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5. A Escelsa e seus trabalhadores

5.5 Análise simultânea dos relatórios

5.5.3 As omissões no discurso oficial da empresa

O discurso oficial da empresa encontrado no endereço eletrônico da empresa (e que parece ter direcionado toda a entrevista de Vanessa), não trata dos seguintes assuntos:

• As condições de trabalho e a qualidade de serviço nas empresas terceirizadas; • O arrocho salarial a partir do processo de privatização;

• O desemprego;

• O medo do trabalhador de reclamar das políticas da empresa.

As condições de trabalho degradantes nas empreiteiras terceirizadas (principalmente os salários baixos) são identificadas pelos cinco trabalhadores entrevistados. A baixa qualidade do serviço prestado pelas empreiteiras não é abordada por Vanessa nem por Anselmo.

O arrocho salarial é outro item não tratado pelo discurso oficial. Com exceção de Vanessa, todos os demais entrevistados relatam a perda do poder aquisitivo do trabalhador da Escelsa.

O desemprego, algo corriqueiro nas manchetes dos jornais e destaque nos telejornais nacionais, em nenhum momento é trazido à tona por Vanessa. Já os demais entrevistados consideram fundamental falar sobre o desemprego para poder compreender a dinâmica das relações de trabalho dentro da Escelsa e às pressões toleradas pelos trabalhadores. O desemprego é apontado pelo quinteto como um dos principais motivos responsáveis pelo

medo do trabalhador de reclamar das políticas da empresa. O Sinergia vai mais longe e

afirma categoricamente em seu endereço eletrônico (Informativo do Sindicato dos Trabalhadores em Energia do Espírito Santo) algumas artimanhas utilizadas pela empresa para debilitar o movimento sindical e amedrontar os trabalhadores:

Em 2003, o Sinergia-ES entrou na Justiça para garantir aos trabalhadores do Call Center que haviam sido demitidos pela Escelsa o direito de participarem da Cipa Carapina. Neste ano, novamente, o Sinergia-ES precisou acionar a Justiça para garantir o mesmo direito aos eletricistas que estavam com suas demissões em processo. Todos os 57 trabalhadores puderam participar das cipas de Carapina, Cachoeiro de Itapemirim, Guarapari, Linhares, Nova Venécia e 11 foram eleitos e, por conseqüência, tiveram seus processos de demissão cancelados.

Mas a Escelsa não parou com seus atos covardes, realizados com a finalidade principal de amedrontar a categoria, sempre na época da negociação coletiva. A empresa cumpriu com a promessa que fez através de seus “chefes” que ameaçaram os trabalhadores com a seguinte fala: “para cada eletricista reintegrado eleito na Cipa a empresa fará a demissão de outro eletricista”. E assim está acontecendo.

A condição de trabalho em empreiteiras subcontratadas foi analisada por Carcanholo (2002, p. 91). Para o autor “não é nenhuma novidade, para os empresários industriais mais modernos, que a terceirização seja um excelente mecanismo de imposição de maior grau de exploração do trabalho, sem os inconvenientes da deterioração da imagem da grande empresa e dos grandes empresários”.

Além de ser uma forma de redução de custos para a Escelsa em detrimento da rentabilidade da empreiteira e da precarização das condições de trabalho dos “colaboradores” terceirizados, a subcontratação é um mecanismo poderoso para se desmobilizar a classe trabalhadora. De acordo com Alves (2000, p. 210), “a terceirização concorre para a desconcentração operária, o que permite, por parte do capital, maior controle do trabalho e redução da luta de classes na produção [...]”.

