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As perspectivas do texto e o lugar do leitor

2. Interação entre texto e leitor

2.2 As perspectivas do texto e o lugar do leitor

Outro aspecto fundamental a ser abordado é a perspectividade para que se compreenda a relação texto/leitor. Segundo Iser, o texto é um sistema perspectivístico em que os elementos textuais são selecionados através das estratégias e combinados por meio do repertório. O texto oferece diferentes visões do objeto, por meio dos vários pontos de vista apresentados, de modo a ampliar o estreitamento que uma única perspectiva acarretaria:

Cada perspectiva não apenas permite uma determinada visão do objeto intencionado, como também possibilita a visão das outras. Essa visão resulta do fato de que as perspectivas referidas no texto não são separadas entre si, muito menos se atualizam paralelamente. (ISER, 1996, p. 179)

Para Iser (1996, p. 180-181), a perspectividade interna do texto possui uma estrutura denominada de tema e horizonte, a qual é responsável pela condução de toda leitura, cuja função principal é coordenar e regular as diferentes perspectivas durante o ato de leitura. O leitor “toca nos diversos segmentos das perspectivas diferentes de representação” uma vez que, não sendo capaz de abarcar todas as perspectivas imanentes, escolhe entre uma e outra. A perspectiva adotada pelo leitor, em determinado momento da leitura, constitui o tema, sendo que o horizonte passa a ser uma perspectiva já superada, e que, ou serve como pano de fundo para o tema atual, ou se transforma em um novo tema. Em outras palavras, pode-se afirmar que o tema configura-se como ponto fixo em que o leitor situa sua atenção e, durante o ato de leitura, apoia-se em outros temas. Desse modo, à medida em que caminha página a página, capítulo a capítulo, a sua atenção focaliza outro lugar e, assim, o que antes foi tema torna-se horizonte durante o processo de leitura.

Mas nem sempre a perspectiva do leitor é a mesma do texto: tudo ocorre como se houvesse dois planos – do texto e do leitor – e eles se movessem de modo que ora o primeiro plano passa a ser segundo, ora o segundo passa a ser primeiro. É isso – a variação ou os “pontos de vista em movimento” – que torna a leitura rica (ISER, 1999, p. 10 - 12), afinal é no choque de pontos de vista e de percepções que o leitor vai refletir sobre os elementos circundantes à leitura. São nesses momentos que o leitor acaba se tornando também um produtor de significados novos, ou exerce sua plena capacidade intelectiva e a leitura se transforma em prazer.

Essa rede vai se desenrolando até a ocorrência de um “hiato”, ou seja, o instante em que se interrompe uma conexão esperada e, por isso, ocorre a quebra de uma expectativa (ISER, 1999, p. 17). Esses vazios sequenciais levam à desautomatização ou ao estranhamento na leitura e, consequentemente, à reflexão mais aguçada do leitor sobre a representação que ele próprio faz.

Essa interação é determinada por um “leitor implícito”, inscrito na estrutura do texto, que interfere sobre a imaginação do leitor real, permitindo- lhe uma projeção interpretativa no momento em que ocorre a leitura. Assim, “na sequência das representações, o objeto imaginário vai se apresentando contra o pano de fundo de um outro que já pertence ao passado” (ISER, 1999, p. 77). Nessa operação, há, portanto, um cruzamento entre o texto propriamente dito e o ato de leitura envolvendo um leitor real e o seu próprio repertório.

A concepção do leitor implícito designa então uma estrutura do texto que antecipa a presença do receptor. O preenchimento dessa forma vazia e estruturada não se deixa prejudicar quando os textos afirmam por meio de sua ficção do leitor que não se interessam por um receptor ou mesmo quando, através das estratégias empregadas, buscam excluir seu público possível. Desse modo, a concepção do leitor implícito enfatiza as estruturas de efeitos do texto, cujos atos de apreensão relacionam o receptor a ele. (ISER, 1996, p. 73)

Há que se distinguir, então, entre o leitor implícito e os índices que marcam, na enunciação, o pretendido efeito sobre o leitor real e que Iser denomina de “ficção de leitor” ou “leitor fictício”, que pode assumir o papel de uma personagem leitora, já que

O papel do leitor, inscrito no texto, não pode coincidir com a ficção do leitor. Pois é através da ficção do leitor que o autor expõe o mundo do texto ao leitor imaginado; assim o autor produz uma perspectiva complementar que enfatiza a construção perspectivística do texto. (ISER, 1996, p.75).

Cada uma das perspectivas assume uma visão do objeto e, como consequência, o representa de modo diverso, o que culmina com a não representatividade total do objeto por apenas uma perspectiva, pois elas são conectadas e se atualizam constantemente.

Iser faz, ainda, uma interessante análise sobre a questão da perspectividade nos estudos de Literatura, destacando que, no século XIX, o posicionamento do narrador passou a ser perspectivizado, pois o que importava não era saber a história em si, mas a questão do discurso, ou seja, a forma por meio da qual se contava a história a partir de diferentes focalizações. Adorno (2008), em seu clássico texto sobre o narrador na modernidade, destaca, também, que, a partir do século XIX, houve uma mudança de posição do narrador, que não mais detém o poder sobre o objeto do relato, pois a identidade da experiência se desintegrou. Abala-se a confiabilidade naquele que narra porque a história pode ser contada por diferentes ângulos, cabendo ao leitor posicionar-se frente às várias versões e perspectivas, comprometendo os alicerces da verdade. Nesse sentido, Iser observa que:

As perspectivas do texto visam certamente a um ponto comum de referências e assumem assim o caráter de instruções; o ponto comum de referências, no entanto, não é dado enquanto tal e deve ser por isso imaginado. É nesse ponto que o papel do leitor, delineado na estrutura do texto, ganha seu caráter efetivo. Esse papel ativa atos de imaginação que de certa maneira despertam a diversidade referencial das perspectivas da representação e a reúnem no horizonte do sentido. O sentido do texto é apenas imaginável, pois ele não é dado explicitamente; em consequência, apenas na consciência imaginativa do receptor se atualizará. (ISER, 1996, p. 75)

2.3 Leitor, autor, narrador: funções e estratégias discursivas nas

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