• Nenhum resultado encontrado

3 ESTADO, POLÍTICAS PÚBLICAS E EDUCAÇÃO

3.2 As Políticas Públicas no Estado contemporâneo: considerações conceituais e

A pesquisa sobre o campo das políticas públicas no Brasil tem uma trajetória recente na agenda acadêmica do país, sendo incorporada, apenas, nas últimas décadas, impulsionadas pela organização de grupos de estudo no âmbito de instituições científicas. Nos últimos anos, a discussão acerca das políticas públicas ganhou espaço em diversos fóruns, com destaque na produção intelectual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP) e da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), com a criação de grupos de trabalho e eixos temáticos específicos. O tema política pública ganha maior relevância nos fins dos anos 1980, concomitante ao debate sobre a redemocratização do Brasil e a institucionalização de determinadas políticas sociais.

Melo (1999) destaca três motivos que favoreceram a expansão da análise de políticas públicas no Brasil, particularmente, a partir da década de 1980. Em primeiro lugar, a agenda pública em relação à década anterior, segundo o autor, se estruturou em torno de questões relativas à perspectiva brasileira de desenvolvimento. Em segundo lugar, o término do regime militar não propiciou o fim dos obstáculos à consecução das políticas sociais, fato que estimulou os estudos nesse campo das políticas públicas. Em terceiro lugar, a ideia de reforma do Estado, como princípio orientador da agenda pública, difundida internacionalmente, nas décadas de 1980 e 1990, suscitou o aumento dos estudos na área.

Conforme demonstra Arretche (2003), nas últimas décadas, houve um aumento na produção de dissertações e teses direcionadas para temas vinculados às políticas públicas. Ademais, disciplinas de políticas públicas foram criadas nas universidades em cursos de graduação e pós-graduação; e pesquisas passaram a ser financiadas por agências de fomento.

A adoção de políticas públicas por governos de países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento decorreu de diversos fatores. Souza (2003) considera que o primeiro deles teria sido a adoção de políticas restritivas de gastos, que passou a dominou a agenda na maioria dos países, em especial, aqueles em desenvolvimento. O segundo fator vincula-se às novas concepções sobre o papel do Estado, os quais ganhou hegemonia e a substituição das políticas keynesianas, marcadas, principalmente, como guia das políticas públicas do Pós- Segunda Guerra, que foram substituídas pelo foco no ajuste fiscal. Destaca-se que esse ajuste fiscal não consistia, apenas, na dimensão econômica, mas integrava a redefinição global do

campo político-institucional e das relações sociais. O resultado, no entanto, da crise do Estado capitalista movimentou economistas, ideólogos e políticos para lançarem mão do “antigo” conjunto de princípios do liberalismo econômico, um “retorno à ortodoxia” que deu sentido às ideias monetaristas e ajustes neoliberais orientadores de macro políticas econômicas a partir ao da década de 1970 e início dos anos 1980. O terceiro fator demonstrado pela autora incide, especificamente, sobre os países em desenvolvimento e de democracia mais recente, como os países da América Latina, que não conseguiram desenvolver políticas públicas, capazes de impulsionar o desenvolvimento econômico e promover, ao mesmo tempo, a inclusão social de grande parte da população excluída do acesso aos bens produzidos coletivamente.

Esses componentes impõem, portanto, questões fundamentais. O que são, de fato, políticas públicas? Como defini-las? A definição do que seja política pública depende da concepção filosófica e política de quem a define. De certo modo, mesmo no campo das formulações críticas, não existe uma única definição sobre o que seja política pública. Para efeito dessa abordagem, tomam-se as perspectivas já desenvolvidas por Souza (2003), por considerar que:

Mead (1995) entende como um campo dentro do estudo da política que analisa o governo à luz de grandes questões públicas. Lynn (1980) a define como um conjunto específico de ações do governo que irão produzir efeitos específicos. Peters (1986) segue o mesmo veio: política pública é a soma das atividades dos governos, que agem diretamente ou através de delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos. Dye (1984) sintetiza a definição de política pública como “o que o governo escolhe fazer ou não fazer”. A definição mais conhecida continua sendo a de Laswell (1936; 1958), ou seja, decisões e análises sobre política pública implicam responder às seguintes questões: quem ganha o quê, por quê e que diferença faz (SOUZA, 2003, p. 12).

Pode-se, então, considerar a política pública um campo de conhecimento que orienta política e tecnicamente as ações dos governos (refletidas por pressões de grupos de interesses, na maioria das vezes, representantes do poder econômico) e que, ao mesmo tempo, põem em análise essas ações.

