• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 3 O DESENHO COMO LOCUS DE ANÁLISE DO SUJEITO

3.1 AS QUESTÕES FORMAIS DO DESENHO EM CÉSAR COLA

Ao aluno deveríamos dar oportunidades de expressão, de acordo com César Cola. Dessa forma, vamos incentivando seu interesse pela arte, pelo desenho, pela escola. Tal interesse, se desenvolvido adequadamente, despertaria outros interesses pelo novo, pela descoberta, pela inovação, pelo conhecimento.

Fig. 6 Desenho César Cola.

Fonte: site www.cesarcola.com /acesso em 22/10/2012.

A própria alfabetização, por exemplo, poderia ser mais aberta à originalidade da criança, às suas invenções e criações. A simples aquisição de habilidades psicomotoras torna-se ultrapassada, e hoje devemos ver a aprendizagem da escrita e da linguagem como um todo. A aprendizagem deve ser um processo de descoberta, invenção e criatividade: “[...] as artes deveriam ter uma função para possibilitar a expressão [...] o trabalho de artes deveria ser diário (REILY,1989, 47, apud COLA, 2005)

O ensino das artes, da linguagem e do desenho fica ultrapassado quando o professor se utiliza dessa linguagem somente para obter êxito em outras áreas do conhecimento. É necessário,portanto, que sejam feitos estudos sobre todas as expressões das crianças, que mais tarde serão os adultos que se

relacionarão com o mundo que nos é circundante, e esse mundo necessita de adultos criativos, originais que consigam romper com a inércia da massificação que se apresenta, também, por meio dos desenhos e representações pictóricas modeladas pelo sistema dominante e voraz.

Dessa forma, conseguiríamos ver o desenho como portador de um conteúdo essencial, autossuficiente, necessário.

Não é muito nítido o papel do ensino do desenho. Sabe-se que, embora os professores procurem defender sua área, muitos não esclarecem para si mesmos a função da arte, no contexto escolar. As opiniões e formas de entendê-la e desenvolvê-la variam de acordo com as diretrizes das diferentes redes de ensino, quando existem tais diretrizes (COLA, 2003, p. 11).

César Cola considera ilusão a atuação de um professor em sala de aula completamente desvinculado do processo histórico e do social pelos quais passaram nossos pais, ou nós mesmos nos bancos escolares: somos, com certeza, também produtos de nosso percurso histórico, de nossa convivência social.

Fig.7 Desenho César Cola.

Fonte: site www.cesarcola.com /acesso em 22/10/2012

Mas o professor também é produto do meio que o circunda e dele deve tirar proveito para melhorar o desempenho de suas aulas. Quando o professor

conhecer a importância do ensino das Artes, do desenho e de outras linguagens na educação, ele poderá apontar métodos e abordagens teóricas e metodológicas que possam gerar melhorias para a prática do desenho no ambiente escolar.

É bom lembrar que o desenvolvimento da capacidade criadora, tão caro aos defensores da livre expressão, no ensino da arte, isto é, aos cultuadores do deixar fazer, também se dá no ato do entendimento, da compreensão de uma obra de arte (BARBOSA,1991, p.11).

Isso é não simplesmente desenhar por desenhar, mas obter do aluno uma expressão original que mescla livre expressão e a triangulação das influências que ele sofre da mídia, da televisão e de seu grupo cultural. É preciso estar atento a essas influências, pois elas fazem parte da experimentação de uma sala de aula como um todo.

Fig.:8 Desenho de criança

Fonte: Ensaio sobre o desenho (COLA , 2004)

Logicamente existem diferenças entre os sujeitos, e essas diferenças são fornecidas pelos diversos aspectos culturais, intelectuais e afetivos. Arnheim (1992, apud COLA, 2004, p. 62) nos diz que:

As pessoas variam muito segundo as bases de orientação, se se apóiam mais no sentido visual ou mais no científico. As pessoas mais visualmente responsivas, que tomam suas sugestões do mundo exterior, foram consideradas mais extrovertidas, mais dependentes de padrões ambientais, enquanto que cinestesicamente responsivas, que ouvem sinais dentro de seus corpos, pareciam mais introvertidas,

seguindo seu próprio julgamento do que doutrinas do mundo.

Dessa forma, vemos várias variantes do desenho do adulto, enquanto ele está inserido no mundo que o circunda, a circum-mundaneidade, e, dessa forma, suas expressões são mais puras e originais. Podem ser o desenho e sua fala, e uma em complementação da outra.

