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2.3 INDICADORES DE RESULTADOS

2.3.3 As políticas de não reprovação

A reprovação, como visto, é um problema fundamental nas escolas brasileiras. Para Ribeiro (1991), é como se o sistema educacional tivesse se apropriado da reprovação como uma ferramenta da própria pedagogia escolar. Para o autor, a alta reprovação no caso brasileiro acaba retirando atenção do problema da baixa qualidade da educação brasileira.

A situação da desigualdade educacional não é novidade no caso brasileiro. Em 1996, há a promulgação de uma nova lei de diretrizes e bases, e também passa a haver uma visão distinta da importância da correção do fluxo escolar, incentivada pelo governo federal da época pelo Ministério da Educação (MEC). Para Franco, Alves e Bonamino (2007, p. 999), neste período

“o MEC apoiou programas de correção de fluxo e insistiu na caracterização da reprovação em

larga escala como medida ineficaz e excludente”.

Um dos regimes de não reprovação bastante conhecido é o de ciclos, no qual a pedagogia escolar é alterada, fazendo com que a estrutura dos conteúdos deixe de ser anual e passe a ser

composta por ciclos de dois a quatro anos. Além disso, a avaliação é modificada, deixando de ser composta apenas pelo sistema de provas e passando a incluir uma avaliação cotidiana do progresso dos estudantes na sala de aula.

Sousa (1998, p. 85) acredita que o regime de progressão continuada é “capaz de reverter a lógica da organização do trabalho escolar em sua totalidade”. Inicialmente, Sousa (1998)

mostra que no regime de progressão continuada o conhecimento é visto como um processo, que é realizado de forma contínua, tendo o aluno como sujeito. Conforme Sousa (1998) a noção tradicional do conhecimento é substituída por uma forma dinâmica, relativa e plural, que permite uma maior inclusão escolar e social, uma vez que não existe o fracasso escolar no sentido de repetência.

Ao tratar do ensino tradicional, Sousa (1998) observa uma tendência de adequação por parte dos alunos, visando conseguir atingir apenas a média solicitada pela escola. Não há uma preocupação de entender a diferença entre os alunos, e sim há a punição de aqueles que não seguem o padrão esperado, desejado pela escola. (SOUSA, 1998). Por outro lado, no modelo de progressão continuada o conhecimento muda de função, passando a incluir também valores de solidariedade e ética, vis-à-vis o modelo competitivo e individualista da escola tradicional. (AUGUSTO; GODOI, 2004).

Augusto e Godoi (2004) ressaltam a noção de que o aprendizado no modelo de progressão continuada é o cerne da questão, e para melhor estruturá-lo, formam-se ciclos de aprendizagem, que compreendem vários anos, onde o aluno só é avaliado na forma tradicional, podendo ser reprovado ou aprovado no último ano. O que não é admissível é que a ausência de reprovação sirva de argumento para que o aluno possa agir de qualquer maneira na sala de aula, pois o maior elemento coercitivo foi eliminado. Augusto e Godoi (2004) mostram uma vantagem governamental na não reprovação: a melhora das estatísticas governamentais.

No Brasil, conforme Bertagna (2008) o regime de progressão continuada foi implantado no estado de São Paulo na educação fundamental no ano de 1998. Firmaram-se dois ciclos de quatro anos, o primeiro compreendendo da 1ª a 4ª série e o segundo os anos seguintes. Para Bertagna (2008) a observação do sistema de progressão continuada como meramente a ausência de reprovação não é totalmente correta: é necessário que haja o oferecimento dos recursos e das condições para que o processo de aprendizagem ocorra. Ou seja, além de uma norma administrativa que sugere a não reprovação também há um aspecto pedagógico que deve ser levado em conta. Bertagna (2008) vê certo contraponto nas duas visões: enquanto a progressão continuada deve levar ao amadurecimento, onde o avanço se dá pelo processo de aprendizagem individual, a aprovação automática é um processo inercial, onde o aluno nada precisa fazer para

progredir, ou seja, este pode progredir mesmo estando estagnado, parado, sem condições de acompanhar. (BERTAGNA, 2008).

O ciclo de aprendizagem é distinto do regime de progressão continuada. Nos dois casos a noção rígida do período escolar é modificada para uma versão mais flexível e abrangente, passando para um período superior a um ano. (BERTAGNA, 2008). A progressão continuada não é muito distinta de um sistema de promoção automática, onde a avaliação é menos abrangente, sendo mais rígida. Já o sistema de ciclos modifica a perspectiva do papel da escola e da avaliação, que passa a ser concebida como “a potencialidade formativa junto ao processo de desenvolvimento da criança”. (BERTAGNA, 2008, p. 83).

Neste sentido, observa-se uma abrangência muito superior a apenas a abolição do método usual de avaliação, sendo necessário repensar a organização escolar e a atuação de todos os profissionais envolvidos, inclusive sendo necessário rever a formação destes. (BERTAGNA, 2008; MAINARDES, 2006). Além disso, é necessário distinguir um regime de aprovação automática, onde a criança segue para as séries superiores independente do seu nível de aprendizado e o método de progressão continuada, onde ocorre a evolução individual no processo de aprendizado (BERTAGNA, 2008; MAINARDES, 2006). Apesar das distinções entre os diversos regimes de não reprovação, a classificação do INEP considera formas de organização do ensino fundamental em ciclos ou séries, sem distinguir ciclo de aprendizagem e progressão continuada.

Mainardes (2006) salienta que é importante observar se não há a manutenção do status quo presente na seriação ao alterar a avaliação para o sistema de ciclos, pois com isso ocorrerá a perpetuação das desigualdades presentes no sistema escolar, e o processo de exclusão não será modificado. Neste sentido, é necessário salientar que os professores devem estar preparados para lidar com situações de maior heterogeneidade em sala de aula, podendo atuar de forma a permitir o aprendizado de todos, inclusive daqueles com maior dificuldade. Este é um desafio muito grande ao professor.

Em relação à avaliação no regime de ciclos, para Lüdke (2001) ela permite uma maior flexibilidade, dando mais oportunidades para os alunos aprenderem, porém exige uma atuação mais perceptiva do professor. Conforme a autora:

(...) dentro de um sistema de ciclos deve imperar a avaliação em seu sentido pleno de fornecedora de informações para a melhoria do percurso do aluno até o sucesso. A liberdade e a flexibilidade permitidas dentro levarão ao percurso mais adequado às necessidades de cada aluno (LÜDKE, 2001, p. 30).

Uma concepção da metodologia de ciclos utilizada no Brasil pode ser vista em Carvalho (2009), capítulo 2. O autor acredita que a mensuração dos efeitos de uma mudança de regime desse tipo têm problemas, pois os resultados podem levar tempo até surgir, possuindo maiores efeitos de longo prazo. (CARVALHO, 2009). Outro ponto é o fato da implementação ter sido realizada sem uma preparação pedagógica adequada. Por este motivo, é possível que os ciclos não tenham efeitos porque o que ocorre é apenas a não reprovação.

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