• Nenhum resultado encontrado

As particularidades do capitalismo periférico e da “questão social” no

No documento analuciadamascena (páginas 84-91)

CAPÍTULO 3: CAPITALISMO PERIFÉRICO E A POLÍTICA SOCIAL NO

3.1. As particularidades do capitalismo periférico e da “questão social” no

Para que se possa compreender as possibilidades e limites da política social no Brasil, é necessário que se conheça as particularidades do capitalismo periférico e o desenvolvimento da política social brasileira.

O processo de desenvolvimento do capitalismo em países periféricos da América Latina tem como particular o processo de colonização de seus Estados. Esse processo teve grande contribuição para a acumulação primitiva de seus exploradores, não só em virtude da expropriação da riqueza das colônias, por meio do trabalho escravo, mas também por ter assegurado “um mercado de escoamento de produtos manufaturados na Europa, funcionando como motor de acumulação de capital nestes países”. (PAIVA; ROCHA; CARRARO, 1998, p. 152)

Além das raízes coloniais comuns aos Estados da América Latina, tais Estados encontram-se subordinados a uma economia dependente dos países de capitalismo central, numa dinâmica de acumulação mundial.

Conforme indica Marini (2005) a dependência pode ser entendida como uma relação de subordinação de países de economia periférica com nações de economia fortemente independentes, baseados em um sistema de trocas desfavoráveis, em um esquema de intercâmbio desigual. Nesse intercâmbio desigual os Estados latino americanos produzem e exportam bens primários e importam tecnologias e equipamentos, gerando um desequilíbrio na balança comercial.

Neste sentido, cabe destacar os dizeres de Paiva, Rocha e Carraro, que esclarecem essa dinâmica desigual:

Sendo assim, resta aos países latino-americanos exportarem produtos primários, essencialmente gêneros agrícolas e matérias- primas – cujos preços tendem a cair em relação a produtos industrializados – e importarem tecnologias, equipamentos e maquinários – de custo indiscutivelmente maior, considerando também o monopólio dos países centrais na produção

destes produtos, o que lhes permite vendê-los por um preço mais elevado. (PAIVA; ROCHA; CARRARO, 1998, p. 155)

Segundo a teoria marxista da dependência, ocorre uma maciça transferência do valor que é produzido na periferia para o centro de acumulação do capital mundial. Para alimentar o processo de transferência do valor produzido, os países periféricos precisam buscar na superexploração da força de trabalho as condições necessárias para garantir as perdas de acumulação do capital interno e a sustentação de um padrão de transferência de valor às economias centrais, de capitalismo desenvolvido.

Essa superexploração do trabalho, nos países de economia dependente se dá por meio de três mecanismos, quais sejam: a intensificação do trabalho, garantindo o aumento de sua produtividade, com extração de mais-valia relativa (com aumento do ritmo da produção do trabalhador); prolongamento da jornada de trabalho (com extração de mais valia absoluta e remuneração apenas pelo trabalho necessário e apropriação do trabalho excedente); e, por fim, baixos salários para remunerar o tempo de trabalho necessário.

Essa estrutura de superexploração nos países da América Latina é garantida segundo Paiva, Rocha e Carraro (1998, p. 157) pela possibilidade de remuneração da força de trabalho muito abaixo de seu valor real; condições precárias ou até mesmo ausência de um sistema de proteção social público; e um “expressivo contingente de trabalhadores informais e de desempregados, para os quais não há sequer vínculo salarial formal, muito menos acesso à proteção social, decorrentes da sociedade salarial”.

Nesse contexto, essa relação contraditória de subordinação ao mercado externo, determina as relações de produção internas e ao contribuírem para a acumulação do capital em escala global, aumenta o pauperismo das massas, por meio da crescente exploração do trabalhador, ocasionando traços específicos à “questão social latino americana”.

Em contrapartida, o Estado no capitalismo periférico, embora vivencie o agravamento da “questão social” que deve ser enfrentada por meio de sua atuação, encontra mais um obstáculo na execução da política social.

Os recursos que alimentam o fundo público para atendimento às políticas do Estado são buscados no excedente do valor criado na esfera da produção, seja por meio de tributação do capital na parte apropriada por este como mais-valia, seja no salário do trabalhador por meio da tributação, sobretudo no consumo. Sendo assim, quanto menor o excedente produzido distribuído na economia nacional, menores serão as possibilidades de constituição do fundo público para fazer frente às políticas sociais.

