• Nenhum resultado encontrado

As Perspetivas dos Fundadores e Clássicos da Sociologia

PARTE I – RELIGIÃO E POLITICA EM DIÁLOGO

1. As Perspetivas dos Fundadores e Clássicos da Sociologia

Um clássico seria o resultado do primitivo esforço da exploração humana que goza de status privilegiado em face da exploração contemporânea no mesmo campo (Alexander, 1999, p. 24). Sendo assim, autores como Comte, Tocqueville, Spencer, Marx, Engels, Durkheim, Weber, Troeltsch, Simmel, pelos seus contributos, são chamados a esta tarefa de perceber como a sociologia clássica concebeu a relação entre o religioso e o político.

Assumimos que o estudo destes contributos poderá elucidar esta problemática tanto como os estudos contemporâneos sem, entretanto, descurar as respetivas ressalvas contextuais em que tais contributos foram forjados.

Comte é o sociólogo da unidade humana e uma das realizações da Sociologia da unidade humana foi a religião da unidade humana (Aron, 2002, p. 120). A doutrina de Comte baseia-se na ideia de que toda sociedade se mantém pelo acordo dos espíritos, deduzindo daí que só há sociedade na medida em que todos os membros têm as mesmas crenças (idem, p. 87).

A análise que Comte faz da religião no seu Système de Politique Positive tem como objetivo mostrar a função da religião em toda a sociedade humana, demonstrando que a unidade social exige o reconhecimento de um princípio de unidade entre todos os indivíduos, isto é, de uma religião, que funda a ordem social, sendo afeição e atividade ao mesmo tempo que dogma ou crença (ibidem, p. 108).

Comte não aborda de forma direta a relação do domínio religioso com o político, mas ao conceber que uma sociedade, conforme a natureza humana, deve ter uma contrapartida ou uma correção à dominação pela força, ele gerou, a partir do poder espiritual, uma teoria em oposição à sua conceção realista da ordem social. Para Comte, o poder espiritual é uma demanda permanente das sociedades humanas porque estas serão sempre, em qualquer ordem temporal, dominadas pela força (Aron, 2002, p. 111).

O poder espiritual não deverá apenas reger, unir, consagrar, mas também, moderar e limitar o poder temporal. No entanto, para tal fi m, é preciso que a diferenciação social já tenha sido levada muito longe. A este propósito, na fase fi nal do curso da história humana, quando os cientistas substituírem os sacerdotes, o poder espiritual concederá apenas uma consagração parcial ao poder temporal, lembrando aos poderosos que a posição de comando que ocupam deve corresponder à execução de uma função social(idem, p. 111).

Julga o fundador da Sociologia que a história leva, de forma simultânea, a uma crescente diferenciação das funções e a uma unifi cação crescente das sociedades. Assim, na fase fi nal da história humana, a fase positiva, a distinção entre o temporal e o espiritual será maior do que nunca. Essa distinção é condição para um consenso mais estreito e para uma unidade profunda mais sólida e face à precariedade da hierarquia temporal, os homens reservarão o seu apreço supremo para a ordem espiritual (ibidem, p. 112).

Para Comte, a religião é uma necessidade tanto dos homens que precisam de algo maior do que eles, como das sociedades que precisam de um poder espiritual para moderar o poder temporal, de modo que a religião dos tempos modernos deve ter uma inspiração positivista, não havendo mais espaço para a crença na revelação do catecismo da Igreja, nem na conceção tradicional da divindade. Como tal, propõe como alternativa a religião da humanidade (cf. Aron, 2002, p. 119).

Alexis de Tocqueville, ao contrário de Comte, deu outra relevância à variável política nas dinâmicas sociais, sem descurar as relações que esta estabelece com o domínio religioso. Embora seja questionável o conjunto de métodos empregues na realização da sua obra principal (idem, p. 242), é de mais-valia compreendermos a importância especial que ele atribuiu à religião na formação da democracia, bem como em toda a vida social e política americana (Vilaça, 2006, p. 66).

Segundo este autor, a maior parte da América inglesa foi povoada por homens que, depois de se terem subtraído à autoridade do Papa, não se haviam sujeitado a nenhuma supremacia religiosa e conduziram para o Novo Mundo um cristianismo democrático e republicano que acabou favorecendo o estabelecimento da república e da democracia nos assuntos públicos (Tocqueville, 1962, p. 222), e que fez com que o «espírito de religião» e o «espírito de liberdade» caminhassem lado a lado (Vilaça, 2006, p. 67).

