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3. Resultados

3.4. As soluções

3.4.2. As técnicas de preservação da fertilidade

3.4.2.4. As questões éticas

Há quem defenda que as técnicas referidas ultrapassam inadequadamente os limites biológicos, dado que o envelhecimento reprodutivo é um processo fisiológico e não uma doença. No entanto, também há quem encare as TPF como um conjunto de medidas preventivas de um potencial problema médico35,52 - a prevenção da infertilidade associada à idade- e se tomamos medidas preventivas contra doenças como a osteoporose, que é um processo com forte ligação ao envelhecimento, também será aceitável que o façamos relativamente a outras condições que ocorrem naturalmente com a idade.58 Assim, argumentar que as mulheres podem justificadamente recorrer à preservação da fertilidade por razões médicas, mas que como medida preventiva não é admissível, é alvo de críticas por alguns autores. Estes consideram irrelevante se a causa é a menopausa, uma patologia oncológica ou um tratamento gonadotóxico, pois o desfecho vai ser o mesmo.21

Fazendo um paralelismo com os métodos contracetivos, atualmente estes são usados maioritariamente por “razões não médicas”, ou seja, para voluntariamente adiar a maternidade, pelos mais diversos motivos, sem abdicar de uma vida sexual ativa. A contraceção é uma prática altamente aceite e não existe esta dicotomia entre “indicações médicas” e “indicações sociais”, que muitas vezes nem são passíveis de ser claramente distinguidas, pelo que não fará sentido usar este argumento no que se refere às técnicas de preservação da fertilidade.31,58

Os ovócitos em excesso podem ser doados a bancos de ovócitos, podem ser usados para investigação ou podem ser destruídos.31,45

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No entanto, infelizmente, as mulheres que criopreservam os seus ovócitos têm em média 37-38 anos, o que as torna demasiado velhas para serem consideradas elegíveis para doarem os seus ovócitos.58 Assim, e dado que muitas das mulheres que irão recorrer à criopreservação não vão de facto usá-los no futuro, a acumulação destes gâmetas criopreservados não utilizados é uma preocupação.56

Outro ponto que não podemos ignorar é que estas técnicas potencialmente expõem as mulheres e as crianças a riscos médicos.

O processo de estimulação ovárica e de recolha dos ovócitos pode ter complicações. Talvez os riscos médicos mais importantes neste contexto estejam relacionados com a estimulação ovárica, nomeadamente a síndrome de hiperestimulação ovárica. A dor e desconforto provocados pelas injeções hormonais, a dor abdominal, náuseas e vómitos, o aumento de peso e o dano de órgãos adjacentes aos ovários são efeitos secundários possíveis. Já a recolha de ovócitos pode culminar em tecidos cicatriciais adjacentes aos ovários e tubas, que podem interferir na conceção, bem como hemorragia interna, infeções e complicações anestésicas.35,47,56 As estatísticas anuais alemãs do registo de FIV mostraram uma taxa geral de complicações de 0,8% e de síndrome de hiperestimulação ovárica severa de 0,25%.31

Os protocolos foram otimizados e procedimentos como a estimulação ovárica são agora muito mais seguros que antigamente, havendo evidência que não afetam a oportunidade de sucesso reprodutivo da mulher dadora no futuro.45

Quando a mulher volta ao centro de fertilidade para efetivamente usar os ovócitos criopreservados, já em idade mais tardia, é mais suscetível a complicações durante a gravidez. No entanto estes riscos serão os mesmos que aqueles a que as mulheres em IMA a realizar FIV convencional estão sujeitas. Portanto, enquanto esse procedimento continuar a ser permitido até idades avançadas, estes riscos não são argumento suficiente para proibir a criopreservação de ovócitos.21,48

Há também que avaliar o bem-estar das crianças. Este é considerado por muitos como um princípio que se sobrepõe ao da autonomia reprodutiva das mulheres, como é o caso de países como a Suíça.35

Um dos pontos mais importantes na discussão ética sobre a criopreservação é o perigo de malformações nas crianças. Um estudo australiano que investigou 6163 crianças nascidas a partir de FIV associou as técnicas de reprodução assistida a um risco acrescido de malformações: a taxa de malformações após FIV foi de 8,3% e de 5,8% após conceção natural ou espontânea. Outras patologias como o autismo ou o atraso mental também já foram assinaladas como aumentadas em gravidezes por FIV, embora esta relação continue incerta.31. Outros trabalhos sugerem que as crianças que nascem através de ovócitos

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criopreservados e FIV não apresentam danos físicos ou de desenvolvimento estatisticamente significativos, embora ainda não existam estudos a longo prazo sobre este tema.52 É fundamental o seguimento pediátrico a longo prazo, através de avaliação do desenvolvimento psicomotor, desempenho escolar e incidência/prevalência de patologias, para poder tirar conclusões fidedignas acerca desses parâmetros.55

O desenvolvimento destas técnicas, associado à sua divulgação de forma positiva nos media, contribui para uma crença exagerada nas possibilidades reprodutivas que elas conseguem oferecer.24

Um estudo sobre as mulheres que se submeteram a criopreservação de ovócitos analisou a perceção das mesmas acerca do impacto da comunicação social neste domínio, e 83% responderam que acreditavam que os media passavam uma impressão errada acerca das suas possibilidades reprodutivas.22

Companhias como a Apple e o Facebook tornaram este tema ainda mais polémico ao oferecerem às suas trabalhadoras a oportunidade de criopreservarem os seus ovócitos, indo contra a posição assumida pela ASRM quanto a este assunto, e as opiniões foram controversas.47,48,52 Há quem defenda que essa é apenas uma forma de pressionar as mulheres a adiar a maternidade e não de aumentar a oportunidade de escolha e autodeterminação. Os críticos veem a criopreservação de ovócitos como um oposto relativamente àquilo que se pretende em termos de autonomia reprodutiva feminina, uma medida contraproducente e ofensiva, que poderá acabar por passar a imagem de que as mulheres que decidem ter filhos mais cedo não valorizam devidamente os seus empregos.24,56

Relativamente à relação custo-efetividade, os resultados são controversos. De salientar que os custos e disponibilidade desta técnica variam entre países e entre clínicas.

Os custos gerais no Canadá estarão entre 5000 e 10 000$ por ciclo. Este valor poderá incluir as consultas, taxas dos laboratórios, medicação, procedimento de recolha de ovócitos, congelamento e armazenamento. No entanto, nem sempre são incluídos todos estes custos nas estimativas das clínicas e os gastos podem variar muito, por exemplo consoante a quantidade de medicação necessária para obter uma estimulação ovárica eficaz. Podem ainda ser adicionados custos de armazenamento anuais ao longo do tempo (cerca de 300-500$ por ano) e os custos associados à FIV e transferência de embriões.47,52

Segundo Hirshfeld-Cytron et al.23,48,50, se as mulheres criopreservarem os ovócitos aos 25 e voltarem aos 40 para os usar será menos custo-efetivo do que se simplesmente recorrerem a uma técnica de reprodução assistida aos 40 anos caso encontrem dificuldades em engravidar de forma natural.

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