Se o excedente produzido, em sua boa parte, nos países de capitalismo periférico, de economia dependente, é transferido a países de capitalismo desenvolvido de economia central, no processo de acumulação mundial, por meio do sistema de trocas desfavoráveis, no intercâmbio desigual, a fração do excedente econômico do capital para financiamento da política social será escassa e dependerá sobretudo da tensão exercida pela luta política das massas.

Cabe ressaltar, como bem apontado por Paiva, Rocha e Carraro (1998, p. 164), que nos Estados latino americanos, de economia dependente, o excedente apropriado pelo Estado, ainda terá que cumprir três destinos:

Financiar o processo de acumulação a partir de frentes diversas, tais como investimentos em estrutura, subvenções financeiras ao capital internacional, isenção ou redução de impostos, manipulação de preços, etc; pagar a dívida externa e seus juros, bem como os empréstimos realizados, dividendos e amortizações, enviando assim parte considerável do excedente diretamente aos países centrais; e finalmente, sustentar o financiamento de precários mecanismos de proteção social, a segurança pública e demais investimentos na reprodução social internamente.

Assim sendo, ao pensarmos as possibilidades e limites da política social em países de capitalismo periférico, devemos levar em consideração que o “possível” ao atendimento do Estado é muito mais estreito que nas economias centrais, e as necessidades sociais são muito mais intensas, devido ao processo de superexploração, o que impõe outras determinantes ao fundo público que não podem ser ignoradas no tratamento teórico dado ao tema, com adoção de princípios jurídicos trazidos de economias de capitalismo desenvolvido, como a “reserva do possível” e o “mínimo existencial”, sem refletir em que implicam em cada realidade histórico concreta.

Nesse sentido, para compreensão dos limites e possibilidades de efetivação dos direitos fundamentais no Brasil, devem ser levados em consideração, as particularidades do desenvolvimento do capitalismo no Brasil, partindo dos elementos que integram o desenvolvimento contraditório de seu modo econômico contido no debate da CEPAL.

Segundo Carcanholo (2012, p. 83), diante da onda longa recessiva das economias centrais, na segunda metade da década de 1960, ocorre uma queda do padrão industrial diversificado na América Latina, com rebatimentos no crescimento da economia e na crise da dívida externa, período considerado pela Comissão Econômica para América Latina (CEPAL) como “década perdida”.

A CEPAL, ao analisar as causas da recessão na economia de tais Estados, indicou que as falhas estruturais e o atraso recorrente das sociedades latino-americanas se originavam de um suposto subdesenvolvimento e de uma suposta falta de modernização das estruturas nacionais.

Como já demonstrado anteriormente, aqueles que sustentam a teoria marxista da dependência, afastam tais afirmações demonstrando que o atraso da América Latina e dos países subdesenvolvidos se origina da inserção dependente dentro do sistema capitalista mundial, estruturado a partir de países metropolitanos imperialistas, com suas colônias e semicolônias.

A CEPAL afirmou que a estrutura arcaica e pré-capitalista dos Estados subdesenvolvidos, como o Brasil, deveria ser superada e que a falta de desenvolvimento nacional é o que impede o desenvolvimento do capitalismo, apresentando críticas ao modelo subdesenvolvido, estabelecendo uma dualidade entre agricultura e indústria, com indicação de que a existência de estrutura atrasada (relacionada a economia agrária) e moderna (relacionada à industrialização), é o que impede o desenvolvimento do capitalismo em países subdesenvolvidos e via de consequência o desenvolvimento do capitalismo mundial.

Oliveira (2003), ao tratar do desenvolvimento capitalista no Brasil pós-anos 30 e do processo de acumulação, demonstra que tais afirmações da CEPAL não podem prosperar no que se refere à economia brasileira, uma vez que não existe qualquer dualidade ou contradição entre os modelos “atrasado” e “moderno”, muito pelo contrário, entre a economia agrária e o processo de industrialização ocorre uma “integração dialética”, conforme será demonstrado.