Propõe Tocqueville que a religião exerce não somente uma ação direta sobre a política mas também uma ação direta no geral, isto é, quando não está falando da liberdade é que melhor ensina aos americanos a arte de ser livre (Tocqueville, 1962, pp. 224-225). A religião pode, então, ser considerada a primeira das instituições políticas da sociedade norte-americana, pois se não lhes dá o gosto pela liberdade, facilita-lhes o seu uso, uma vez que até os revolucionários são obrigados a professar respeito pela moral e pela equidade cristã, que não lhes permite violar facilmente as suas leis quando se opõem à execução de seus desígnios ou, fazendo-o, sentir-se-iam ainda detidos pelos seus partidários. Este fundo religioso comum desenvolvia em cada um o «espírito público», conferindo- lhe uma disciplina moral (Willaime, 1995, p. 14).

Os hábitos de restrição, que advêm da regulação que a religião exerce sobre os costumes e inteligências, “encontram-se de novo na sociedade política e favorecem a tranquilidade do povo, assim como a duração das instituições

que adoptou” (Tocqueville, 1962, p. 225). Deste modo, entende este autor que o império pacífi co que a religião exerce nos Estados Unidos se deve à separação da Igreja e do Estado e da confi rmação deste facto indagou como podia ocorrer o aumento do poder real de uma religião, reduzindo a sua força aparente (idem, pp. 227-228).

De uma defi nição substancialista da religião, segundo a qual esta não seria senão uma forma particular de esperança, tão natural ao coração humano como a própria esperança (ibidem, p. 228), este autor resgata um elemento de força da religião no próprio homem.

A partir deste pressuposto, examina a relação da religião com a política de uma forma muito cautelosa. Alega que religiões intimamente ligadas ao governo da terra, dominando as almas pelo terror e pela fé, sacrifi cam o futuro tendo em vista o presente, renunciam à universalidade dado que têm de adotar máximas que não se aplicam a todos os povos, aumentam o seu poder sobre alguns, mas perdem a esperança de reinar sobre todos, são obrigadas a defender aliados que lhes foram dados antes pelo interesse que pelo seu amor e não poderiam dividir a força material dos governantes sem se aterem com o ódio que tal acarretaria (Tocqueville, 1962, p. 229).

Podemos constatar que, no entender de Tocqueville, é a dimensão temporal das forças políticas que torna a aliança do religioso com o político algo oneroso para o religioso:

Enquanto uma religião encontra a sua força nos sentimentos, nos instintos, nas paixões que se vêem reproduzir da mesma forma em todas as épocas da História, ela arrosta o esforço do tempo, ou pelo menos não poderia ser destruída a não ser por outra religião. Mas, quando a religião quer apoiar- se sobre os interesses deste mundo, torna-se quase tão frágil como todas as potências da terra. Sozinha, pode ter esperanças de imortalidade; ligada a poderes efémeros, segue o destino desses poderes e não raro cai com as paixões de um dia que os sustentaram (Tocqueville, 1962, p. 229).

Coerente com esta perspetiva de análise, vaticina que à medida que uma nação adota um estado social democrático e as sociedades se inclinam para a república, mais perigosa é a união do religioso às autoridades políticas, uma vez que o poder passará de mão em mão, suceder-se-ão as teorias políticas, em

que leis, constituições e homens se modifi carão a cada dia, tudo isso de forma constante (idem, p. 230).

De modo geral, Tocqueville considera maléfi ca a união íntima entre a religião e a política, apontando-a, inclusive, como a causa particular e acidental que impede, na Europa, o espírito humano de seguir a sua inclinação natural em matéria de religião. Acerca da situação do cristianismo na Europa, descrito por ele como «um vivo que se desejou ligar aos mortos», o autor mostra-se pessimista em relação ao que seria necessário fazer para desfazer as amarras que o prendem aos poderes terrenos, todavia, sem ser seduzido pela possibilidade de sugestionar o modelo americano ao velho continente (ibidem, pp. 231-232).

Assim, embora datadas e sem rigor científi co, as formulações de Tocqueville, que tomam a religião como a primeira das instituições políticas nos Estados Unidos, evidenciam que a religião pode estar conciliada com o antitotalitarismo, dão conta da dimensão religiosa do político, abrem caminho para as investigações na área da religião civil e facultam argumentos àqueles que se opõem à teoria da secularização (Vilaça, 2006, p. 67).