O arrocho salarial não é algo exclusivo dos trabalhadores da Escelsa, mas uma característica própria da implementação do receituário neoliberal. Os ACTs apontam para uma deterioração do poder de compra dos salários dos trabalhadores da Escelsa. A redução dos salários é uma estratégia inerente também do toyotismo. Em alguns casos, as empresas se instalam em greenfields para fugir do embate sindical e conseguir condições mais favoráveis para praticar salários mais baixos. Logo, o arrocho salarial, não é uma peculiaridade da Escelsa, muito menos do Brasil, mas um dos pilares do binômio neolibelarismo/acumulação flexível. Para ilustrar esta afirmação basta ler as duas citações abaixo:

Ao contrário do que ocorreu com o modelo toyotista, tal como ele foi implementado nas principais empresas do Japão, sua viabilização e implementação no ocidente

deu-se sem a contrapartida do “emprego vitalício”. Mais ainda, sua concretização

tem se efetivado dentro de um mercado de trabalho, como o britânico, fortemente desregulado, flexibilizado, e que presenciou, e ainda presencia, níveis de desemprego que intimidam fortemente os trabalhadores. (Antunes, 1999, p. 83)

Já Martin e Veiga (2002, p.40) mostram que:

A implementação das fábricas da Mercedes-Benz e da BMW em solo norte- americano, no final da década de 1990, obedeceu o critério de utilização dos greenfields como estratégia para redução de custos e para obter vantagens (incentivos) regulatórias e fiscais para a construção e localização de nova unidade produtiva e seleção e formação de mão-de-obra de boa escolaridade mas facilmente maleável às exigências de um esquema flexível de organização do trabalho sem representação coletiva.

O medo dos trabalhadores está relacionado ao desemprego estrutural propiciado pelas políticas neoliberais e das práticas de gestão de pessoas que exacerbam a individualidade e a competição entre os trabalhadores dentro da empresa.

Após a apresentação dos pontos em comum, das divergências e as omissões dos discursos dos entrevistados passamos para a análise das conseqüências das práticas gerenciais sobre os trabalhadores. Deve-se ressaltar o entrelaçamento destas práticas com a dinâmica capitalista mundial e no Brasil para uma melhor compreensão das conseqüências.

Os relatos apresentados pelos trabalhadores, o referencial teórico e as demais fontes de informação utilizadas nesta pesquisa apontam para o seguinte quadro:

1. O trabalhador, muitas vezes, se considera indefeso diante da pressão por resultados exercida pela empresa devido à falta de oportunidades no mercado de trabalho;

2. O trabalhador vive com um medo perene de perder o posto de trabalho e, por isso mesmo, muitas vezes sente-se impelido a seguir o receituário da empregabilidade e flexibilidade propostos pela empresa (estudar, ser criativo, flexível, assumir riscos, assumir novas responsabilidades, saber trabalhar em equipe, gerenciar a própria carreira de trabalho e estar pronto para mudar de emprego a qualquer hora);

3. Os trabalhadores mais jovens tendem a ser vistos como uma ameaça pelos trabalhadores de idade mais avançada. Talvez devido ao fato de os trabalhadores mais velhos terem compromissos afetivos e financeiros perante suas famílias, algo pouco comum entre os mais jovens. Estes foram selecionados por terem um perfil que se enquadrava à nova realidade da Escelsa flexível e privatizada (individualismo, alta qualificação individual e poder aquisitivo menor). Já para os mais antigos, para se ajustarem à nova realidade da empresa tiveram de abrir mão de algumas coisas para poder ter acesso a outras. Dentre as trocas realizadas encontramos os dilemas: estabilidade no emprego x empregabilidade, camaradagem x individualismo, salários razoáveis x manutenção do posto de trabalho e atividades realizadas/cargo mais rígido x possibilidade de mudar completamente de atividade a cada semestre;

4. Apesar de submetidas à mesma estrutura gerencial, as pessoas reagem de maneira diferente. Seja pelo vínculo com o sindicato, a história de vida ou as necessidades mais prementes, os trabalhadores não apresentam as mesmas condutas diante da trajetória recente da Escelsa. Cada um dos entrevistados tem sua história peculiar dentro e fora da empresa;

5. Tudo indica um aprofundamento na adoção de práticas de gestão que levem à flexibilização do trabalho e concentrem, cada vez mais, o foco gerencial no lucro. Por um lado começam a surgir experiências de quarteirização de atividades antes exercidas pela Escelsa. Por outro, a drástica redução nos investimentos em transmissão e geração de energia sinaliza uma política voltada para o sucateamento da empresa e a máxima retirada de riqueza no curto prazo.