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As pulsões e as suas vicissitudes (1915)

CAPÍTULO 2: O INSTINTO DE MORTE E A TOXICODEPENDÊNCIA

1.2. Sigmund Freud: o Instinto de Morte

1.2.1. As pulsões e as suas vicissitudes (1915)

Neste texto, Freud (1915/2001) esclarece que, no início de uma teoria, é impossível apresentar conceitos básicos claros e bem definidos, sendo inevitável uma certa indefinição9. Há que fazer investigações cada vez mais complexas ao material de observação de que derivaram, e só posteriormente será possível uma crescente precisão, tornando os conceitos utilizáveis e consistentes em áreas mais vastas. Segundo o autor, nenhuma ciência avança sem a especulação. Aqui surgem as definições que permitem o avanço do conhecimento. Se há acusação que não pode ser feita a Freud é a de estagnação teórica; os conceitos alteram-se ao longo da sua obra; sendo esta uma das razões que poderá originar alguma dificuldade na compreensão da sua teoria. Contudo, Freud tem o cuidado de evidenciar nos seus escritos as suas próprias incertezas.

Consideramos pertinente a definição de pulsão elaborada neste texto. Segundo Assoun (1999/2002), “o conceito de pulsão (Trieb) é considerado como o centro de gravidade da metapsicologia freudiana. Freud caracteriza-a efectivamente como «conceito fundamental» (Grundbegriff) da explicação (meta)psicológica.” (p. 191). É ainda no texto As pulsões e as suas

vicissitudes (Freud, op. cit.) que é descrito o primeiro dualismo, no grupo de pulsões primordiais:

as pulsões do Ego ou de autoconservação e as pulsões sexuais, sendo as últimas consideradas

simples hipóteses de trabalho para serem mantidas apenas enquanto provarem utilidade.

9 Note-se que neste texto Freud afirma que embora o conceito “pulsão” seja obscuro, ele é indispensável à Psicologia e

Recorrendo à fisiologia, Freud refere que um “estímulo aplicado a um tecido vivo (substância nervosa) a partir do exterior é descarregado em acção para o exterior” (Freud, 1915/2001, p. 207), ou seja, deixa de existir. A pulsão será um estímulo aplicado à mente, mas o autor alerta para a incorrecta equiparação destes conceitos, uma vez que existem estímulos para além dos pulsionais. O estímulo pulsional não vem do mundo externo mas do próprio organismo; como tal, opera de forma diferente na mente e, consequentemente, para o remover são necessárias acções distintas. Como se manifesta a partir do interior do organismo, nenhuma acção de fuga prevalece, o estímulo exerce uma força constante, uma “necessidade” que só acaba com a sua “satisfação”. Na descrição feita está claramente presente uma hipótese da ordem da Biologia10, e esta admite o conceito de

finalidade: “o sistema nervoso é um aparelho que tem por função livrar-se dos estímulos que a ele

chegam, ou de os reduzir ao nível mais baixo possível; ou, se isso fosse viável, manter-se-ia numa condição completamente livre de estímulos” (Freud, 1915/2001, p. 208). Aqui, é introduzido um ponto central para a concepção de pulsão de morte: o estado ideal do organismo será um livre de estímulos, e o que é certo é que o expoente máximo desta possibilidade se traduz na morte.

É também neste texto que Freud mostra alguma reticência relativamente à definição do princípio do prazer. O autor refere que o aparelho mental mais desenvolvido está sujeito ao princípio do prazer, sendo os sentimentos de desprazer originados por um aumento de estimulação, e os sentimentos de prazer originados pela sua diminuição11. Ressalva que é preciso ter cuidado com esta afirmação, dado que podem existir muitas variações entre a correlação prazer-desprazer e a quantidade de estímulos12.

10 Ao longo deste texto e outros, Freud recorre por diversas vezes à Biologia como suporte para elaborações teóricas. 11 Este ponto é mudado em “O problema económico do Masoquismo”, onde Freud afirma que prazer e desprazer não

estão relacionados com um aumento ou diminuição de estimulação, mas sim com características qualitativas.

12 Mais tarde, Freud debruça-se sobre esta dúvida de forma mais extensa, em Além do Princípio do Prazer (1920) e O

Freud recorre novamente à Biologia para explicar a vida mental e descreve a pulsão como “um conceito na fronteira entre o mental e o somático, como o representante psíquico dos estímulos que têm a sua origem dentro do organismo e que alcançam a mente, como a medida de exigência feita à mente em consequência da sua conexão com o corpo” (Freud, 1915/2001 p. 210), e define as várias características da pulsão. A pressão diz respeito ao aspecto económico, quantitativo, da energia psíquica. O alvo será a satisfação que pode ser obtida com a remoção do estado de estimulação na fonte da pulsão; embora seja sempre o mesmo, existem diversas formas de o atingir; o objecto é o meio através do qual a pulsão atinge o seu alvo, é uma consequência da satisfação desta: a pulsão atribui o objecto. A fonte é o processo somático que ocorre no corpo e cujo estímulo é representado na vida mental por uma pulsão, sendo conhecida através do seu alvo.

De acordo com Grennberg e Mitchell (1983/2003), na metapsicologia freudiana há uma anobjectalidade que advém de, inicialmente, as pulsões desconhecerem a realidade e a natureza dos objectos; não conhecem o meio para a satisfação; conhecem-no apenas posteriormente, quando os objectos são impostos ás crianças e, por associação, ligados à gratificação da pulsão. O objecto é meramente o veículo através do qual a gratificação é obtida ou recusada.

Segundo Assoun (1999/2002) “a pulsão define-se, com efeito, a montante por uma noção fisiológica (excitação): condição necessária mas não suficiente, uma vez que esta excitação se transforma em «pulsão» justamente ao aceder ao psíquico … uma fronteira que torna impraticável um «dualismo» entre «alma e corpo»: passa-se assim do «psíquico» ao «anímico» (Seelisch), mas a pulsão participa simultaneamente do «somático».” (p. 193). Freud (op. cit.) descreve os dois grupos de pulsões e afirma que inicialmente as pulsões sexuais estão ligadas às pulsões de autoconservação, das quais se vão separando gradualmente, sendo a escolha objectal indicada por

estas últimas. Há uma fusão inicial entre estas pulsões mas, uma parte das pulsões sexuais ficará toda vida ligada às pulsões do Ego, fornecendo-lhes componentes libidinais no comportamento normal que são apenas evidenciadas na doença.

O autor refere ainda que os vários deslocamentos/vicissitudes pulsionais estão sujeitos à influência de três polaridades que dominam a vida mental: actividade-passividade (biológica); Ego-mundo externo (real); e prazer-desprazer (económica). Os conceitos masoquismo, sadismo, amor e ódio são explicados à luz destes dualismos. É à luz da mudança da actividade para a passividade e da inversão do conteúdo da pulsão que Freud vai explicar o par de opostos sadismo- masoquismo e amor-ódio. No primeiro, a inversão afecta apenas o alvo, enquanto que a inversão do conteúdo se dá apenas do amor em ódio. Aqui, o masoquismo é derivado do sadismo, que é prévio e, como tal, não existe o reconhecimento de um masoquismo primário (Freud, op. cit.).

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