A par de Comte, Herbert Spencer (1939), conhecedor do trabalho de Tocqueville, conferiu na sua sociologia uma importância destacável à questão do progresso e dispensou também uma atenção especial à religião nos seus escritos, particularmente, à oposição entre a religião e a ciência. Defende que deveria haver uma harmonia fundamental entre os dois domínios, em que cada uma das partes se esforçaria para compreender a outra, persuadindo-se de que existe no outro algo que merece ser compreendido, atitude que será a base de uma reconciliação completa (Spencer, 1890, pp. 16-17). Considera também que “embora à primeira vista o não pareça, a investigação livre procura dar alicerce mais fi rme a toda e verdadeira religião” (Spencer, 1939, p. 90).

Em relação ao poder espiritual e ao poder temporal, outro assunto que não lhe passou ao lado no tratamento do fenómeno religioso, destaca a dimensão religiosa do político e as relações entre as organizações religiosas e políticas.

Discute este autor o caráter legitimador do sagrado na política, no passado, sob a forma da crença no direito político dos reis e nos tempos modernos sob a forma da crença no direito divino dos parlamentos, ironizando que “o óleo santo parece ter passado inadvertidamente da cabeça de um para a de muitos, consagrando-os a eles e aos seus decretos” (Spencer 192-, p. 159) e explica a diferenciação da governação religiosa da governação secular (cf. Spencer, 1899).

Fazendo recurso à sua teoria da evolução e de uma base metodológica comparativa, Spencer remonta às formas elementares da ideia religiosa e dos sentimentos religiosos em busca da explicação para o papel que os sistemas eclesiásticos jogam no desenvolvimento social. No seu entender, a instituição eclesiástica conserva a individualidade da sociedade, na medida em que representa o princípio da continuidade social e é a causa mais poderosa da coesão (Spencer, 1899, p. 130).

Propõe que a relação íntima entre o governo religioso e o governo político tem origem moral (idem, p. 119), mas que, nos tempos modernos, a luta pela supremacia, ajustada a uma maior dissimilitude de funções, é uma das principais causas que colaboram na produção da diferenciação e cavam a separação entre a estrutura eclesiástica e a política (ibidem, p. 156).

A mudança que transformou a proeminência primitiva do poder espiritual sobre o temporal numa subjugação da primeira provém principalmente da causa que geralmente determinou a aparição de tipos mais elevados de organização social, a saber, o desenvolvimento do industrialismo. Assim, o industrialismo, a diferenciação, a especialização e a dessacralização do saber que lhe são correlatos, constituem para Spencer as hipóteses teóricas que permitem compreender a relação entre as organizações religiosas e políticas no período moderno (Spencer, 1899, p. 162).

Apreende que a separação entre o religioso e o político é o fi m de uma evolução (idem, p. 192), mas, advogando o caráter relativo de todos os saberes humanos (cf. Spencer, 1899, pp. 210-215; Spencer, 1939, p. 89), ele acaba não se constituindo um dos arautos do fi m da religião nem um dos apoiantes da tese da secularização, como mostra Vilaça (2006).

Marx e Engels legam-nos uma posição que, partindo também, a par dos autores já vistos, da índole consagradora da religião, é signifi cativa para a Sociologia das Religiões no que diz respeito à sua crítica política e fi losófi ca da religião (Vilaça, 2006, p. 70). Malgrado as suas falhas, a abordagem marxista constitui um aporte importante para a análise da problemática da instrumentalização política do religioso, assim como de outras problemáticas (Willaime, 1995, p. 11).

A forma como Marx se posiciona perante a relação entre o político e o religioso, como não pode deixar de ser, é dada pela forma como ele concebeu a religião, embora se considere que nunca se deu ao trabalho de estudar profundamente, e com inteira independência, o problema transcendente da religião (Pires, 1983, p. 216). Concebe-a como «ópio do povo», um aforismo muito utilizado na sua época (Wackenheim, 1963, p. 187) e estabelece que a crítica da religião “é o pressuposto de toda a crítica” (Marx, 1993, p. 77), uma vez que constitui “a crítica do vale de lágrimas de que a religião é a auréola” (idem, p. 78).

