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3.3.1 O PAC na identificação de padrões de aquisição normais, em atraso ou desviantes

CAPÍTULO 5. AS PERTURBAÇÕES DOS SONS DA FALA

5.1 A fala e as suas alterações

5.1.1 As perturbações fonológicas

De acordo com Lamprecht, et al. (2004), até aos 5;0 anos de idade, de forma gradual e individual, as crianças vão dominando o conhecimento fonológico da sua língua. No entanto, existem crianças que apresentam diferenças na forma como o seu sistema fonológico é construído, apresentando características que não seriam esperadas na sua idade, na ausência de fatores que pudessem estar na origem da dificuldade para a aquisição dos sons da fala. Esta dificuldade específica em estabelecer, de forma adequada, as regras do sistema fonológico ou em usar os fonemas de forma contrastiva, é denominada Perturbação Fonológica. Assim, as alterações de fala poderão não ser causadas por uma dificuldade de execução motora, ou seja, não constituem um problema articulatório ou fonético, mas antes

numa dificuldade cognitivo-linguística, manifestando-se em dificuldade na organização fonológica e na utilização dos fonemas num contexto. (Ingram,1976; Issler, 1996; Grunwell,1981,1990; Mota 2001; Pagliarin, 2007; Lazzarotto-Volcão 2009; Lamprecht, et. Al. 2004; Lima, 2008).

O sistema fonológico nas crianças com perturbações fonológicas não é adquirido espontaneamente, existindo diferenças nas etapas percorridas pela maioria das crianças de uma língua alvo (Giacchini,2009; Carlesso e Keske-Soares, 2007).

Wertzner (2004) define perturbações fonológicas como uma dificuldade de fala, caracterizada pelo uso inadequado de sons, que podem envolver erros de percepção, produção ou organização dos mesmos.

Wertzner et. al. (2007) refere que as crianças com Perturbação Fonológica podem manifestar, nas suas produções, substituições, omissões e /ou distorções por não terem adquirido as regras fonológicas do sistema linguístico da comunidade em que estão inseridas. Embora o sistema fonológico seja inadequado ao esperado para a sua faixa etária, Lamprech (2004) refere que as crianças com Perturbações Fonológicas apresentam um sistema que não viola restrições fundamentais em termos de traços e estruturas silábicas, embora as suas produções não atinjam totalmente o sistema-alvo.

Para Grunwell (1981), as crianças com Perturbações Fonológicas apresentam:

a) fala praticamente ininteligível, sendo as consoantes os segmentos com maiores alterações;

b) idade superior a quatro anos, pois nessa idade a fala tem ser ser entendida em qualquer situação de comunicação;

c) audição normal; 12

d) ausência de alterações anatómicas ou fisiológicas relacionadas com os mecanismos de produção da fala;

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No que respeita à audição, torna-se fundamental refletir sobre a relação entre o impacto que perdas

auditivas (causadas por otites médias) têm no desenvolvimento linguístico da criança que se encontra em avaliação, uma vez que Correia (2015), observa que o período de instalação das mesmas é decisivo no processo de aquisição e não só a presença ou ausência no momento. Correia (2015) verifica que as dificuldades fonológicas segmentais de crianças com otites médias se prenderem

e) ausência de problemas neurológicos relacionados com a produção da fala;

f) capacidade intelectual adequada para o desenvolvimento da linguagem falada;


g) linguagem expressiva e compreensiva adequada à faixa etária, no que se refere aos restantes domínios linguísticos.

A autora refere que as crianças com Perturbação Fonológica apresentam uma quantidade e variedade restrita de segmentos, redução de combinação de traços fonéticos, quantidade limitada de fricativas e de ponto de articulação, trocas surdo/sonoro e poucos grupos consonânticos.

Existem diferentes propostas para a classificação das Perturbações Fonológicas, umas mais baseadas na inteligibilidade e grau de severidade, outras baseadas em análises quantitativas (percentagem de consoantes corretas).

Grunwell (1997) propôs uma classificação das alterações fonológicas em três categorias:

I - desenvolvimento atrasado - a criança desenvolve padrões de fala de forma adequada, de acordo com etapas esperadas para a língua, mas num ritmo mais lento;

II- desenvolvimento irregular - a criança utiliza padrões esperados em diferentes fases de aquisição; uns podem estar de acordo com o esperado, outros padrões podem ser esperados em idades mais avançadas ou idades anteriores;

III - desenvolvimento incomum - a criança utiliza padrões que não se esperam no desenvolvimento normal.

Ingram (1997) sugere uma tipologia de alterações fonológicas:

Tipo 1 – crianças com atraso fonológico - mostram padrões fonológicos de crianças normais mais jovens e têm vocabulário relacionado com as suas capacidades fonológicsa.

Tipo 2 – crianças com características de desenvolvimento distintas - adquirem um vocabulário relativamente amplo, mas apresentam um sistema

fonológico severamente desorganizado;

Tipo 3 – crianças com padrões fonológicos influenciados socialmente - são caracterizadas com padrão fonológico incomum;

Tipo 4 – crianças com alterações no desenvolvimento supralaríngeo - são as que apresentam um desenvolvimento do traço [voz] avançado.

Keske-Soares (2001) propôs uma tipologia para a classificação dos desvios fonológicos:

• sujeitos com desvios fonológicos com características incomuns: o sistema fonológico do sujeito está bastante distante do esperado relativamente ao sistema padrão de crianças mais jovens com desenvolvimento normal, com processos incomuns (fricatização, glotalização, apagamento de fricativa/oclusiva) e preferência sistemática por um segmento; nesse caso, ocorre severa ininteligibilidade de fala;

• sujeitos com desvios fonológicos com características iniciais: o sistema fonológico do sujeito é semelhante ao encontrado no desenvolvimento inicial da aquisição fonológica; apresenta alguns processos iniciais (oclusivização, desvozeamento e anteriorização), que persistem além da idade esperada; nesse caso, ocorre também ininteligibilidade de fala, no entanto em grau menos severo;

• sujeitos com desvios fonológicos com características atrasadas: o sujeito apresenta alterações que são evidenciadas no estádio final da aquisição fonológica normal e apresenta alterações nas fricativas palatais e líquidas e nas estruturas CVC e CCV;

• sujeitos com desvios fonológicos com características fonéticas adicionais: o sujeito apresenta fatores fonéticos que interferem no desenvolvimento e na adequação fonológica, podendo enquadrar-se nos grupos com características incomuns, iniciais e atrasadas.

Shriberg & Kwiatkowski (1982) determinaram uma análise quantitativa para verificar o grau de severidade das alterações fonológicas através dos resultados da

percentagem de consoantes corretas - PCC. Considerando esta medida, o desvio pode ser classificado como:

• desvio médio (86 a 100%);

• desvio médio moderado (66 a 85%); • desvio moderado-severo (51 a 65%); • desvio severo (< 50%)

Lazzarotto-Volcão (2009) classificou os desvios fonológicos em função da presença ou ausência de contrastes identificados através do Modelo Padrão de Aquisição de Contrastes (descrito detalhadamente no capítulo 3 do presente trabalho).

Em termos gerais, entende-se que a Perturbação Fonológica corresponde a um sub-tipo de perturbação dos sons da fala. O conhecimento detalhado e profundo sobre as características linguísticas bem como sobre a etiologia na Perturbação dos Sons da Fala torna-se essencial para a interpretação dos dados de avaliação bem como para o estabelecimento de um diagnóstico preciso, fundamental para o planeamento adequado da intervenção terapêutica.