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5 CAPÍTULO – O GERÚNDIO NA MARCAÇÃO DE TEMPO FUTURO

5.1 A Formação das Perífrases Verbais de Futuro

5.1.1 As Perífrases de Futuro com Gerúndio no PB

Outra manifestação da tendência analítica do português brasileiro contemporâneo é o uso cada vez mais recorrente de construções que envolvem gerúndio (LONGO; CAMPOS, 2002; VIOTTI; SCHER, 2003; MENON, 2004).

Barbosa (1999) mostra-nos que, já em meados do século XVIII e início do século XIX, dentre as duas variações da função gerundiva na língua portuguesa, foi a forma estar + -

ndo, mais conservadora, que se cristalizou no Brasil Colônia. Os usos do infinitivo gerundivo,

(a + infinitivo), no entanto, passaram a ser usados somente pelos portugueses.

Uma outra inferência possível refere-se ao fato de haver, na sociedade colonial brasileira, de fato, a convivência entre duas normas distintas, paralelas aos dois grupos em que se dividiam os súditos da coroa portuguesa na América: uma norma dos falantes de português nascidos e habitantes no Brasil e outra dos falantes nascidos e crescidos em Portugal. Uma vez transferidos para a colônia, esses portugueses já poderiam ser identificados pelas diferenças, ao menos, por conta das variantes em incipiente mudança que hoje estabelecem traços de inovação no português europeu e, por consequência, traços de conservação no português do Brasil. Ao dizer, por exemplo, «estava subindo», o falante brasileiro conserva a norma geral de uso do século XVIII, ao passo que o falante português, ao dizer «estava a subir», apresenta o resultado de uma inovação que estava em incipiente propagação à mesma época (BARBOSA, 1999, p. 248).

Menon (2004), ao pesquisar as perífrases verbais com gerúndio, confirma que essas construções sempre foram produtivas na língua portuguesa e que é no português de Portugal que houve mudança para a forma a + infinitivo. Dessa maneira, segundo a autora, o português do Brasil teria conservado a construção tradicional da língua portuguesa.

Cunha (1986), em seus estudos acerca de “conservação” e “inovação” no português brasileiro, também descreve o gerúndio como um dos casos de mudança linguística em que o Brasil mostra-se mais conservador que Portugal: enquanto os brasileiros continuaram usando a forma clássica e mais antiga, os portugueses foram substituindo, gradativamente, o gerúndio (estou falando) pelo infinitivo gerundivo (estou a falar).

No PB hodierno, podemos encontrar várias possibilidades de uso para o gerúndio: o circunstancial, o adjetivo, o coordenado, o narrativo, o exclamativo, o interrogativo e, o que nos interessa particularmente, as perífrases verbais. Em todos esses usos, a forma nominal gerundiva, associada a um verbo auxiliar, marca diferentes aspectos da execução verbal.

Cabe ressaltar, contudo, que o gerúndio românico não realiza distinções da categoria de tempo (passado, presente e futuro), ou seja, não possui valor temporal próprio,

exprimindo apenas uma ação simultânea à principal. Logo, a temporalidade do gerúndio liga- se à temporalidade do verbo de que depende, acompanhando os valores de tempo deste.

Apesar, portanto, de não expressar Tempo (nem, consequentemente, Modo), o gerúndio é capaz de expressar Aspecto, a saber, imperfectivo em curso, isto é, processo (CAMPOS, 1980; COSTA, 1997). Segundo Castilho (1968), o gerúndio é justamente uma das formas verbais que, por meio da flexão verbal, indica o aspecto imperfectivo cursivo, como se pode verificar com o presente e imperfeito do indicativo e com algumas perífrases.

Para o autor, essa imperfectividade se estabelece de maneira direta quando o gerúndio se encontra em orações narrativas, independentemente dos limites de início e término da ação narrada. Nas orações subordinadas, todavia, o valor aspectual do gerúndio estará sujeito ao verbo da oração principal: se o aspecto do verbo principal for imperfectivo, a ação será imperfectiva; se for perfectivo, a ação do gerúndio ocorrerá dentro dos limites impostos pelo verbo principal. Além disso, o autor enfatiza que, dependendo do valor semântico do verbo que está no gerúndio, a ação imperfectiva pode adquirir um valor progressivo ou inceptivo-progressivo.

Outro estudo sobre a função do gerúndio em português é o de Cunha (1986), para o qual há duas formas de se perceber o gerúndio: uma simples e outra composta. Na forma simples, encontramos uma ação em curso, podendo esta ser imediatamente anterior ou posterior à ação do verbo da oração principal, ou ainda contemporânea a ela. Já na forma composta, o gerúndio é usado ou para expressar uma ação em curso ou uma ação simultânea a outra, ou ainda para exprimir uma ação de progressão indefinida.

O autor também argumenta que, em composição com os auxiliares estar, andar, ir e vir, o gerúndio assinala um aspecto durativo ou continuado, mas marca diferentes aspectos da execução do processo verbal a depender do auxiliar ao qual se liga: com o auxiliar estar, seguido de gerúndio, identificamos uma ação durativa em determinado momento (cf. 3); com o verbo andar, é indicada uma ação durativa, em que predomina a ideia de intensidade ou de movimentos reiterados (cf. 4); com o verbo ir, expressa-se uma ação durativa que se realiza progressivamente ou por etapas sucessivas (cf. 5); e, por fim, com vir, seguido de gerúndio, é expressa uma ação durativa que se desenvolve gradualmente em direção à época ou ao lugar em que se encontra o enunciador (cf. 6).

(3) Nossa, mas...não tô conseguindo lembrar. (Entrevista 03, PC) (grifo nosso) (4) O país anda vivendo dias de incerteza quanto ao futuro político. (grifo nosso)

(5) Os cursos vão indo normalmente, (também) e já comecei a receber a bolsa normalmente (a partir de março) (Carta Pessoal 02, PC) (grifo nosso).

(6) A gramática não explica como tal expressão vem sendo usada pelos brasileiros. (grifo nosso).

Nas conjugações perifrásticas com gerúndio, o verbo auxiliar mais usual em português contemporâneo é estar, em qualquer de seus tempos, embora ao lado de estar também apareça o auxiliar ir, como já acontecia no latim vulgar, e.g. “Errando vadit quasi

caecus” (Vai errando como um cego).104 Segundo Câmara Jr. (1976), a diferença entre os auxiliares estar e ir reside precisamente numa oposição entre duração estática e duração dinâmica (movimento em progressão) do evento, aspectos que, como verbos indicadores de movimento, estar e ir são capazes de imprimir à perífrase.

Ainda que os diferentes tipos de formações compostas por auxiliar (estar, andar,

ir e vir) mais gerúndio divirjam em termos de nuances aspectuais e de faixa de frequência na

língua, o que é relevante para este estudo é que todos eles parecem assinalar um aspecto geral de ação durativa, configurando-se como uma das instâncias de expressão da futuridade em PB.

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