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As “questões específicas” levantadas pela bibliografia e a estrutura

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

4.2 As “questões específicas” levantadas pela bibliografia e a estrutura

A criação de uma das principais formas de transferências fiscais ocorrentes no país, na década de 1960 (os fundos de participação), foi acusada de se tratar de uma medida eminentemente centralizadora, uma vez que visava compensar a insuficiência financeira então imposta aos entes subnacionais.

Verifica-se, então, a configuração de um verdadeiro “sistema”, o que até aquele momento era tido como inexistente. Assim, a natureza centralizadora da dita reforma não foi suficiente para retirar-lhe o reconhecimento quanto à qualidade do sistema tributário por ela implementado, pois a eliminação da tributação em cascata e a criação do imposto sobre valor agregado parecem ter trazido uma “racionalidade”, naquele instante, ainda não conhecida pela tributação nacional.

Assim como é possível identificar um consenso na literatura quanto ao caráter declaradamente centralizador da reforma tributária de 1960, também é possível identificar a concordância de entendimentos no que diz respeito à desarticulação com que foi empreendida a tentativa de descentralização fiscal do país na década de 1970.

Sobre a interdependência existente entre a democracia e a descentralização fiscal, merece apontamento o fato de que o regime político, muito embora influencie na estruturação do sistema tributário, não é o único fator determinante do mesmo.

Segundo reflexões apresentadas pela literatura, conceitualmente, a descentralização fiscal não garante a existência de concomitante democratização, haja vista que esta relação conta também com fatores sociais e econômicos determinados historicamente, além dos próprios fatores políticos.

Dessa forma, pode-se dizer que a transferência de recursos do poder central para as esferas locais pode impedir uma dominação do “centro”, porém, não garante que não haverá dominação dentro destas próprias esferas. Assim, não se pode afirmar que sempre que houver uma descentralização esta virá acompanhada de um processo de democratização.

Pelo que se pode depreender da reunião dos entendimentos sobre o sub- período (1990-1993), o início da chamada reação centralizadora da União se

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deu logo no começo dos anos 1990, ou seja, apenas dois anos após a consagração da descentralização fiscal pela Constituição de 1988. Assim, importa registrar que, tão logo não dispusesse de tempo hábil para a sua consolidação, o processo de descentralização fiscal já contava com o antagonismo empreendido pela União, por meio, principalmente, de emendas àquela Constituição.

Dentre os efeitos das medidas centralizadoras adotadas, as quais visavam frear a efetiva implementação da descentralização fiscal, almejada pela Constituição de 1988, é possível mencionar o aumento do produto da arrecadação das contribuições sociais que, por sua vez, não integram o montante partilhado com os entes subnacionais.

Não obstante os diferentes entendimentos sobre as causas do mencionado aumento das contribuições sociais - seja como uma tentativa de diminuir a transferência de recursos aos entes subnacionais ou apenas de superar a diminuição das receitas sofrida pela União, após o advento da Constituição de 1988 -, a sua característica centralizadora não pode ser negligenciada, haja vista se traduzir num aumento da receita total arrecada no país, sem o proporcional compartilhamento da mesma com os demais entes.

Outro aspecto que evidencia a não efetiva implementação da proposta de descentralização fiscal idealizada na década de 1980 é a insatisfação quanto aos critérios de repartição das receitas tributárias – fator encontrado na literatura referente a quase todos os subperíodos estudados. Isso porque, embora os critérios de repartição, em grande parte, tenham sido estabelecidos durante a década de 1960, as modificações supervenientes não foram suficientes para alterar a essência das críticas atribuídas aos mesmos.

A não equalização das desigualdades regionais e o favorecimento de alguns municípios (p. ex.: pequenos municípios, no caso do FPM e municípios

industrializado, no caso da partilha do ICMS) apontam para o fato de que uma descentralização fiscal estruturada demandaria, acima de tudo, um amadurecimento dos critérios de partilha das receitas tributárias a serem transferidas.

Merece observação, também, o fato de que o aumento da receita tributária municipal, proporcionado pelo movimento descentralizador da década de 1980, não foi suficiente para reverter a situação de escassez financeira a que os municípios brasileiros estiveram submetidos desde a era colonial49. Embora as causas da insuficiência financeira municipal não possam ser explicadas em sua totalidade pela dimensão analítica adotada na presente pesquisa, não se pode deixar de reconhecer o indício de centralização em tal constatação.

