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2. O SIMBOLISMO E A TRIDIMENSIONALIDADE NA CENOGRAFIA NO INÍCIO DO

2.1 AS PROPOSTAS REVOLUCIONÁRIAS DE A. APPIA E G. CRAIG

Adolphe Appia, teórico e cenógrafo suíço, observando as propostas e

9 Konstantin Stanislavski foi um ator, diretor e teórico russo que se destacou entre os séculos XIX e XX. Fundou, em 1898, o Teatro de Arte de Moscou, que marcou todo o teatro do século XX. Além disso, escreveu vários livros sobre o trabalho de interpretação, verdadeiros manuais para o ator.

Nota da autora.

44 Appia achava que os conflitos entre a cenografia bidimensional e a tridimensionalidade do corpo do ator deveriam ser resolvidos por meio da própria cenografia (Figura 29). Para isso, propôs a criação de cenários tridimensionais, reagindo às propostas naturalistas de sua época, para assumir o papel da imaginação do artista criador.

Figura 29: Desenho executado por Appia em 1892. Fonte disponível em:

<http://library.calvin.edu/hda/node/2104>. Acesso em: 04 abr. 2013.

Ao observar a cenografia da ópera Parsifal, criada por Wagner em 1882 (Figura 28), comparada à cenografia mostrada na Figura 30 (abaixo), pode-se ver claramente e entender como foi recriada por Adolphe Appia para a mesma ópera, quatorze anos depois. Foi a partir dessa cenografia que ficou conhecido por revolucionar conceitualmente e fisicamente o espaço do palco e da cena no teatro.

45 Figura 30: Desenho de Appia para o primeiro ato de Parsifal, de Richard Wagner,

produção de 1896. Fonte disponível em:

<http://www.nicolight.fr/010/Scenographie_fichiers/appia2.jpg>. Acesso em: 26 set. 2013.

Aproveitando-se da frase do personagem Gurnemanz, um dos principais cavaleiros do Graal, da obra de Wagner, que, no final do Primeiro Ato, à frente da magnificência do reino do Santo Graal, mencionava ter ali o “tempo se transformado em espaço”, Appia idealizaria um arranjo tridimensional no palco em que o ator, de forma natural, pudesse expressar-se, transformando a força dramática temporal do canto em expressão espacial da cena (na cenografia originalmente proposta por Wagner, o cenário era quase sempre uma floresta).

Appia condena o palco italiano, em que há clara separação entre os espectadores e o palco, ou seja, entre o mundo real e o fictício. Apesar de ter-se baseado nos conceitos do compositor, Appia criticou Wagner principalmente pelo fato de ele estar preso à forma de representação tradicional, utilizando telões de fundo que tendiam sempre para o naturalismo, pelo fato de o trabalho dos atores estar focado na interiorização dos personagens e pela síntese de Wagner, que defendia todas as artes em uma cena.

Para Appia, o teatro deveria apresentar harmonia entre os elementos que compõem o espetáculo, deixando claro seu ponto de vista sobre o conceito da obra de arte total: era a ordenação de todos os elementos do espetáculo que dava ao drama seu potencial expressivo.

46 As propostas do suíço surgiram como renovação do drama wagneriano, dando oportunidade a que esse magnífico cenógrafo pudesse desempenhar um papel fundamental na criação do palco moderno, reformando profundamente a arte da cena. Além disso, as cenografias recriadas para óperas de Wagner (Figura 31) representaram uma solução para o problema do realismo no teatro.

Figura 31: Desenho do cenário de Appia para Richard Wagner, propondo o espaço tridimensional. Fonte: Del Nero, 2009, p. 237.

Assim, inovou a apresentação do mundo real por meio de uma representação simbólica e tridimensional, criando a ilusão de que o ator penetra na cena, sem deixar os espectadores perderem a ideia de tempo e espaço do que estava sendo encenado. Foi ele quem levou isso para o palco. Tudo girava em torno do ator e do que este era capaz de fazer com seu corpo, essa era a única realidade que deveria ser levada em conta. Para Appia, o ator era o portador de toda a ação dramática, era dele que vinha a expressão procurada pelo espectador, e era também pelo seu trabalho que a plateia identificava-se com a expressividade teatral.

Como alguns de seus contemporâneos simbolistas, preconizava um abandono total do naturalismo, caracterizado pelo cenário bidimensional, por superfícies planas.

