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CAPÍTULO I – Alimentação e Fome: a construção de uma política social

1.2 Ações políticas do governo federal para alimentação escolar

1.2.3 As políticas das instituições responsáveis pela alimentação

Cada macaco no seu galho

Nos fins dos anos 1960 a 1974, o Brasil viveu um período de expansão econômica, em que o Produto Interno Bruto (PIB) crescia a uma taxa de quase 12% ao ano, conhecido por milagre econômico (VASCONCELOS, 2005, p. 443),

53 o que, de certa forma, se reverteu para a educação do país em forma de investimento ainda que não de maneira efetiva.

No início da década de 1970, sob a gestão do general Emílio Garrastazu Médici, foi criada a Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971, que fixava diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º graus, e também no art. 59, percentual mínimo a ser investido em educação pelos municípios:

Art. 59 - Aos municípios que não aplicarem, em cada ano, pelo menos 20% da receita tributária municipal no ensino de 1º grau aplicar-se-á o disposto no artigo 15, 3º, alínea f, da Constituição.

Parágrafo único. Os municípios destinarão ao ensino de 1º grau pelo menos 20% das transferências que lhes couberem no Fundo de Participação.

Parágrafo único - Os Municípios destinarão à Educação e Cultura um mínimo de 20% (vinte por cento) das transferências que lhes couberem no Fundo de Participação, na forma que vier a ser estabelecida em ato do Poder Executivo (BRASIL, 1971).

Nesse sentido, havia a possibilidade de aumento das verbas de financiamento do ensino público, mas não a descentralização da política e do recurso.Ou seja, como a criação dessas duas entidades educacionais – INDEP e FNDE – contribuiu para a consolidação da política de alimentação escolar? Em que medida a falta de autonomia dos municípios compromete a gestão do PNAE?

No cenário internacional, conforme ensinamentos de Vasconcelos (2005), assistiu-se nesse período a um colapso do capitalismo, no qual se retoma a questão da fome mundial com maior intensidade a partir da controvertida crise mundial de alimentos. Diante dessa conjuntura, organismos internacionais, como a Organização Mundial de Saúde (OMS), a FAO e o UNICEF, passaram a defender a necessidade de incorporar o planejamento nutricional ao planejamento econômico dos países do Terceiro Mundo28, em particular, dos

países latino-americanos.

A quantidade de alimento recebida entre 1950 e 1970, como doação ou a preços simbólicos, é difícil de precisar. No biênio 1968-1969, Food for

Developmentcontribuiu com 187.000 toneladas, em boa parte

28Fazem parte desse grupo os países que possuem economia subdesenvolvida ou em desenvolvimento, geralmente nações localizadas na América Latina, África e Ásia.

54 distribuídas através de programas de atenção materno-infantil, assistência ao trabalhador e organizações religiosas (...). Com exceção da merenda escolar, nenhum destes esforços prosperou mas acumularam-se durante o período informações que não deixaram dúvida quanto à gravidade da situação (SILVA, 1995, p. 88-89).

Desse modo, em 30 de novembro de 1972, foi criado o Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (INAN), por meio da Lei nº 5.829, sob cuja tutela estava o Programa Nacional de Alimentação e Nutrição (PRONAN)29, instituído

por meio do Decreto nº 72.034, de 30 de março de 1973, “com a finalidade de acelerar a melhoria das condições de alimentação e nutrição da população, e consequentemente, contribuir para a elevação de seus padrões de saúde, índices de produtividade e níveis de renda” (BRASIL, 1973).

O primeiro Pronan (1973-1974) teve sua execução prejudicada por dificuldades administrativas. O Pronan II (1976-1979) ofereceu o primeiro modelo de uma política nacional incluindo suplementação alimentar, amparo ao pequeno produtor rural, combate às carências específicas, alimentação do trabalhador e apoio à realização de pesquisas e capacitação de recursos humanos. Além da merenda, que passou a denominar-se Programa Nacional de Alimentação Escolar, nos anos seguintes foram implantados, sob a égide do Pronan, 10 programas e ações de alimentação e nutrição e, em 1975, foi assinado um convênio Inan-Banco Mundial em apoio ao Programa de Nutrição

Brasil, que se destinava a testar formas e canais de intervenção,

desenvolver capacidades técnica e gerencial e promover pesquisa e treinamento (SILVA, 1995, p. 90).

