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CAPÍTULO IV – POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL NA

4.4 Aquisição de materiais específicos

4.4.1 As/os Bonecas/os

De acordo com as informações expostas pela gestora Lélia, a Diretoria

de Educação Infantil participa do processo de compra de brinquedos para as

crianças, por isso visamos discutir se a diversidade étnico-racial está presente

na escolha desses materiais. Essa análise faz-se pertinente visto que,

conforme apresentam os documentos balizadores da educação infantil, as

brincadeiras e interações são consideradas eixos orientadores das ações

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Uma das integrantes da banca de qualificação sugeriu a substituição da expressão cabelos afros por cabelos crespos. Sendo assim ao nos referirmos a fala das gestoras da SME manteremos a expressão cabelos afros, porém quando não for a fala delas utilizaremos a expressão cabelos crespos. Segundo a professora a utilização da expressão cabelo afro pode reforçar uma gíria, além de etnicizar apenas um tipo de cabelo, enquanto o cabelo liso ganha certa generalidade.

realizadas no cotidiano da educação infantil. Como afirmamos, ativistas,

acadêmicos/as e normativas indicam que os brinquedos busquem contemplar

todas as crianças.

Sobre esse assunto, a assessora Antonieta relata que:

Então assim, uma outra coisa que a gente tem tentado, e não conseguimos ano passado que é uma única empresa que tem são as bonecas, porque a gente não quer mais as bonecas negras que tem no comércio que é a mesma boneca branca, com uma chuquinha e simplesmente a boneca é marrom, a gente quer bonecas com características mesmo. Tem uma empresa que faz essas bonecas, a empresa é de São Paulo, elas já tiveram aqui, a gente já teve acesso às bonecas, eu levo nas formações, mostro pra todo mundo, e digo que vai ter na rede essas bonecas, quando eu digo isso, eu digo

muito mais com o objetivo de que isso seja cobrado. (Antonieta –

entrevista concedida em 26/03/2012).

Através desse depoimento realçamos a complexidade da gestão, isto é,

de acordo com os depoimentos a Diretoria de Educação Infantil de

Florianópolis/SC expõe ter uma concepção política que busca promover a

igualdade racial, porém lhes faltam instrumentos para essa efetivação, ou seja,

ausência de empresas que atendam a essa demanda. Sendo assim, para além

da compreensão da relevância de bonecas e bonecos negras/os em âmbito

educacional, têm-se a relação com as empresas produtoras

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de brinquedos.

A observação do cotidiano em educação infantil e as pesquisas sobre

práticas pedagógicas apontam que o modelo de bonecos/as negros/as mais

comum, que se diferenciam da boneca branca somente por uma pintura pode

causar menor identificação e interesse de crianças negras/os. Souza (2009 b)

que definiu tais bonecas brancas pintadas de cor marrom como

“quase-negras”, observou a percepção das crianças de artificialidade, raramente se

identificando e as definindo como “feias”. Porém, ainda não há um consenso

com relação à apresentação de bonecas/os negras/as e a identificação

negativa das crianças, já que Dias (2007) ao analisar a produção de bonecas

pretas em escola do Mato Grosso do Sul não verificou problemas com as

crianças em se identificarem com as bonecas.

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No ano de 2011 foi realizada a 1ª audiência pública com empresas promovida pela COEDI que contou com a presença de especialistas da área para discutir sobre os brinquedos e diversidade.

Todavia, é interessante que as bonecas e bonecos que pretendem

contemplar as crianças negras apresentem-se com características negras e

não sejam simplesmente a mera reprodução de boneca ou boneco com

particularidades brancas pintadas de preto ou marrom. Essa simples

substituição da “cor” pode atuar mais como um atendimento à demanda do

mercado do que para as problematizações sobre as diferenças. Sendo assim,

segundo a assessora Antonieta, pouco ou nada auxiliam no processo de

construção das identidades e autoestima, visto que na maioria das vezes as

meninas negras e os meninos negros continuam não conseguindo se

identificar. Cabe colocar que ao realçar a importância das características da

população negra, entendemo-las no plural, ou seja, não há um único tipo físico

e estético para negros/as, pelo contrário, há uma diversidade grande entre o

grupo. Chamamos atenção para que as/os bonecas/as sejam variadas/os e

valorizem a cor de pele, cabelos e outras particularidades.