Compreender, portanto, o desdobramento das políticas públicas, exige, antes de tudo, entender a sua origem enquanto campo de saber e disciplina específica. Enquanto área de conhecimento e disciplina acadêmica específica, a política pública se desenvolveu nos Estados Unidos, diferenciando-se da tradição europeia de estudos e pesquisas que se concentravam mais na análise sobre o Estado e suas instituições do que na produção dos governos. Nesse país, por exemplo, ao contrário, a área se desenvolveu no mundo acadêmico

sem estabelecer relações com as bases teóricas sobre o papel do Estado, passando direto para a ênfase nos estudos técnicos sobre as ações dos governos.

Na Europa, o campo das políticas públicas se desenvolveu como resultado dos estudos fundamentados em teorias explicativas em torno do papel do Estado e do governo, entes concebidos como agentes, por excelência, das ações de políticas publicas, diferentemente do que ocorreu nos Estados Unidos.

Na área do governo propriamente dito, a introdução da política pública como ferramenta das decisões do governo é produto da Guerra Fria e da valorização da tecnocracia como forma de enfrentar suas consequências. Seu introdutor no governo dos EUA foi Robert McNamara que estimulou a criação, em 1948, da RAND Corporation, organização não-governamental financiada por recursos públicos e considerada a precursora dos think tanks (SOUZA, 2006, p. 22-23). (Grifo nosso).

Do ponto de vista conceitual e teórico, a política pública, nesse particular, contou com as contribuições de Laswell, Herbert Simon, Charles Lindblom e David Easton. Teóricos que construíram tipologias e formularam conceitos em torno desse campo das políticas públicas.

É de Laswell a expressão policy analysis (análise de política pública) cunhada, na década de 1930, para designar as ações que conciliavam conhecimento científico e acadêmico com a produção empírica dos governos criando, ao mesmo, tempo condições para desenvolver o diálogo entre cientistas sociais e governo. O conceito de racionalidade limitada dos decisores públicos foi cunhado por Herbert Simom, em 1957, para designar a limitação desses agentes do poder público no tocante à informação incompleta ou imperfeita dos processos, bem como seus próprios interesses. Simon propõe, portanto, a maximização da racionalidade por um conjunto de regras e de incentivos de ajuste o comportamento dos agentes para o alcance dos resultados desejados.

Por sua vez, Lindblom questionou as posições de Laswell e de Simon propondo a incorporação de diferentes variáveis à formulação e à análise de políticas públicas. Em sua perspectiva, as formulações de políticas públicas deveriam levar em consideração o papel das eleições, das burocracias, dos partidos políticos e dos distintos grupos de interesses.

De acordo com Souza (2006), David Easton busca definir a política pública enquanto sistema que engloba as relações entre a sua formulação, os resultados e o próprio ambiente. Nesse sentido, conforme o autor afirma, as políticas públicas recebem inputs dos

partidos políticos, da mídia e de grupos de interesses, que de certo modo, repercutem nos resultados das ações políticas.

Nesse campo, alguns modelos foram desenvolvidos e sistematizados para se compreender melhor as relações e as ações dos governos em face das demandas dos cidadãos.

A mais conhecida tipologia sobre política pública foi construída por Theodor Lowi na década de 1960. Para ele, a política pública pode assumir quatro configurações diferenciadas: políticas distributivas, políticas redistributivas, políticas regulatórias e políticas constitutivas.

Em geral, conforme menciona Frey (2000), as políticas distributivas beneficiam um grande número de destinatários, todavia em escala relativamente pequena; potenciais opositores costumam ser incluídos na distribuição de serviços e benefícios. Esse modelo tem como características: a) apresentar pouco conflito nos processos políticos; b) geralmente se materializa por meio de consenso. Essas garantem o acesso mais universal, como a gratuidade a um determinado sistema de saúde pública. Essa tipologia de política pública, quando implantada, de modo geral, é orientada para obter o máximo de aceitação dos setores a que se destina.

As políticas públicas redistributivas, ao contrário, são direcionadas para o conflito. Geralmente, redirecionam recursos financeiros entre grupos e camadas sociais, resultando em num processo político permeado por conflitos. Esse tipo de política pública promove nova configuração no acesso aos recursos, bens ou direitos. A redistribuição do acesso a bens, direitos e poderes contribui para o acirramento dos debates e tensões políticas entre setores que já têm direitos adquiridos e os que querem adquiri-los. Essa tipologia chama a atenção para questões cruciais e polêmicas, como por exemplo, as políticas de cotas para acesso à universidade.

As políticas regulatórias caracterizam-se por abarcar aspectos normativos, legais, ordens, proibições, decretos e portarias. De acordo com suas características, os processos políticos de conflito, de coalizão e de consenso podem ser modificados por meio delas.

