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As professoras e as suas relações com o texto literário

PRÁTICAS DE LEITURA LITERÁRIA NA SALA DE AULA

4.3 As professoras e as suas relações com o texto literário

No espaço de conversa estabelecido durante a entrevista entre pesquisador e cada uma das professoras, foi possível perceber que algumas se esforçaram para recordar quais livros leram, outras se espantaram ao perceberem em suas próprias falas que não liam o tanto quanto gostariam. Dessa forma, a pergunta se estendeu abrangendo também quais eram suas atuais leituras literárias.

Ao cruzar as respostas do questionário9- sobre qual a frequência que visitavam a biblioteca da cidade e se adquiriam livros para consumo próprio - com as da entrevista é possível afirmar que a leitura de livros literários não é uma prática comum adotada por todas as professoras na vida pessoal nem profissional.

Todas as professoras afirmaram que tiveram experiências de leitura literária no ensino fundamental, porém não se lembravam dos títulos e autores. Apenas a professora M se recordou de ter lido o autor Ganyméndes José, que escreveu uma coleção distribuída para os alunos de escola pública. As leituras obrigatórias para o vestibular estavam vivas nas recordações das entrevistadas.

Como leitura literária realizada no período de formação inicial, as docentes P e L tiveram contato com leituras obrigatórias nos respectivos cursos, como por exemplo, Kafka O processo, Jostien Gaarder O mundo de Sofia, Machado de Assis, Clarice Lispector e Ligia Fagundes Teles. As outras professoras manifestaram que não se lembravam ou não houve a proposta de leitura literária, nem por incentivo, nem como dever de uma determinada disciplina.

Na entrevista foi revelado que o material de leitura das professoras consistia em grande parte de notícias jornalísticas publicadas em meio digital ou impresso. Em segundo plano apareceram os textos teóricos científicos da área educacional. Os livros literários foram citados apenas pelas professoras M e a P. Também apareceram leituras de textos religiosos e receitas culinárias.

O investimento financeiro para a aquisição desses materiais de leitura se concentra nos livros teóricos e paradidáticos. Somente as professoras P e MA adquiriam livros literários para consumo próprio e construção de uma biblioteca pessoal do professor.

Observou-se que o hábito - na concepção ampla do seu significado discutido anteriormente com base em Dewey (2010a) - como a continuidade da experiência de leitura literária, no caso das professoras, não se estendesse para a vida profissional e pessoal. A leitura de livros literários que elas tiveram durante o ensino básico e o ensino superior não viabilizaram experiências significativas ao ponto de fazer do ato de ler literatura uma prática cotidiana, embora compreendam a importância da leitura literária para o desenvolvimento de suas capacidades intelectuais e emocionais.

Para Petit (2009, p. 289), [...]

dissuade mais a se aproximar de um livro do que tais injunções). Que 9Questionário completo está disponível no apêndice A.

[...] cada um seja livre, bem entendido, para preferir os trabalhos manuais, os esportes ou o pôquer à leitura e à escrita: estamos aí no pessoais prevalecem. Todavia, cada um deveria poder ter a experiência de que a apropriação da cultura escrita é desejável, e de que ela é possível, por pelo menos três motivos.

Desses três motivos, Petit (2009, p. 287) apresenta como o primeiro a habilidade

ser inábil com a escrita é hoje uma pesada desvantagem em uma grande quantidade de setores, na medida em que, com a aceleração das mudanças, cada um, ao longo de sua

razão está intrínseca a primeira, ser inábil no uso da cultura escrita torna a voz ativa do sujeito no espaço público mais difícil e até mesmo impossível.

[...] No momento em que a visibilidade midiática, os signos exteriores de riqueza, a cultura técnica ou o desempenho esportivo parecem ter prevalecido há muito tempo sobre os valores literários, o poder permanece, o que quer que digam, ligado à escrita. (PETIT, 2009, p. 288)

O último motivo é que o ser humano, de acordo com Petit (2009 p. 288), sente a somos seres de linguagem e seres de narrativas, e estas possuem um valor reparador. Neste sentido,

[...] compreendemos que a literatura, a cultura e a arte não são um suplemento para a alma, uma futilidade ou um monumento pomposo, mas algo de que nos apropriamos, e furtamos e que deveria estar à disposição de todos, desde a mais jovem idade ao longo de todo o caminho, para que possam servir-se dela quando quiserem, a fim de discernir o que não viam antes, dar sentido a suas vidas, simbolizar as suas experiências. Elaborar um espaço onde encontrar um lugar, viver tempos que sejam um pouco tranquilos, poéticos, criativos, e não apenas ser o objetivo de avaliações em um universo produtivista. Conjugar os diferentes universos culturais de que cada um participa. Tomar o seu lugar no devir compartilhado e entrar em relação com outros de modo menos violento, menos desencontrado, pacífico. (p. 289)

A fala de Petit (2009) vai ao encontro com a de Cândido (2011) concebendo a literatura como direito do cidadão um bem incompressível, aquele que não pode ser negado a ninguém. Cândido (2011) diferencia os bens incompressíveis, como alimentação, moradia e saúde, dos bens compressíveis, cosméticos, jóias e roupas supérfluas. Ele afirma que

[...] são bens incompressíveis não apenas os que asseguram a sobrevivência física em níveis decentes, mas os que garantem a

integridade espiritual. São incompressíveis certamente a alimentação, a moradia, o vestiário, a instrução, a saúde, a liberdade individual, o amparo da justiça pública, a resistência à opressão etc.; e também o direito à crença, à opinião, ao lazer e, por que não, à arte e à literatura. (CÂNDIDO, 2011, p. 176)

experiência separada da vida; a literatura, a poesia e a arte estão também na vida; é preciso

sede de simbolização do ser humano com as palavras, as metáforas, a ficção, aventura, o drama com o texto literário.

Retomando Bamberger (1977) é preciso que a literatura ocupe um espaço de relevância, de necessidade na vida não só do professor, mas de toda sociedade. Essa proposta de investigação é pensar estratégias e práticas que viabilizem experiências de leitura literária para as crianças na escola, no intuito de auxiliar o professor que com esse embasamento teórico venha refletir e reestruturar suas práticas com o livro de literatura em sala de aula.

Na escola, literatura destinada à criança é utilizada de forma fragmentada, pedaços de texto para fazer um exercício de gramática ou ortografia, por exemplo. Vez ou outra utiliza-se os textos literários para avaliar a fluência da leitura da criança, um dos motivos advém da compreensão de que a literatura, à medida que é uma aproximação do real com a cultura letrada é difícil para o entendimento da criança ou para o manejo do professor. Longe disso, a experiência com o livro literário nos abre horizontes, nos possibilita conhecer outras formas de sermos felizes e a desenvolver a empatia, compreender como é estar no lugar do outro.

Machado (2011, p.

de toda a força da experiência estética vivida, de intenso conteúdo emocional, nos dá algo extraordinário: ensina a tolerância a cada indivíduo e nos facilita o convívio com a diversidade cultural e social. Por meio da literatura percebemos que somos semelhantes uns aos outros em diferentes contextos culturais e históricos.

A leitura de um livro literário não é isolada do indivíduo diante do escrito do outro. Magnani (2001, p. 49) entende que a dimensão do trabalho do professor na mediação da leitura se faz pelos subsídios históricos, geográficos, políticos e culturais. O docente pode proporcionar a criança o entendimento de que existem contextos de escrita, de leitura, de atribuição de valores que são dinâmicos e que ela pode experimentar emoções e sensações para além do que os especialistas conjuram como correto.