Nas relações em geral, na racionalização que se faz necessária, conforme ressalta Elida Sigelmann, é na linguagem que o ser se revela, desde que a escuta possa abrir-se à experiência da verdade no interior de quem fala e discernir o ser como é e a aparência tal como se mostra” (FEIJOO, 2000, p. 48).

Logo, o abandono escolar também foi sentido no passado e representado atualmente por meio dos desenhos, sobre os quais os sujeitos da pesquisa relataram expressão de sentimentos de dor e perda, morte, luto. Onde o grupo escolar se representava dia após dia como um grupo que ia se desconstituindo pouco a pouco sem nada poder fazer. Cada desistência era sentida pelo grupo. Cada perda era uma morte, mesmo que imaginária:

O ato de imaginação é mágico. É um encantamento destinado a fazer aparecer o objeto no qual pensamos, a coisa que desejamos, de modo que dela possamos tomar posse. O imaginário apresenta-se como algo imperioso e infantil, recusando a aceitar as dificuldades e as distâncias entre aquilo que se concebe e a própria realidade. Embora a vida imaginária tenha um fascínio reluzente capaz de conferir as mais diferentes propriedades a um determinado objeto, é preciso que também tenhamos padrões claros e definidos na vida real.

Preferir a vivência do imaginário não é apenas preferir uma riqueza, beleza, um luxo enquanto imagem contraposta a situações medíocres, ainda que revestidas de um caráter irreal. Também é adotar sentimentos e comportamentos imaginários em virtude de seu caráter imaginário [...]. Não fugimos apenas das situações do real, mas sim das formas do real [...] de sua concretude. Na maioria das vezes, um desejo que se forma no imaginário nunca é literalmente satisfeito, em razão da distância abismosa que separa a vivência do imaginário da realidade (ANGERAMI, 2005, p. 78).

Enfim, parafraseando, Estamira,19 documentário,Brasil (2004): Tudo que é imaginário deve ser levado em consideração, e tudo que é imaginário pode ser representado por desenhos, fantasias e representações.

Fig.9. “Tudo é que imaginário tem, existe, é”.

.

Fonte: Filme Estamira, Doc. Marcos Prado ( Brasil, 2004)

Em Cesar Cola, falando sobre a livre expressão, teremos o desenho como discurso de um conhecimento já adquirido. A criança e o adulto possui em si o verdadeiro conhecimento. Nada tem que ser corrigido; cada indivíduo possui uma determinada linha evolutiva, com valor extremamente pessoal, subjetivo e singular.

19

A verdade resgatada pelo diretor Marcos Prado, na fala de Estamira, é a verdade desmistificadora das verdades, sustentada pela desconfiança das falsas retóricas, dos mecanismos produtores de ilusão, das religiões, do consumo, da publicidade. É uma verdade empenhada em acordar o ser humano, tirar a venda de seus olhos, com a força de uma crueldade ao mesmo tempo mítica e iluminista, certamente medieval em seu espírito paradoxal, certamente épica, poética e religiosa em seu ateísmo ritualístico, em sua expressão verbal cifrada, em sua narratividade vomitada. Estamira, o filme, transfere assim a “voz do saber” para o “discurso anômalo” – mais autêntico, menos controlado, sem filtros ou coletes em seu duelo com as feridas da vida. A franqueza permeada de ódio é depositária de algo sagrado, com seu discurso não formatado e não negociado com as convenções do pensamento dominante.

Fig. 10 - Charge sobre o abandono escolar

Fonte: ( F.SANTOS,2007)

Por exemplo, na História em Quadrinhos (HQ) acima,o conteúdo é inato. Dessa forma, eles exprimem por imagens o que seria impossível por meio de palavras.

Na charge acima, o leitor se confunde com a ordem do discurso que é invertida, quem foi abandonado? A escola ou o aluno? O sujeito passivo volta-se ativo e vice-versa causando estranhamento no leitor, uma abordagem na tentativa de reflexão do leitor sobre o problema tão especial e que poucos observam, o esvaziamento das escolas do País.

De acordo com César Cola (2007), o desenho invoca o olhar, pois, sem olhar, não se consegue desenhar. Martins (1998) fala no olhar e convoca também o ver: olhar e ver. Subjacentemente, compreendo que a respiração é resgatada quando se trabalha a contemplação.

