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1. REVISÃO DA LITERATURA

1.3. A Medicina em Portugal (séculos XIX-XX)

1.3.3. As publicações médicas

Em 1932, o jornal hebdomadário A Medicina Contemporânea fez 50 anos, o que motivou Silva Carvalho a escrever sobre este periódico que, segundo afirma, “depois do

mais volumoso” (1932, p.3), tendo publicado até esse ano noventa e cinco volumes. Destaca o papel que cumpriu a nível social, educativo e na organização da história da medicina, bem como o seu potencial de informação em estudos relacionados com o tema. Na sua origem73, em 1882, está um grupo de professores e médicos liderados por

Miguel Bombarda, que se associaram ao editor J. A. Rodrigues para lançar um jornal que fizesse eco da má situação em que o país se encontrava, procurando influenciar as políticas governativas de então (Carvalho, 1932). Para Costa (2000), este jornal era o meio de opinião de Manuel Bento de Sousa, Sousa Martins e Miguel Bombarda, como já vimos, três destacados médicos do final do século XIX.

Em A Medicina Contemporânea, encontramos os nomes que fizeram a história da medicina no século XIX e XX como Miguel Bombarda (1851-1910)que foi fundador e diretor; Manuel Bento de Sousa (1835-1899), fundador e presidente da redação; Sousa Martins (1843-1897), fundador e redator; Bettencourt Raposo (1853-1937), fundador e redator; José António Serrano (1851-1904), fundador e redator; Alfredo da Costa (1859- 1910), diretor; Silva Carvalho (1861-1957), diretor; Francisco Stromp (1859-?), diretor; Fragoso Tavares (?), diretor; Bello Moraes (1868-1933), diretor; António de Azevedo (1866-1928), diretor e por fim J. A. Rodrigues, proprietário e editor.

Esta revista contou com a colaboração dos melhores médicos da época que aqui publicaram os seus trabalhos, e com a participação das escolas de Lisboa e Porto. Durante os quatro primeiros anos, A Medicina Contemporânea lançou e promoveu a discussão, envolvendo médicos, professores, instituições e outros periódicos. Procurava contribuir para a promoção de campanhas e reformas na saúde, trabalhando em grande proximidade com a Sociedade das Ciências Médicas, cujos diretores e redatores faziam também parte deste periódico.

Fazendo um pouco a sua história, em 1887 Silva Carvalho e Alfredo da Costa passam a dirigir a revista e Miguel Bombarda fica como colaborador. Em 1888, sai Alfredo Costa e, em 1889, fica na direção Francisco Stromp. Entre 1890-1895, Fragoso Tavares é o diretor e tem como colaboradores Ferreira da Silva, Câmara Pestana, Custódio Cabeça, Gregório Fernandes, Cardoso Pereira, Aníbal Bettencourt, António de Azevedo, Bello Moraes. Em 1898, Miguel Bombarda regressa à direção e tem como secretário António de Azevedo. Junta-se a esta direção Bello de Moraes e para a redação contribuem

Pinto de Magalhães e Reynaldo dos Santos. Com a morte de Bombarda, fica na direção António de Azevedo e entra Alberto Mac-Bride, que o vem a suceder. Referindo-se a António de Azevedo, Alberto Mac-Bride apresenta-o como o criador do jornalismo médico português.

Um outro periódico importante foi o Jornal da Sociedade das Ciências Médicas

de Lisboa, que teve início em 1835, de publicação mensal, dirigido por Bernardino

António Gomes Filho (1806-1877), em que os redatores eram lentes efetivos e substitutos da Régia Escola de Cirurgia de Lisboa. Com origem na Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa, este é o mais antigo do género em Portugal (Leone, 1969), com um caráter político e com o objetivo de se opor ao Jornal de Coimbra (Mira, 1947).

Para Silva Carvalho (1932), o Jornal da Sociedade das Ciências Médicas de

Lisboa e a Medicina Contemporânea são as publicações mais relevantes e a sua consulta

permite reconstruir a parte mais importante da História da Medicina em Portugal, a partir do princípio do século XIX. É nestes dois periódicos que encontramos a maioria dos artigos elaborados por Alberto Mac-Bride (Costa, 2000). Também Lejeune (1938) destaca a importância e influência do jornalismo médico na medicina portuguesa.

Silva Carvalho (1932) traça uma breve apresentação dos outros jornais médicos, a começar pelo primeiro que se publicou em português, em janeiro de 1749, e denominado

Zodíaco Lusitano Delphico-Anatomico, Botanico, Chirurgico, Dendrologico, Ictyologico, Lithologico-Medico, Meteorológico, Optico, Ornithológico, Phamaceutico e Zoologico, cujos autores são, em princípio, cirurgiões e um boticário.74 Seguem-se outros

periódicos de curta existência75, muitos por iniciativa de médicos e boticários76, que são

notáveis pelas observações sobre medicina, saúde, epidemias, meteorologia, etc. Muitas destas publicações surgiram por iniciativa individual e tiveram uma existência curta.