Oliveira (2003, p. 33) indica que o fim da hegemonia agrário-exportadora e o início da predominância da estrutura produtiva de base urbano-industrial inicia-se com a Revolução de 30, contudo, apenas em 1956 ocorre a predominância da participação da indústria na renda interna do país. Nessa nova dinâmica, o Estado opera um série de novas intervenções na economia, a fim de garantir os ganhos da empresa industrial, nas palavras de Oliveira (2003, p. 41), “fazendo dela o centro do sistema”.

Nesse processo de passagem da hegemonia do capitalismo agrário para o industrial, o Estado desempenha um importante papel, institucionalizando as regras do jogo, como indica Oliveira (2003).

Dentre as inúmeras estratégias institucionais implementadas pelo Estado, pode-se destacar a regulamentação dos fatores no conjunto da economia, da seguinte forma: a regulamentação das leis do trabalho e a fixação de um salário mínimo, que igualava o preço

da força de trabalho, nivelando inclusive trabalhadores especializados à situação de não- especializados; fixação de preços e socialização dos custos por meio de políticas sociais, dentre outras medidas como o incentivo à produção de gêneros alimentícios pelo mercado interno, a um baixo custo para reprodução social, diante do grande contingente de trabalhadores na cidade por conta da industrialização e urbanização, forçando a diminuição do valor da força de trabalho urbana, em decorrência da diminuição do preço da cesta básica; não regulamentação do setor agrário, possibilitando a superexploração intensa no campo que afeta o urbano por conta do elemento essencial cesta básica que diminui o valor da força de trabalho urbana compensar a dependência.

Para compreender essa dinâmica vale destacar os ensinamentos de Oliveira (2003):

Os “preços sociais” podem ter financiamento público ou podem ser simplesmente a imposição de uma distribuição de ganhos diferente entre os grupos sociais, e a direção em que eles atuam é no sentido de fazer a empresa capitalista industrial a unidade mais rentável do conjunto da economia. Assim, assiste-se à emergência e à ampliação das funções do Estado, num período que perdura até os anos Kubtschek. Regulando o preço do trabalho, já discutido anteriormente, investindo em infra-estrutura, impondo o confisco cambial ao café, para redistribuir ao ganhos entre grupos das classes capitalistas, rebaixando o custo de capital na forma do subsídio cambial para as importações de equipamentos para as empresas industriais e na forma da expansão do crédito, a taxas de juros negativas reais, investindo na produção (Volta Redonda e Petrobrás, para exemplificar). O Estado opera continuamente transferindo recursos e ganhos para a empresa industrial, fazendo dela o centro do sistema. (OLIVEIRA, 2003, p. 40-41)

Contudo, mesmo perdendo a hegemonia, a agricultura, como bem indica Oliveira (2003, p. 42-43) não deixa de existir na dinâmica de acumulação capitalista industrial, ganhando nova função. Funciona como subsetor dos produtos de exportação, a fim de suprir as necessidades do capital externo e no que se refere ao consumo interno, a atividade agrícola tem a função de suprir as necessidades das massas urbanas com um importante papel na diminuição dos custos da reprodução da força de trabalho urbana, por meio da diminuição do custo real da alimentação. A economia agrária garantiu, ainda, o fornecimento de matérias- primas essenciais ao processo de acumulação urbano-industrial.

Nessa dinâmica, o trabalhador urbano tem sua atividade regulamentada com garantia de alguns direitos sociais prestados pelo Estado por meio de uma estrutura jurídico- formal, a fim de se garantir maior legitimidade ao sistema. Observa-se que os mesmos direitos não são estendidos aos trabalhadores rurais, haja vista que não havia a necessidade de buscar

uma ampla hegemonia, uma vez que o contexto político era de cisão entre trabalhadores urbanos e trabalhadores rurais, o que fazia com que bastasse a adesão de alguns seguimentos ao sistema para legitimá-lo, excluiu-se, assim, o trabalhador rural desse processo.

[...] ao mesmo tempo que o proletariado rural que se formou não ganhou estatuto de proletariado: tanto a legislação do trabalho praticamente não existe no campo como a previdência social não passa de uma utopia; isto é, do ponto de vista das relações internas à agricultura, o modelo permite a diferenciação produtiva e de produtividade, viabilizada pela manutenção de baixíssimos padrões de custo da reprodução da força de trabalho e portanto, do nível de vida da massa trabalhadora rural. OLIVEIRA (2003, p.45)

Assim sendo, foi exatamente esse arranjo entre o modelo econômico “moderno” e modelo econômico “atrasado”, entre economia industrial e economia agrária, que possibilitou o processo de acumulação capitalista no Brasil, permitindo o crescimento industrial e do setor de serviços, seja por meio da formação de um maciço contingente populacional, que funcionaria como “exército industrial de reserva” do capital, pressionando negativamente o valor da força de trabalho, seja por meio do fornecimento de excedentes alimentícios contribuindo para a diminuição dos custos da reprodução da força de trabalho.