Para Marx a religião é mistifi cação, uma manifestação de falsa consciência explicada como um achado dos homens para compensar o seu mistério, agente de controlo social das classes dominantes na luta de classes, e assim, não apenas podia ser explicada, como era também uma forma de explicação (Wilson, 1982).

… o homem faz a religião; a religião não faz o homem. E a religião é de facto a autoconsciência e o sentimento de si do homem, que ou não se encontrou ainda ou voltou a perder-se. Mas o homem não é um ser abstracto, acocorado fora do mundo. O homem é o mundo do homem, o Estado, a sociedade. Este Estado e esta sociedade produzem a religião, uma consciência invertida do mundo, porque eles são um mundo invertido. A religião é a teoria geral deste mundo, o seu resumo enciclopédico, a sua lógica em forma popular, o seu point d´honneur espiritualista, o seu entusiasmo, a sua sanção moral, o seu complemento solene, a sua base de consolação e de justifi cação. É a realização fantástica da essência humana, porque a essência humana não possui verdadeira realidade. Por conseguinte, a luta contra a religião é indirectamente a luta contra aquele mundo cujo aroma espiritual é a religião (Marx, 1993, pp. 77-78).

Nessa crítica fundamental sustenta-se o tratamento da «questão judaica», texto no qual Marx discute a questão da emancipação, ponto focal a partir do qual relaciona o político com o religioso, questionando a relação entre a total emancipação política e a religião (idem, p. 41).

Tomando como caso exemplar a democracia americana, exemplo da plena emancipação política, chega à conclusão de que a existência da religião não se opõe de nenhum modo à perfeição do Estado, mas constitui a existência de um defeito cuja fonte é a natureza do próprio Estado. A religião aparece assim como manifestação da insufi ciência secular, posição que nos transporta às considerações dos autores que já vimos, mas aqui, a questão da emancipação política e da religião acaba se tornando o problema da relação entre a emancipação política e a emancipação humana (cf. ibidem, p. 42).

A deslocação da religião do direito público para o direito privado, da essência da comunidade para a essência da diferenciação, traduz a emancipação política do homem da religião (Marx, 1999, p. 47). Entretanto, a emancipação política da religião deixa fi car a religião na existência, embora já não se trate de uma religião privilegiada, e a consumação do Estado é que este se reconhece simplesmente como Estado e abstrai-se da religião dos seus membros. Desta maneira, a emancipação do Estado da religião não é a emancipação do homem real quanto à religião (idem, p. 53).

Marx encontra na emancipação política um grande progresso mas não a forma fi nal da emancipação humana, apenas a forma fi nal da evolução humana dentro da ordem mundana até então existente (cf. Marx, 1999, p. 47). Julga que não é sufi ciente laicizar as instituições, mas que é imperioso, também, laicizar as consciências (Wackenheim, 1963, p. 114), o que somente é factível face à destruição do próprio Estado laico, o derradeiro refúgio da alienação religiosa (idem, p. 165).

É uma hipótese que da assunção da religião como fenómeno essencialmente secundário e dependente se compreenda porque a relação entre o religioso e o político acaba não se constituindo uma problemática primária dentro da obra de Marx, como assinala Pires (1983, p. 308). A religião como pressuposto do Estado, enquanto sua essência alienada, e concebida a consagração religiosa como engendrada por uma ordem política irracional (Wackenheim, 1963, p. 135), acaba estando sempre presente, variando o grau da sua infl uência consoante o tipo de Estado, descrito por Marx como “a força concentrada e organizada da sociedade, particularmente a burguesa” (Pires, 1983, p. 285).

O estudo aprofundado das relações entre o religioso e o político não constitui assim um problema central para Marx. O fi m último da história é a supressão e abolição da sociedade burguesa, do Estado e, consequentemente, dos seus correlatos, como a religião, uma perspetiva escatológica que já foi considerada mais anarquista do que comunista (Pires, 1993, p. 311). A laicização do Estado não é mais do que a primeira etapa do processo de desalienação total (Wackenheim, 1963, p. 173), que conduziria à emancipação humana, liberto o homem das tutelas nefastas da política e da religião (idem, p. 174).

A crítica que Marx teceu à religião, ao longo da sua vida, foi centrada nas funções da religião, primeiramente, denunciando a religião como impostura, em seguida como alienação (Wackenheim, 1963, p. 141) e especialmente como ideologia do Estado (cf. Turner, 1997, pp. 63-64). Ao considerar a religião como uma realidade superestrutural, não entendeu o religioso como um «sistema simbólico autónomo», postura aliás semelhante ao sistema político (Vilaça, 2006, p. 70), já que o seu enfoque não é uma análise refl exiva no sentido de Kant, mas uma descrição que põe a nu as raízes do fenómeno religioso, visando a sua efetiva abolição (Wackenheim, 1963, p. 12).