Abaixo segue um quadro da evolução do atendimento do PNAE de 1954 a 1979.

29O PRONAN, cuja vigência foi de 1973-1974, dispunha de recursos financeiros públicos e privados, internos e externos (art. 3º).

55 Quadro 2 - Evolução do atendimento do PNAE no Brasil de 1954 – 1979

Evolução do atendimento do PNAE no Brasil de 1954 - 1979

Ano Municípios Escolas Escolares Merendas servidas Nº de merendas p/ aluno/ano (A) A/ 180 (%)

1954 137 340 85.000 _ _ _ 1955 285 1.896 236.948 13.961.738 59 32,7 1956 849 7.559 724.991 80.833.272 111 61,6 1957 1.150 9.345 908.118* 93.755.427 103 57,2 1958 1.492 11.330 1.487.632 60.329.469** 41 22,7 1959 1.601 _ 1.901.442 60.295.334 32 17,7 1960*** 1.661 19.891 2.572.426 53.589.184 21 11,6 1965 2.097 52.483 5.680.257 308.736.424 54 30 1970 3.385 93.273 10.416.347 1.187.358.240 114 63,3 1979 3.549 110.297 14.003.762 112.813.100 kg _ _ Fonte: FNDE (2005) Observações:

* Exclui o Distrito Federal ** Exclui a Amazônia *** Dados até outubro

Em 1954, a população brasileira era de pouco mais de 57 milhões de habitantes, assim, conforme os dados do quadro 2, o atendimento da alimentação escolar abrangia apenas 85.000 estudantes (ou seja, 0,001% da população), distribuídos por 340 escolas de 137 municípios. No ano seguinte, a população correspondia a quase 58,5 milhões, o atendimento da política quase triplicou e o número de alunos mais que dobrou, equivalendo a 0,004% da sociedade brasileira. Já em 1970, a população atinge a marca de 90 milhões de brasileiros, a alimentação escolar, por sua vez, está presente em 3.385 municípios, em mais de noventa mil escolas e abrange 10,4 milhões de alunos, equivalendo 0,11% (IBGE, 1951).

Em substituição à Fename, sob o governo de João Baptista Figueiredo, surge a Fundação Nacional do Estudante (FAE), criada por meio da Lei nº 7.091, de 18 de abril de 1983, com os objetivos básicos:

I - a melhoria de qualidade, a diminuição dos custos e a criação de melhores condições de acesso dos usuários ao material escolar e didático, à alimentação escolar e às bolsas de estudo e manutenção; II - a coordenação da política de assistência educacional, bem como o desenvolvimento de estudos visando a subsidiar a sua formulação; III - o apoio à administração dos serviços de assistência educacional dos sistemas de ensino.

56 Nos moldes ditatoriais, a FAE mantém o modelo centralizador da política de alimentação escolar, cada macaco no seu galho, mas permanecendo as demais esferas de governo dependentes do governo federal. Desse modo, o órgão gerenciador planejava os cardápios, adquiria os gêneros por processo licitatório, contratava laboratórios especializados para efetuar o controle de qualidade e ainda se responsabilizava pela distribuição dos alimentos em todo o território nacional.

Em 15 de janeiro de 1985, ocorre a eleição e morte do presidente Tancredo Neves. Um novo momento histórico surge, denominado de Nova República, trazendo consigo a esperança de solução de problemas nacionais, sobretudo os da alimentação e nutrição, cuja área apresentou-se como prioridade política nos dois primeiros anos do pós-ditadura (VASCONCELOS, 2005, p. 445-6).

Nesse mesmo ano, três instrumentos específicos de política social foram lançados: o Plano Subsídios para a Ação Imediata contra a Fome e o Desemprego, elaborado pela Comissão para o Plano do Governo (COPAG); as Prioridades Sociais para 1985 e as Prioridades Sociais para 1986. Entretanto, entre 1987 e 1989, em virtude da edição do Plano Cruzado (fevereiro de 1986), do Plano Bresser (julho de 1987) e do Plano Verão (fevereiro de 1989), observou-se certo esvaziamento técnico, financeiro e político dos programas de alimentação e nutrição (VASCONCELOS, 2005, p. 446

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