A importância desta constatação está no fato de que tal insuficiência vem sendo atribuída a um suposto “descontrole” das finanças públicas municipais, o que tem servido para justificar o fortalecimento de atitudes centralizadoras por parte da União, tais como a vinculação e o condicionamento das transferências fiscais e empréstimos aos entes subnacionais. Essas medidas foram consagradas, principalmente, por meio da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Assim, embora não exista um consenso na literatura pesquisada sobre o que se poderia entender por autonomia financeira municipal, sob a ótica das transferências fiscais, é possível afirmar que a vinculação e o condicionamento destas, assim como dos empréstimos aos entes subnacionais, tratam-se, de fato, de medidas centralizadoras. Pois, com isso, as transferências passam a ser um instrumento de subordinação de um ente federativo pelo outro, o qual passa a gozar do direito de determinar a estruturação e a consecução das finanças do ente inferior, em atitude flagrante de centralização.

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Conforme restou demonstrado, parte da literatura, ao entender que o país possui certa “tendência centralizadora”, atribui tal prerrogativa ao fato de que a mesma se deve a uma necessidade de melhor coordenação econômica para o desenvolvimento.

Os autores que, em contrapartida, afirmam que a conjuntura do último subperíodo analisado (2000-2003) corresponde a um panorama de ampla consolidação da descentralização fiscal, ao tentarem comprovar tal afirmação, demonstram a ampliação do gasto público na esfera municipal (Afonso & Araújo, 2000; Afonso, 2003; Serra & Afonso, 1999; Guedes & Gasparini, 2007). Ocorre que o gasto público, consoante atesta outro autor (Bahl, 2001), não consiste numa dimensão de análise capaz de atestar a centralização ou a descentralização fiscal. Desse modo, as afirmações de descentralização fiscal, neste caso, perecem não somente pelo fato de não se encontrarem englobadas pela principal dimensão analítica, ora adotada (sistema de transferências fiscais), mas pela sua própria insuficiência em explicar aquilo que se propõe.

Diante disso, sem desprezar a relevância dos entendimentos contrários – pois é da própria índole desta pesquisa demonstrar a pluralidade de posicionamentos -, é possível identificar que as principais “questões específicas” levantadas pela bibliografia levam a crer que a centralização fiscal predominante no país não foi suficientemente rompida pela reforma de 1980.

4.3 Dimensões analíticas

Justamente em razão de o ponto de partida da presente pesquisa consistir na denunciação dos reducionismos a que os estudos sobre o federalismo fiscal vêm sendo submetidos é que não se pode, aqui, trazer uma conclusão que despreze a relevância das dimensões analíticas do mesmo.

As premissas consideradas na pesquisa apontam para o fato de que a negligência quanto às diversas “dimensões” e “questões específicas”, inerentes à centralização e à descentralização fiscal, conduzem a inevitáveis distorções e a consequente má compreensão do sistema tributário nacional. Admite-se, assim, a identificação dessas “questões específicas” no cerne das respectivas “dimensões de análise” como uma forma de proporcionar uma visualização do federalismo fiscal, por meio da literatura pertinente, sem deixar de considerar a historicidade a ele inerente.

Dessa forma, a afirmação de que a trajetória analisada consiste num processo de centralização ou descentralização fiscal só tem validade desde que reconhecida a sua respectiva dimensão analítica. Pois, não se poderia atestar a existência de um ou outro processo, de maneira geral, mas sim apenas dentro de cada dimensão.

No presente caso, a dimensão analítica adotada foi a do “Sistema de transferências fiscais”, sendo consideradas como suas derivadas as demais, “Vinculação de gasto das receitas” e “Autonomia para a obtenção de empréstimos”.

Do simples cotejo entre as evoluções, da arrecadação tributária de cada ente e da receita disponível pertencente a cada um deles50 é possível perceber um nítido aumento das transferências fiscais destinadas aos municípios, uma vez que a receita disponível dos mesmos cresceu, significativamente, mais do que a sua capacidade de arrecadação própria.

Entretanto, por outro lado, o que se pode observar na literatura levantada é que, muito embora tenha ocorrido um significativo aumento das transferências

      

50 Vide “Apêndice C”, com os gráficos referentes à arrecadação tributária e à receita

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