Para livrar-se da caixa italiana, ele propõe uma nova hierarquia dos elementos teatrais, situando em primeiro lugar o ator, depois vindo a cenografia e, só então, a iluminação.

47 O conceito a orientar essa postura definia que a atenção do espectador deveria estar concentrada no ator. Para que este pudesse alcançar a harmonia da cena, composta do espaço cênico e da cenografia, que, como base de apoio, volta-se para a tridimensionalidade, a concepção teatral deveria trabalhar com o corpo plástico e vivo do ator. A iluminação era o que daria vida ao espaço cênico, pelo jogo de luzes e sombras (Figura 35), capaz de provocar no espectador, de maneira simbólica, a sensação de ambientes e atmosferas subjetivas, modificando continuamente a percepção do espaço cênico.

Portanto, Appia

é o primeiro homem na história do teatro a sistematizar sua imaginação criativa, estabelecendo bases para a cenografia moderna por meio da música, da luz e de construções tridimensionais. E não se referia a algo no qual o ator era colocado posteriormente. São visões que têm como fonte o ator (DEL foi fundamental para sua criatividade, influenciando-o a desenvolver, a partir de 1909 e empregando a dança e o ritmo, uma serie de desenhos denominados

“espaços rítmicos” (Figuras 32 e 33). Trabalhava o conceito musical e o corpo do ator, demonstrando uma ideia de “espaço vivo”, baseado em plataformas, rampas, esteiras, cortinas e pilares de diferentes alturas, que possibilitavam ao ator maior variabilidade nos movimentos (Figura 34) através da exploração desses espaços não convencionais. Os dois estabeleceram uma parceria que durou até 1926, dois anos antes da morte do cenógrafo.

48 Figura 32: Adolphe Appia: Espaços rítmicos (1909-1910). Fonte disponível em:

<http://www.english.emory.edu/DRAMA/HistDrama2/SymbolImage.html>. Acesso em: 26 set. 2013.

Figura 33: Adolphe Appia: Espaços rítmicos (1909-1910). Fonte disponível em:

<http://www.english.emory.edu/DRAMA/HistDrama2/SymbolImage.html>. Acesso em: 26 set. 2013.

Figura 34: Desenho executado por Appia em 1923. Fonte: Del Nero, 2009, p. 221.

49 Após a morte de Wagner, muitas das propostas de Appia foram recusadas por outros diretores que assumiram o comando do Teatro de Bayreuth e que defendiam a volta da estética naturalista na cena. Foi somente quando Wieland Wagner (1917-1966), neto de Wagner, assumiu a direção do Teatro, que se reconheceu a importância de trabalhar com as propostas tridimensionais e abstratas de Appia, o que o tornaria um dos cenógrafos mais influentes dentro do Bayreuth na segunda metade do século XX.

A influência de Adolphe Appia se deu muito mais por suas obras escritas e gráficas, do que por suas encenações realizadas. Foi um grande teórico da cenografia e da iluminação. Publicou em 1895 um ensaio denominado A encenação do drama wagneriano, em 1899, A música e a encenação e, finalmente, em 1921 lança seu trabalho mais importante, A obra de arte viva, que influenciou todo o conceito do teatro moderno (MARX, 1998).

O interesse por suas propostas estendeu-se por toda a Europa, entre os diretores teatrais das mais diversas tendências, posteriormente servindo de base para a cenografia dos movimentos construtivista e expressionista. Appia foi também um dos principais responsáveis pela fixação da figura do diretor, como elemento agregador e criador da síntese artística sobre o palco.

Edward Gordon Craig (1872-1966), contemporâneo de Appia e seguidor de seus princípios, também defendia uma estética antinaturalista advinda do teatro simbolista. Sua relação com o teatro e a cenografia foi facilitada por ser filho de pai arquiteto e pintor e de mãe atriz10.

Iniciou sua carreira como ator na companhia de Henry Irving (1838-1905), e seus primeiros cenários foram realizados para a companhia teatral de sua mãe, no Imperial Theatre de Londres.

Appia e Craig se encontraram pessoalmente uma única vez. Depois trocaram algumas cartas onde escreviam sobre a admiração do trabalho do outro.

10 Sua mãe era Ellen Terry, uma das atrizes mais famosas do teatro britânico. Iniciou sua carreira de atriz muito precoce (aproximadamente aos oito anos de idade) e, posteriormente se tornou uma grande intérprete das peças de Shakespeare, fato que a tornou conhecida por “a atriz shakesperiana” mais famosa da Inglaterra. Nota da autora.