Dessa feita, afastando a tese da CEPAL de que a falta de desenvolvimento nacional é o que impede o desenvolvimento do capitalismo, conclui Oliveira (2003) que no caso brasileiro é a conjunção da economia agrário-rural e urbano-industrial, que possibilitou a acumulação capitalista nacional e alimentou o capital externo. Observe-se:

Assim não é simplesmente o fato de que, em termos de produtividade, os dois setores – agricultura e indústria – estejam distanciando-se, que autoriza a construção do modelo dual; por detrás dessa aparente dualidade, existe uma integração dialética. A agricultura, nesse modelo, cumpre um papel vital para as virtualidade de expansão do sistema: seja fornecendo os contingentes de força de trabalho, seja fornecendo os alimentos no esquema já descrito, ela tem uma contribuição importante na compatibilização do processo de acumulação global da economia. De outra parte, ainda que pouco represente como mercado para a indústria, esta, no seu crescimento, redefine as condições estruturais daquela, introduzindo novas relações de produção no campo que torna viável a agricultura comercial de consumo interno e externo pela formação de um proletariado rural. (OLIVEIRA, 2003, p. 47-48)

Ao implementar o desenvolvimento industrial no Brasil, cujo marco se dá principalmente a partir da chamada “revolução de 30”, a economia nacional mantém paralelamente a estrutura econômica agroexportadora oligárquica, e essa relação dialética

entre urbano e rural, garantiu ao Brasil a base de sustentação para o capitalismo nacional, assim como garantiu o atendimento de interesses da oligarquia agrária e da burguesia industrial.

No desenvolvimento da industrialização no Brasil pós-anos 30, começou-se a produzir internamente bens de consumo não duráveis destinados, primordialmente ao consumo das classes populares. Tal produção foi priorizada diante dos recursos naturais existentes no país e das dificuldades encontradas no período pós-Segunda Guerra Mundial de importar produtos necessários ao atendimento das demandas internas do país.

Nesse contexto, criam-se novas possibilidades para o capital na ordem interna, mesmo diante da crise vivenciada pelo capital em geral, demonstrando, como afirma Oliveira (2003, p. 62) uma diferenciação da tese básica da dependência, de que só há possibilidades de desenvolvimento do capital diante de uma sincronia entre os movimentos interno e externo.

Conforme afirma Oliveira (2003, p. 50-51) esse processo desembocou num modelo de concentração de capital interno que possibilitou a expansão da produção para a fabricação de bens de consumo duráveis, como forma de garantir as necessidades de acumulação e não as necessidades do consumo, com substituição do modelo de importação de tais bens.

Oliveira (2003, p. 54-55) indica que o crescimento industrial ocorrido entre os anos de 1939 a 1969 alavancou o crescimento do setor terciário que absorveu parte da força de trabalho, colaborando assim, para o desenvolvimento econômico do modo de produção capitalista.

A aceleração do crescimento, cujo epicentro passa a ser a indústria, exige, das cidades brasileiras – sedes por excelência do novo ciclo de expansão -, infraestrutura e requerimentos em serviços para os quais elas não estavam previamente dotadas. A intensificação do crescimento industrial, que em 30 anos passa de 19% para 30% de participação no produto bruto, não permitirá uma intensa e simultânea capitalização nos serviços, sob pena de esses concorreram com a indústria propriamente dita pelos escassos fundos disponíveis para a acumulação capitalística. (OLIVEIRA, 2003, p. 56)

Assim como o desenvolvimento do capitalismo no Brasil se deu de forma distinta dos países de economia central, além das singularidades do país perante as particularidades do desenvolvimento do capitalismo nos países da América Latina, a política social implementada no Brasil também encontra suas determinações próprias.

No documento analuciadamascena (páginas 84-91)

Documentos relacionados