Segundo a assessora Antonieta, outro motivo que contribui para a

insistência na aquisição dessas bonecas é que: “Elas são maravilhosas, são

idênticas a muitas crianças que a gente tem na rede.” (Antonieta – entrevista

concedida em 26/03/2012). A nosso ver, esse fato contribui de maneira direta

no processo de construção das identidades, pois ao conseguir se auto

reconhecer por meio dos brinquedos e imagens que compõem os ambientes de

educação infantil, é dada a possibilidade às crianças de se sentirem

participantes e integrantes daqueles espaços. Além disso, através da

apresentação de bonecas e bonecos com diferentes características surge a

possibilidade do desenvolvimento de trabalhos que abordem questões

referentes aos múltiplos tipos de beleza, valorizando os diferentes cabelos,

tipos físicos, enfim questionando os estereótipos e ideais que nos são

impostos.

Considerando as informações da gestão das unidades das Creches e

NEI’s, ou seja, o resultado da política proposta pela Diretoria, conhecemos que

dentre os materiais específicos, o que aparece com mais frequência é a

existência de bonecas/os negras/os, seguido dos filmes que contemplam a

cultura africana e afro-brasileira. Dentre a opção, outros foram referidos: os

Murais; Cartazes; Livros; Revistas; CD de Músicas; e DVD de palestras e

oficinas. No entanto, o material específico com o qual as unidades mais contam

são as/os bonecas/os negras/os, somando quatorze (14) respostas positivas,

seguidos dos filmes que tiveram nove (9) respostas afirmativas.

GRÁFICO 20 - MATERIAIS ESPECÍFICOS EXISTENTES NAS INSTITUIÇÕES. FONTE: TABULAÇÃO DA AUTORA, 2012.

Embora existam bonecas/as e outros materiais nas unidades, a

utilização desses ainda se apresenta como algo complexo para alguns/algumas

profissionais, principalmente no que se refere às crianças que irão desfrutá-los.

Por isso, destacamos que as bonecas negras e os bonecos negros podem

acompanhar as brincadeiras de todas as crianças, independente do seu

pertencimento étnico-racial. A respeito dessa questão, a assessora Antonieta

expõe que os/as profissionais que vivenciam o cotidiano da educação infantil

explanam essas dúvidas. Diante dessas situações ela explica que:

(...) eu também não vejo problema de uma criança negra brincar com uma boneca loira, mas as pessoas pensam que é isso, ah então tu estás querendo garantir que a crianças negras só brinquem com as bonecas negras? Não eu não estou dizendo isso, estou dizendo que à disposição dela, tem que ter a boneca negra e a boneca loira. À disposição da criança loira tem que ter a boneca loira e a boneca negra. (Antonieta – entrevista concedida em 26/03/2012).

Esses materiais podem auxiliar no processo de construção da

identidade, principalmente, por conta dos aspectos simbólicos, ou seja, a

presença das bonecas e bonecos negros pode colaborar para que as crianças

negras se vejam representadas nas brincadeiras, assim como para que as não

negras ampliem suas possibilidades de protagonistas, além de seus

referenciais de beleza.

Nesse sentido, segundo os depoimentos das entrevistadas, o

encaminhamento de bonecas e bonecos com características negras é

compreendido enquanto uma política

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, já que diante da ausência dos

mesmos optou-se pelo adiamento do envio e não pela substituição de “bonecas

estereotipadas”. Portanto, além das questões de iniciativa e concepção política,

as medidas dependem de aspectos administrativos, fato que também pode

acarretar prejuízos à concretização de ações que buscam abranger a ERER.

Outro elemento citado pela gestora Lélia diz respeito à necessidade de

formação sobre os materiais encaminhados:

Porque não adianta só mandar material, isso a gente já sabe, não adianta mandar só o livro e não dizer para as pessoas como é que tem que ser trabalhado. Não adianta só mandar o creme de cabelo, não adianta mandar a boneca de diferentes etnias, você tem que

trabalhar isso com o professor, tem que ter orientação. (Lélia –

entrevista concedida em 27/03/2012).

A nosso ver, essas discussões se fazem pertinentes, tendo em vista a

carga histórica de negação e silenciamento de determinada parcela da

sociedade brasileira, perante a existência do racismo e da desigualdade racial

e as relações que delegavam aos/as africanos/as e seus/suas descendentes

situações de subalternidade. Sendo assim, os investimentos nesses materiais

podem servir tanto para questionar os padrões estéticos impostos, quanto para

ampliar os brincares e protagonizar sujeitos que costumeiramente são

representados em condições secundarizadas.