do homem, da essência humana; o homem, como um ser genérico em si, pode converter-se em um representante da essência humana”. (Heller, 1977:52)

Com o desenvolvimento das capacidades genéricas e do trabalho, introduz-se o “sentimento do ter” na vida cotidiana, que passa a se organizar como uma função da singularidade. A vida cotidiana agora é a soma das atividades necessárias para a autoprodução do singular, que nasce das relações estabelecidas de um mundo estabelecido.

Com a divisão social do trabalho e o advento do capitalismo, o controle do desenvolvimento genérico do homem passa a ser feito somente por uma classe e, desta forma, apropriar-se da genericidade representa a apropriação da alienação. Para Barroco, o trabalho é uma parte significativa da vida cotidiana e se expressa da seguinte forma:

universalidade do ser social e, em termos de cotidianidade, sua singularidade alienada, o trabalho apresenta dois aspectos: como execução de um trabalho é parte da vida cotidiana, como atividade de trabalho é uma objetivação diretamente genérica”. (Barroco, 2001:41)

A partir da relação concreta entre a vida cotidiana e as atividades genéricas conscientes, o trabalho para Heller (1977) pode ser visto como uma forma de atividade cotidiana (labour) e como uma forma de atividade genérica e objetiva (work).

O trabalho como work representa o motivo pelo qual o fazer de uma atividade genérica transcende a vida cotidiana, que é o fato de que este trabalho produz “valor de uso”. Assim, no processo de produção de mercadoria a sociabilidade e a genericidade somente se realiza se o produto é social.

Work seria definido como toda a ação ou objetivação diretamente social que seria necessária para uma determinada sociedade, isto é, todo o tipo de trabalho que resulta em ser “útil” aos outros. Work no plano sociológico e econômico é uma objetivação genérica, cujo fundamento é o processo de produção, a troca orgânica entre a natureza e a sociedade e o resultado é a reprodução material e total da sociedade (Cf. Heller, 1977:122).

O trabalho como labour é o trabalho alienado. No entanto, devemos considerar que a vida cotidiana é a reprodução do singular, mas para que ocorra esta reprodução os homens devem efetuar um trabalho. Neste sentido, o trabalho é uma atividade cotidiana.

O trabalho tem sido o elemento dominante da vida cotidiana e precisamente sobre ele é que se organizam outras atividades da vida cotidiana, como as relações interpessoais, o matrimônio, a educação para o trabalho, etc. O trabalho se apresenta, ao mesmo tempo, como “[...] uma ocupação cotidiana e uma atividade imediatamente genérica que supera a cotidianidade se deriva da especificidade ontológica do trabalho e não tem nenhuma relação necessária com a sua alienação” (Heller, 1977:123).

Para Marx, o termo labour é sinônimo de trabalho alienado e serve também para conservar o singular que é uma das atividades principais da vida cotidiana. A sociedade capitalista traz consigo o aparecimento da alienação onde:

“[...] oficialmente, dos trabalhadores são subtraídos os objetos de sua produção e os meios de produção; estes aparecem frente aos trabalhadores possuindo uma potência social estranha; seu trabalho objetivado é produzido como essência estranha, como uma potência estranha ao produtor; enquanto cresce a riqueza da sociedade, o produtor se empobrece cada vez mais; ao mesmo tempo em que se aliena também a produtividade do trabalho, o trabalho é externo ao trabalhador; o fazer não pertence ao seu ser”. (Heller, 1977:124)

O momento em que o trabalho como atividade genérica transcende à realidade da vida cotidiana é percebido quando a sua execução perde a forma de auto-realização e serve única e exclusivamente à conservação da existência singular. Desta forma, a atividade do trabalho produz e reproduz cada vez mais o singular. “[...] O labour como atividade laboral alienada é a atividade laboral da singularidade, parte de sua específica vida cotidiana” (Ibid, 125).

No contexto do desenvolvimento da sociedade moderna e capitalista a singularidade permanece como sujeito da vida cotidiana e o trabalho existe em função da conservação da singularidade; o trabalhador, nos países subalternos e pobres, não trabalha somente para sobreviver (comer, beber e produzir), mas para a satisfação de um conjunto de necessidades que correspondem ao nível de vida que se tem. As necessidades reduzem-se a acumular posses, enquanto que as necessidades de “ter” sobrepõem-se às suas necessidades vitais.

Com relação à alienação do labour, Heller afirma:

“[...] não diminui obrigatoriamente nem sequer quando o trabalhador sente o gosto no trabalho. A ciência manipulada das relações humanas que tenta precisamente dar uma fachada agradável ao labour pretende remover somente o sentido da alienação e não a alienação propriamente dita. Ou seja, a alienação do labour não pode ser eliminada através do processo de trabalho, mas sim somente

com a transformação (em direção ao comunismo) da estrutura social em seu conjunto”. (Heller, 1977:125)