50 Este fato levou Craig a pôr fim em sua carreira de ator, passando então a dedicar-se somente à cenografia, buscando um teatro ritualístico, dedicar-semelhante ao que era apresentado nas tragédias gregas clássicas.

Craig, assim como Appia, recusou representar a realidade nos cenários e propôs a substituição de cenas pintadas por cenas arquitetônicas, representadas por grandes painéis com a iluminação e a cor em destaque, dando-lhes grande importância.

Considerou o teatro como uma arte incompleta por si só, pois, para tornar-se completo, dependia de música, pintura, arquitetura etc. Para ele, o mais importante era o cenário, não destacando, como Appia, a figura do ator. Propôs um tipo de arte em que a realidade, em vez de ser reproduzida pelos métodos tradicionais da representação, seria interpretada por meio de símbolos, utilizando formas, cores e iluminações como meios para produzir atmosferas e despertar sentimentos nos espectadores, e isso causou um novo tipo de revolução na cena.

Seu principal conceito cênico dizia que, em um trabalho dramático, toda cena deveria ser móvel em todas as partes, do chão ao teto, e poderia ser movida para cima e para baixo, obedecendo ao controle do ator, de forma independente ou em grupo, com as constantes mudanças da iluminação. Assim, uma resposta emocional poderia surgir na plateia a qualquer momento, por meio do movimento abstrato das formas plásticas cenográficas associado aos efeitos da iluminação.

Partindo desse conceito, escreveu em 1911 um livro denominado A arte do teatro, no qual expõe ideias e propostas a respeito do teatro e da cenografia, encarando seus espetáculos como obras de arte total, nas quais a fusão de elementos como ações, palavras, linhas, cor e ritmo deveria ser totalmente harmônica.11

Através da comparação entre as duas principais obras desses cenógrafos, A obra de arte viva, de Appia, e A arte do teatro, de Craig, podem-se compreender as bases de suas propostas, seus pontos convergentes e divergentes. Embora o

11 Vale ressaltar aqui que Craig teve sua primeira publicação, A arte do teatro, devidamente reconhecida em 1911, enquanto Adolphe Appia conseguiu realizar sua primeira publicação dez anos depois, em 1921, com A obra de arte viva, apesar de que suas ideias foram concebidas anteriormente às de Craig. Nota da autora.

51 suíço fosse dez anos mais velho, tendo iniciado seu trabalho muito antes e, mesmo, publicado alguns títulos, foi o britânico quem primeiro formulou suas ideias sobre esse tema, de forma mais ou menos completa, no livro acima indicado (MARX, 1998).

Depois dessa publicação, Craig continuou expondo suas ideias em várias revistas da época e publicou diversas obras teóricas, entre elas, um ensaio que gerou muita polêmica, O ator e a supermarionete, no qual preconizava que o ator fosse mais um elemento da encenação, assim como um boneco que deveria responder às ordens do diretor, chegando até a cogitar a ideia de substituir o ator pela supermarionete, que significava o ator servindo ao espetáculo, em lugar de servir-se dele, ideia que posteriormente influenciou a teoria do teatro épico do dramaturgo Bertolt Brecht (1898-1956).12

Foi reconhecido em toda a Europa após realizar a cenografia da peça Hamlet, de Shakespeare (Figuras 35 e 36), a pedido do diretor Stanislavski, no ano de 1912, que queria dar características modernas a sua encenação. Para a cenografia da peça, Craig utilizou-se de vinte painéis, que, por serem muito grandes, não se moviam facilmente (Figuras 37 e 38), tornando-se um alvo para os críticos, mas que, para Stanislavski, representou um divisor de águas no teatro russo, visto que a proposta apresentada pelo cenógrafo era muito diferente do modelo clássico, costumeiramente usado nas montagens das peças de Shakespeare.

12 Poeta, dramaturgo, diretor e teórico alemão. Sua influência no teatro contemporâneo é indiscutível. Brecht renova a concepção da arte do ator, inspirado pelos comediantes chineses.

Suas direções integram profundamente o trabalho dos atores, dos cenógrafos, dos figurinistas, dos coreógrafos e dos músicos. Cada elemento do espetáculo contribui para uma mesma finalidade:

desmistificar a obra teatral. Fonte: Ratto, 1999.