Se Marx e Engels, juntos ou separados, consideram o materialismo histórico como uma perspetiva original na história e na sociedade, e se o primeiro desenvolve o que é considerado uma sociologia da luta de classes (Aron, 2000, p. 181), deve-se buscar em Engels uma explanação não ambígua, detalhada e materialista-histórica da natureza da religião nas sociedades de classes (Turner, 1997, p. 71).

Analisando o cristianismo do século XIX, Engels focaliza a relação paradoxal entre a religião e a sociedade burguesa, que, por um lado, minava a prevalência social das crenças e instituições religiosas, mas, por outro lado, via na religião um importante mecanismo para assegurar a aquiescência do proletário urbano (idem, p. 75).

Constata-se que em Engels a religião é acima de tudo uma ferramenta política, na retaguarda da batalha ideológica (ibidem), e isso abriu espaço para que também se considerasse a religião como uma forma de fazer

oposição política (ibidem, p. 77), mas, na perspetiva de Marx e Engels, a religião está condenada a nunca ultrapassar o limiar da revolução (Turner, 1997, pp. 73-74).

Um aspeto particular na análise de Marx e Engels às relações entre o religioso e o político é a proclamação da incompatibilidade absoluta entre o socialismo e a religião (Wackenheim, 1963, pp. 281-282), pressuposto que, a par da classifi cação do cristianismo como inimigo da natureza, inimigo do progresso social e inimigo da ciência e da civilização (idem, pp. 291-304), passaria a ser a base de programas políticos de determinados regimes políticos durante o século XX.

Por outro lado, o facto de o marxismo, conotado essencialmente com os desenvolvimentos da teoria de Marx por Engels (Pires, 1983, p. 404), atribuir à religião, enquanto fenómeno localizado na superestrutura, um papel secundário, veio a repercutir-se fortemente no modo reducionista como uma boa parte dos sociólogos perspetivaram a religião ao longo do século XX, contribuindo para a sua tardia valorização enquanto área autónoma do saber sociológico (Vilaça, 2006, p. 72).

À semelhança de Marx e Engels, Émile Durkheim (1975) elabora uma abordagem funcionalista da religião, considera a sua infl uência sobre a consciência e, assim como Tocqueville e Spencer, dá especial atenção ao papel integrador da religião, mas, numa perspetiva diferente, com outras premissas e partindo de um outro terreno (Willaime, 1995, p. 15).

A sociologia de Durkheim, como um todo, tem sido interpretada como uma tentativa de solucionar o chamado problema hobbessiano da ordem (Turner, 1997, p. 48). Na sua análise é dada prioridade histórica e lógica à sociedade, toma-se a estrutura social como precedente aos indivíduos, com prioridade dos tipos sociais sobre os fenómenos individuais, sendo este um esquema analítico que se aplica, entre outros aspetos, à religião, à moral e ao Estado (Fernandes, 2008a, p. 10).

Tomando, de forma apriorística, uma posição sobre a natureza da religião, reduzindo-a a um simples fenómeno social (idem, p. 86), Durkheim defende que nenhuma religião é falsa (Cipriani, 2007, p. 94) e, conceptualizando-a como

um sistema de forças, defende, também, que não é uma ilusão (Durkheim, 1975, p. 282). A religião em Durkheim é a experiência do sagrado (Willaime, 1995, p. 16), um sistema de símbolos através dos quais a sociedade toma consciência de si própria, na medida em que é a forma de pensar do ser coletivo (Fernandes, 2008a, p. 94).

Todavia, questiona-se que ou a sociedade à qual Durkheim dirige o culto religioso é a sociedade concreta, sensível, composta por indivíduos e tão imperfeita como os próprios indivíduos e então estes que a adoram são vítimas de representações alucinatórias, ou a sociedade de Durkheim não é real, sendo uma sociedade diferente da que podemos observar, uma realidade ideal, representando o que há de ideal imperfeitamente realizado na sociedade real (cf. Aron, 2002, pp. 350-351).

Ao estabelecer que a religião gerou tudo o que há de essencial na sociedade,

Documentos relacionados