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As regras do campeonato – Paradigma da Complexidade

Para a realização deste trabalho, optamos pela utilização do Paradigma da Complexidade, método apresentado por Morin (2011), que propõe a transdisciplina- riedade. Neste conceito, não há barreiras entre os diferentes teóricos e disciplinas; ao contrário, propõe-se, de modo permanente, o diálogo entre os diferentes saberes. Entendemos este método como coerente para nos guiar nesta pesquisa visto que o esporte, neste caso o futebol, é um tema que perpassa distintos aspectos na sociedade contemporânea e, portanto, a possibilidade de nos nutrirmos de diferentes fontes de conhecimento contribui para a realização deste estudo.

O paradigma de Morin (2011) é constituído pelos sete Princípios da Complexi- dade, que são apresentados pelo autor sem valoração de hierarquia: Sistêmico ou Or- ganizacional; Hologramático; Anel Retroativo; Anel Recursivo; Auto-eco-organizacional; Dialógico; e Reintrodução.

Princípio Sistêmico ou Organizacional: é preciso conhecer as partes para conhecer o todo, e vice-versa. Valorizando a proposta de sistema, este princípio se opõe à concepção reducionista e sugere a observação do relacionamento entre os elementos que compõem um conjunto, entre sistemas e o universo mais amplo. Sendo assim, para conhecer o todo, não basta conhecer cada parte isolada. Da mesma forma o conhecimento sobre o todo não garante o entendimento de cada fração.

A cobertura da morte de Fernandão é destacada, principalmente, pelos momen- tos de vitória do atleta. As qualidades do jogador, como esportista e como pessoa, são ressaltadas nos textos que tratam de resumir a história do futebolista. A lista de títulos conquistados pelo Internacional é apresentada como resumo da trajetória vitoriosa de Fernandão. Entretanto, são vários os casos em que a relação dele com o clube, a torcida e os profissionais do clube que o destacou internacionalmente são marcados por contradições.

levar em consideração o universo ao qual pertencia, incluindo aspectos relativos a sua história pessoal, ao seu comportamento, sua relação com o clube e colegas de equipe (futebol é um esporte coletivo), e a própria realidade do Internacional à época. Para conhecer o todo, é preciso conhecer estas frações. E vice-versa.

Princípio Hologramático: a parte está no todo e o todo está na parte. Cada célula representa o organismo como um todo, assim como o todo está representado em cada uma das células que formam o organismo. As partes de um sistema carregam, como memória, a totalidade da engrenagem. É possível, portanto, reproduzir o todo a partir de uma célula que, embora esteja em constante processo de comunicação e de troca, goza de relativa autonomia.

A cobertura da morte do ex-atleta reconta os principais momentos da carreira de Fernandão. Os feitos realizados em vida estão contidos na morte e na cobertura realizada pela imprensa. O relato de passagens da trajetória do jogador ajuda a contar sua história como um todo. Cada fragmento de sua carreira relaciona-se com o conjunto de suas realizações e contribui na construção do discurso sobre sua morte.

Princípio do Anel Retroativo: o efeito retroage sobre a causa e vice-versa. Com respaldo da Cibernética – retroação e informação – , rompe o princípio da causalidade linear e sugere o processo de autoregulação. O sistema é realimentado a partir de um aparelho que permite o seu autocontrole. O equilíbrio deste anel é mantido a partir das múltiplas retroações.

Toda vez que existem manifestações jornalísticas relacionadas à morte de Fernandão, renova-se o olhar sobre o tema, que reacende a reflexão sobre a vida e a morte do atleta. Por outra via, as homenagens promovidas por torcedores e pelo clube estimulam a produção jornalística e a construção de novos discursos sobre a trajetória e morte do jogador.

Princípio do Anel Recursivo: o produtor faz o produto e o produto gera o produtor. Como num circuito espiral, produtos e efeitos são geradores do que os produz. Os indivíduos produzem a sociedade, que os produz e que resultam na sociedade.

O discurso produzido pela mídia é um dos responsáveis pela construção de personagens que se tornam ídolos. Entretanto, esta construção só é possível nos casos em que o indivíduo pode sustentar esta narrativa a partir de seus feitos e sua trajetória, como é o caso de Fernandão. O discurso midiático é produzido a partir da história do atleta do mesmo modo que a história é (re)contada por meio do discurso da mídia, especialmente a partir de sua morte.

Princípio Auto-eco-organizacional: o sujeito é autônomo, mas depende da sociedade em que vive. Embora sejam auto-organizadores e auto-reprodutores, os seres vivos dependem do meio ambiente para sua sobrevivência. Ou seja, a autono-

mia só é possível a partir da dependência. O processo auto-eco-organizador diz da capacidade de um sistema, enquanto organização viva, transformar-se, reorganizar-se e estar em constante transformação.

Embora aspectos como liderança e a capacidade técnica no futebol fossem inerentes a Fernandão, o fato de fazer parte de uma equipe que se encontrava em momento vitorioso foi fundamental para que ele atingisse o patamar de ídolo da torcida colorada. Para entender a construção de Fernandão como ídolo, é preciso conhecer o meio do qual se alimentava.

Princípio Dialógico: aproxima e associa temas contrários. A partir de uma perspectiva dialógica, este princípio busca a interação a partir de forças contrárias que são necessárias em determinado sistema. No pensamento complexo, dois termos que tendem a se excluir são capazes de dialogar.

Em relação à cobertura da morte de um indivíduo que se destacou pelo de- sempenho esportivo e que sempre teve sua imagem ligada à atividade física faz com que este princípio seja identificado a partir das relações entre esporte e morte, temas que estão, aparentemente, distantes. A morte precoce é personagem importante na construção da narrativa de Fernandão que busca, por outro lado, valorizar as conquistas realizadas durante sua vida.

Princípio da Reintrodução: afirma que o conhecimento é um processo que abriga o diálogo entre o sujeito e o objeto. A participação do pesquisador na construção do conhecimento obedece o raciocínio de complementaridade e interdependência.

Para a compreensão deste princípio, é preciso entender o diálogo que se estabelece entre o sujeito, no caso o Fernandão, e a cobertura de sua morte, realizada pela imprensa.

O resultado destes sete princípios, indicados por Morin (2011), é justamente a transdisciplinariedade, capaz de eliminar a distância entre diferentes conhecimentos e identificar pontos de intersecção entre eles. O pensamento complexo permite a compreensão de temas que, embora pareçam antagônicos, são complementares e interagentes. Ao valorizar o caminho e não o ponto de chegada, esta visão sistêmica aceita o imprevisível e a dúvida. Não busca respostas definitivas, percebe que o conhecimento é provisório.

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