Por último, Lowi (1964) apresenta as bases das políticas constituintes ou políticas estruturadoras, que determinam as regras do jogo e a dinâmica da estrutura dos processos e conflitos políticos em que se materializam outras políticas públicas, a saber: distributivas, redistributivas e regulatórias. Em certo sentido, essas políticas dão forma ao regime político.

No quadro geral das tipologias e modelos de políticas públicas, é importante apresentar a perspectiva influenciada pelo “novo gerencialismo público” e pelo ajuste fiscal que se desenvolveu como proposta para busca da eficiência no plano do Estado. Por ocasião

da reforma ou reconstrução do Estado, fortalecida na década de 1990, essa concepção de política pública ganhou fôlego, tornando-se a tônica principal nesse campo da política. Conforme ressalta Souza (2006, p. 34), “a ênfase na eficiência nasceu da premissa de que as políticas públicas e suas instituições estavam fortemente influenciadas por visões redistributivas ou distributivas, na linguagem de Lowi, desprezando-se a questão da sua eficiência”. Consistia, no entanto, numa política pública estreitamente vinculada à reforma do Estado colocada em funcionamento pelas vias da administração gerencial.

Quanto à reforma administrativa do Estado, na concepção gerencial, ou na “nova administração pública”, suas principais características foram, assim, apontadas por Pereira44 (1997), destacando as seguintes diretrizes:

a) orientação da ação do Estado para o cidadão-usuário ou cidadão-cliente; b) ênfase no controle dos resultados através dos contratos de gestão (ao invés de controle dos procedimentos);

c) fortalecimento e aumento da autonomia da burocracia estatal, organizada em carreiras ou “corpos” de Estado, e valorização do seu trabalho técnico e político de participar, juntamente com os políticos e a sociedade, da formulação e gestão das políticas públicas;

d) separação entre as secretarias formuladoras de políticas públicas, de caráter centralizado, e as unidades descentralizadas, executoras dessas mesmas políticas;

e) distinção de dois tipos de unidades descentralizadas: as agências executivas, que realizam atividades exclusivas de Estado, por definição monopolistas, e os serviços sociais e científicos de caráter competitivo, em que o poder de Estado não está envolvido;

f) transferência para o setor público não-estatal dos serviços sociais e científicos competitivos;

g) adoção cumulativa, para controlar as unidades descentralizadas, dos mecanismos (1) de controle social direto, (2) do contrato de gestão em que os indicadores de desempenho sejam claramente definidos e os resultados medidos, e (3) da formação de quase-mercados em que ocorre a competição administrada; h) terceirização das atividades auxiliares ou de apoio, que passam a ser licitadas competitivamente no mercado (PEREIRA, 1997, p. 42).

De modo geral, as políticas implementadas sob essa orientação gerencial foram direcionadas para cortes quantitativos do funcionalismo público e para mudanças nos mecanismos da gestão pública, o que provocou mudanças consideráveis no caráter público dos serviços sociais, por meio de privatização paralela; de mercantilização, fundada na inserção da lógica privada nos serviços públicos, e na racionalidade da eficiência, dirigida à relação custo benefício das ações estatais.

44 Foi ministro do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, no governo Fernando Henrique Cardoso (1995 – 1998).

No Brasil, a orientação gerencial demarcou o processo de reforma administrativa do Estado, por meio de um conjunto de reformas impulsionadas pela lógica neoliberal posta em curso, de modo mais contundente, na década de 1990, dirigido pelo Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (Mare). Assim, no campo político e econômico, a década de 1990 representou um momento particular na administração pública brasileira, no que diz respeito às reformas do Estado. Por meio da reforma, um conjunto de mudanças substanciais foi promovido na estrutura da organização do Estado, intervindo, inclusive, no setor da educação.

Na educação, a reforma do estado e a redução dos gastos públicos causaram impactos na gestão do sistema na maioria dos países latino-americanos, destacando-se a municipalização da educação obrigatória, mudanças no modelo de gestão e a instituição de sistemas nacionais de avaliação. No âmbito das reformas educacionais, a ideia básica consistia em tornar a gestão educacional diversificada e flexível, visando proporcionar mais competitividade e contenção dos gastos públicos. Os argumentos em defesa da reforma do Estado, pela via gerencial, apoiavam-se no discurso de que o Estado estava em crise, e a solução se encontrava na administração pública gerencial.

Foi nesse contexto que a Educação Ambiental se integrou à agenda governamental enquanto política pública de Estado, abarcando as dimensões ambientais e educacionais.

3.3 A Educação Ambiental no âmbito das políticas públicas brasileira: as ações do