52 Figura 35: Projeto de Gordon Craig para Hamlet, em Moscou (1912). Fonte: Del

Nero, Máquina para os deuses.

Figura 36: Desenho de Gordon Craig para Hamlet: a sala do trono (1912). Fonte:

Del Nero, Máquina para os deuses.

53 Figura 37: Desenho dos painéis para Hamlet, no Teatro de Arte de Moscou (1912).

Fonte disponível em: <http://uttaps.wordpress.com/actor-prepares/stanislavski-the-moscow-art-theater-a-timeline>. Acesso em: 26 set. 2013.

Figura 38: Gordon Craig, Hamlet, em Moscou (1912). Fonte disponível em:

<http://wodumedia.com/the-10-best-theatre-designs/hamlet-1912-edward-gordon-craig-

was-a-pioneer-of-modern-theatre-design-who-produced-little-on-the-stage-he-became-a-hermit-visionary-whose-belief-in-the-imaginative-power-of-lighti/>. Acesso em: 23 set.

2013.

Nas figuras 37 e 38 podem-se observar as dificuldades de interação entre os atores e a cenografia inovadora proposta por Craig. Cenários estes, grandiosos

54 e com uma grande dificuldade de locomoção tanto dos atores quanto do próprio cenário. Longe dos ideais clássicos e realistas, o cenógrafo inglês quebrou todas as barreiras do teatro contemporâneo com a abstração na cena, representada pelos grandes painéis e suas diversas formas de movimentação, e também pela maneira com que projetou a iluminação, muito diferente do que se pode ver na ilustração abaixo (Figura 39), mostrando como era criada a cenografia para uma peça tradicional e clássica a exemplo de Hamlet.

Figura 39: Hamlet. Ilustração de Daniel Maclise (1806-1870) para o trabalho de Shakespeare. Nova York,1875-1876. Fonte disponível em: <http://pt.wikipedia.org

/wiki/Ficheiro:Hamlet_play_scene_cropped.png>. Acesso em: 26 set. 2013.

Hoje, mais de cem anos depois do espetáculo de Moscou, fazer “painéis de Gordon Craig” ainda é “modernidade”. Seus sonhos ainda são vitais fontes de inspiração (DEL NERO, 2009).

Tendo começado sua carreira como ator especializado no repertório de Shakespeare, com o qual, já trabalhando como cenógrafo, chegou à maturidade artística. Posteriormente, trabalhou para a produção de cenários das peças do grande dramaturgo norueguês Henrik Ibsen (1828-1906), um dos fundadores do modernismo no teatro (Figura 40). Além de trabalhar com várias atrizes famosas, casou-se com a bailarina americana Isadora Duncan (1877-1927), conhecida por revolucionar a história da dança, e uma das grandes responsáveis pelo sucesso do cenógrafo, pois foi ela quem o apresentou ao diretor Stanislavski, que o convidou a realizar a cenografia da peça Hamlet.

55 Figura 40: Desenho de Gordon Craig para Os pretendentes, de Ibsen, 1956. Fonte: Del

Nero, Máquina para os deuses.

Appia e Craig complementaram-se. Em Appia, a música era a fonte geradora do movimento do ator, justamente por trabalhar com encenações de óperas e dança, enquanto Craig, por estar mais envolvido no mundo do teatro propriamente dito, acreditava que o teatro ideal (Figura 41) era aquele que a iluminação e a decoração comandavam o movimento e o ritmo.

Craig inventa assim, um novo dispositivo para iluminar o ator, no lugar da ribalta. A luz de frente, que normalmente chamamos de

“luz geral”, com a mesma função da “luz difusa” proposta por Appia. Embora considere este, como qualquer outro dispositivo, específico para cada espetáculo e, portanto, coerente com um conjunto único e novo a cada encenação (SIMÕES, 2008, p. 149).

56 Figura 41: Desenho de Craig para um “teatro ideal”. Fonte: Moussinac, História do

teatro.

As ideias renovadoras desses dois grandes teóricos e cenógrafos, Appia e Craig, foram, porém, muito mais teóricas do que práticas, pois poucas delas puderam ser realizadas, devido à falta dos necessários recursos tecnológicos na época em que viveram. Por isso, certamente, as propostas que ambos desenvolveram foram fontes de inspiração essenciais para as renovações cenográficas surgidas ao longo do século XX.

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