74 Segundo Silva Carvalho (1932), apenas se conhecem dois exemplares: o da coleção do médico Manuel

de Oliveira de Ponte de Lima, hoje na Biblioteca de Braga, e o da Biblioteca da Faculdade de Medicina de Lisboa.

75 Diário universal de Medicina, Cirurgia, Pharmacia, etc. - dirigido por Manuel Gosmes de Lima, com

três números entre 1764-1772. Em 1796, surge o Anno Médico de José Bento Lopes. Em 1789, Biblioteca

de Cirurgia, de António Rodrigues de Portugal. Em 1812, a Collecção de opúsculos sôbre a vacina, da

Academia Real das Ciências de Lisboa. E os Anais da Medicina dinâmica, de 1832, de Lima Leitão.

76 Entre estes, O Jornal dos Facultativos Militares de 1843 e o Escholiaste Médico publicado sob os auspícios da repartição de saúde do exército de 1856, redigidos por clínicos militares e que contêm

estatísticas, observações, memória e noticias. A partir da sua leitura, conhece-se o elevado grau de cultura e conhecimentos destes clínicos, formados nas Régias Escolas de Cirurgia.

Carvalho (1932) apresenta uma listagem minuciosa das publicações médicas, das quais destacamos a Revista Médica Portuguesa em 1864, elaborada por cirurgiões do Hospital de São José como Alves Branco e Manuel Bento de Sousa, e O Correio Médico

de Lisboa em 1872, com Alves Branco e Miguel Bombarda, o qual pode ser considerado

o antecessor da Medicina Contemporânea. Segundo Mira (1947), o Correio Médico de

Lisboa foi fundado por Alves Branco em 1842, data anterior à referida por Carvalho.

De referir ainda outros periódicos como a Gazeta Médica de Lisboa dirigida por Francisco Barral (1790-?), fundada entre 1835 e 1842 (Mira, 1947), O Médico Ilustrado ou Médicos Portuguezes, esta última uma revista biobibliográfica (Carvalho, 1932). Costa (2000) cita ainda Lisboa Médica como uma revista importante, ligada ao Hospital Escolar de Santa Marta, que teve uma direção coletiva e foi repositório da atividade cientifica do Hospital e da Faculdade.

Em Coimbra, a Sociedade de estudos médicos de Coimbra, composta por professores e alunos, publicou em 1878 os Estudos Médicos; foi o primeiro jornal a publicar o resumo dos seus artigos em francês. Em 1881 surge Coimbra Médica, jornal importante na época e que contou com a colaboração dos lentes de Coimbra, alunos e médicos estrangeiros e que tentou ter uma voz política, sem o conseguir (Carvalho, 1932). No Porto encontramos a Gazeta Médica do Hospital Real de Santo António do

Porto em 1859, A Gazeta Médica do Porto de 1860 com Maximiano de Lemos, e os já

citados Archivos de História da Medicina Portuguesa em 1876, periódico dirigido por Maximiano Lemos (Carvalho, 1932). Por fim, a Revista Científica, fundada em 1881, por Ricardo Jorge (Alves, 2014, p. 177). A lista de outros periódicos médicos que existiram no Porto é longa, a maioria publicados por médicos, muitos deles de curta duração e com pouca divulgação, entre os quais se contam os de homeopatia, em que se discutiam diagnósticos e tratamentos e se davam notícias de publicações estrangeiras.

Relacionado com uma instituição hospitalar, encontramos o Boletim Clínico dos

Hospitais Civis de Lisboa, criado por Curry Cabral, para veicular as estatísticas

quinzenais dos vários serviços, com uma publicação anual (Veloso, 2017, p. 454). “Este Boletim deve ser a mais antiga publicação hospitalar do país, pois data de Abril de 1902 o seu primeiro número, com o título Boletim do Hospital de S. José e Anexos” (Leone, 1958, p.613), sendo o seu primeiro diretor José António Serrano. Foi uma publicação regular, que mantinha os médicos atualizados sobre o que se passava em Portugal e no

mundo, com conteúdos sobre os aspetos científicos e sociais da profissão (Alves, 2014), embora com uma periodicidade que variou ao longo dos tempos.

O Boletim sofreu alterações na designação e na estrutura, a começar por 1934, quando passou a chamar-se Boletim Clínico e Estatístico dos Hospitais Civis de Lisboa. Pelo que se conhece foi alvo de duas grandes reorganizações, uma em 1937, em que de uma tiragem inicial de 1.000 exemplares por semestre passou a publicar 5.600 por ano; e uma segunda, em 1948, quando estabeleceu relações com a Sociedade Médica dos HCL que começa a inserir aqui os seus trabalhos, aumentou a troca de artigos com periódicos estrangeiros, começou a funcionar como revista da Biblioteca, Museu e Arquivo dos HCL, aumentou a tiragem e o número de artigos por número (Leone, 1958, p. 614). A partir de 1946 passou a designar-se Boletim Clínico dos HCL e deixou de incluir a estatística; continuou a crescer até chegar a 1958 com uma periodicidade trimestral e com quase 100 páginas. De acordo com as informações recolhidas na Biblioteca do Hospital de São José, o seu último número foi publicado em 2003.