É preciso saber contemplar, respirar, olhar, ver, meditar. Vemos as coisas ao nosso redor, mas as descartamos sem o ato da contemplação, do ver. Todos estávamos em algum lugar antes de chegarmos aqui: de casa fomos para um veículo, saltamos do veículo, caminhamos até esta sala, estamos agora ouvindo, lendo, olhando distraidamente para a parede, para o chão etc. Mas que experiência tiramos dessa correria toda? O que absorvemos com o olhar, que poderá ser resgatado posteriormente? A escola poderia/deveria ser lugar que priorizasse esses ensinamentos, essas práticas. As dificuldades em inserir esses conteúdos provêm provavelmente por não termos tidos essas práticas quando éramos crianças; o desenho precisa desta atitude do olhar, mas um olhar que

seja olhar de ver, de descobrir, de dissecar, de ressignificar o que está representado por meio do desenho.

Finalmente, ao desenho, depois da contemplação, da consideração da essência do ser, do labirinto subjacente ao nosso pensar. César Cola (2007) entende que a grande dificuldade de se trabalhar o desenho na escola está relacionada com o formato do currículo proposto na educação formal. Observamos pequenas variações entre diferentes escolas, mas o caráter lógico, racional é dominante.

Para esse autor, a aventura de desenhar, a essência do desenhar, leva ao entendimento que “para desenhar basta desenhar”. Todo conhecimento histórico, técnico, social etc. colabora de maneira básica, mas o momento de fazer o desenho deve ser priorizado e devemos nos inspirar em experiências bem sucedidas com desenho na escola e fora dela.

Tem sido difícil aos professores promoverem um retorno ao aluno, avaliar e interferir positivamente no desenho elaborado. É mais fácil trabalhar a história da Arte, por exemplo. Geralmente, um professor que efetivamente desenhe ou que tenha uma visão muito rica sobre o ato de desenhar consegue um desempenho mais adequado com o desenho na educação.

A voz “não sei desenhar” encontra eco também na fala dos professores. Dessa forma, proponho aos professores que desenhem sempre, mesmo que não gostem dos resultados obtidos, pois, com o tempo, seu conceito sobre desenhar irá se transformar em função dessa prática. A maioria das caligrafias é considerada feia, torta. Em alguns casos, até mesmo incompreensível, mas todos escrevemos pelo fato de precisarmos escrever.

Assim, torna-se necessário que professores de Arte compreendam a necessidade real de desenhar, para que possam entender profundamente, no corpo, o que acontece com a criança, o adolescente, o adulto, quando desenha na escola. Na prática, César Cola (2007) sugere que tenham sempre à mão, dentro da bolsa, um caderno de desenho pequeno e rabisquem em momentos inusitados: filas de banco, dentro de um carro ou ônibus, em uma reunião chata,

ao telefone etc, mas guardem seus desenhos, para que possam olhá-los posteriormente, momento de tentar compreender que características são constantes nesses seus rabiscos. Desenhe errado, desenhe torto, rabisque por cima, se ficar realmente insatisfeito com o resultado, rasgue, queime, jogue no lixo, mas tente, faça. Se desenho é aventura, aventura só é boa se não se souber de antemão o que irá acontecer, senão não é aventura.

Consideração igualmente importante, quanto ao ato de desenhar, é olharmos desenhos dos outros com olhos contemplativos. Convém notar como o artista, o publicitário, o ilustrador, a criança, o amador, outros, encontram soluções para seu ato expressivo. Vejamos a distribuição formal, proporção das diferentes partes componentes de um determinado desenho, como as sombras foram distribuídas, as cores combinadas, as estratégias utilizadas pelo desenhista para captar o olhar do observador. Freeman (1980) preconiza que a forma mais corriqueira de desenhar é olhando outros desenhos. Ou seja: aprendemos na verdade a desenhar olhando soluções que estão contidas em outros desenhos. Temos também elementos dos objetos tridimensionais, mas o primordial, em nosso desenhar, é encontrado em soluções que vemos em desenhos alheios. Termos noção de que esse fato que nos ocorre (ainda que inconscientemente), é um grande passo, um grande incentivo para desenharmos. se conseguiu ver.

Nessa perspectiva a ausência da contemplação torna-se, inclusive, um percalço à prática do desenhar. Essa contemplação, operando junto com a respiração e a meditação, irá resgatar a criatividade em todas as áreas da Arte, bem como o pensamento lógico, a percepção, incluindo o aumento do gosto pela leitura. Assim, de alguma forma, as potencialidades surgirão correlacionadas com as singularidades e as particularidades dos aprendizes e, como nos diz Martins, os professores são e continuarão sendo também aprendizes (COLA, 2007, p. 4).

Documentos relacionados