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2 EDUCAÇÃO EM SAÚDE, ENVELHECIMENTO, OBESIDADE E

2.4 AS RELAÇÕES DE GÊNERO

A vida social é estruturada em conjuntos de relações que, em interface, ou articuladas dinamicamente, dão-lhe sentido ou ensejam ao analista entrever um sentido. Os mais determinantes desses sistemas de relações são as classes sociais, os gêneros, as idades/gerações e as raças/etnias. Cada conjunto desses constitui-se, então, numa dimensão básica da vida social, mas nenhum deles, analisado de forma isolada, dá conta da sua complexidade (MOTTA, 1999).

Para a compreensão das relações de homens e mulheres em uma sociedade, é importante observar não exatamente seus sexos, mas tudo o que socialmente se construiu sobre os sexos. Dessa forma, constitui-se o debate, por uma linguagem, na qual gênero será um conceito fundamental (LOURO, 1998).

De acordo com Rios e Gòmez (1991), entende-se por gênero o conjunto de características de personalidade, atitudes, sentimentos, valores, condutas e atividades que a sociedade imputa diferencialmente aos sexos.

Para Giffin (1995), o conceito de gênero expressa a rejeição do destino biológico anunciado no discurso sócio-científico dominante.

Ao considerar que as relações de gênero são hierárquicas e de poder dos homens sobre as mulheres, Faria e Nobre (1997)afirmam que as relações das pessoas com o mundo iniciam-se a partir dessas relações de poder e se reproduz no conjunto da sociedade e das instituições.

Na visão de Louro (1998), à medida que o conceito de gênero afirma o caráter social do feminino e do masculino, obriga aquelas/es que o empregam a levar em consideração as distintas sociedades e os distintos momentos históricos. Segundo a autora, as concepções de gênero podem diferir no interior de uma mesma sociedade, ao se considerar os grupos étnicos, religiosos, raciais e de classe que a constituem.

De acordo com Motta (1999), o tempo dos indivíduos é expresso mais perceptivelmente pela idade, mas é socialmente construído e institucionaliza-se, ou seja,

adquire-se significado mais diretamente social como grupos de idade - jovens, adultos, velhos - ou como legitimidades para realizar, ou não, tal ou qual ação social. Na opinião da autora, a trajetória de vida de homens e mulheres, como construção cultural e social, determina diferentes representações e atitudes em relação à condição de velho/a. Para ela, não há como fazer uma análise da condição social atual de velho/a sem o conhecimento sobre os diferenciais de gênero e de classe social que a constituiriam internamente e lhe dariam específicos sentidos.

As preocupações teóricas relativas ao gênero, como categoria de análise, só apareceram no final do século XX, estando ausentes na maior parte das teorias sociais formuladas desde o século XVIII. Algumas dessas teorias construíram a sua lógica sob analogias com a oposição masculino/feminino, outras reconheceram uma “questão feminina”, subjetiva, mas o gênero, como o meio de falar de sistema de relações sociais ou entre os sexos, não havia aparecido (SCOTT, 1991).

De acordo com Portella e Gouveia (1999), o pensamento feminista esteve sempre voltado para uma análise das relações de gênero em diferentes contextos e épocas, mas foi apenas na década de 80 que o termo “gênero” passou a ocupar um lugar de destaque, instituindo-se uma categoria importante para a análise das relações sociais.

Para Corrêa (1994), a utilização do gênero como uma categoria analítica destinada a fundamentar princípios e praxes de educação para a mudança social é muito recente e ocorre em uma fase de intensa reflexão e auto-revisão do movimento de mulheres. Segundo a autora, no Brasil, em 1975, quando as primeiras reações públicas à ditadura se fizeram visíveis, as manifestações estimuladas pela institucionalização do Ano Internacional da Mulher reuniram não apenas mulheres preocupadas com o tema, mas também ativistas liberais e de esquerda. Assim, o ressurgimento no cenário brasileiro das idéias relativas à igualdade de gênero esteve diretamente associado à luta pela democracia.

De acordo com Giffin (1995), apesar da imensa produção acadêmica, tanto nos estudos de gênero, quanto na teoria e epistemologia feministas, o seu reconhecimento é incipiente, mesmo em áreas afins e por autores importantes.

As potenciais mudanças no âmbito das relações de gênero estiveram e estão, de alguma forma, articuladas à possibilidade de desmontar, conceitualmente, noções essencialistas que em várias tradições justificam a desigualdade entre os seres humanos, (CORRÊA,1994).

“o argumento de que homens e mulheres são biologicamente distintos e que a relação entre ambos decorre dessa distinção, que é complementar e na qual cada um deve realizar um papel determinado secularmente, acaba por ter o caráter de argumento final, irrecorrível. Seja no âmbito do senso comum, seja revestido por uma linguagem científica, a distinção biológica, ou melhor, a distinção sexual, serve para compreender- e justificar - a desigualdade social.”

Para a autora, é fundamental contrapor-se a essa argumentação, demonstrando que não são propriamente as características sexuais, mas é a forma como estas são representadas ou valorizadas e o que se diz ou o que se pensa sobre elas que vão constituir, de maneira efetiva, o que é feminino ou masculino em uma dada sociedade e em um dado momento histórico.

Historicamente, na maioria das sociedades, os homens aparecem como responsáveis na esfera pública, ao passo que as mulheres se encarregam da reprodução, fundamentalmente na esfera privada. Nesse contexto, o termo reprodução refere-se não somente às funções biológicas da gravidez, do parto e da lactância, mas também, por extensão, às funções sociais de criação e socialização dos filhos e de manutenção da família em todas as suas necessidades: alimentação, cuidado da saúde, apoio afetivo, ordem e asseio do lar (RIOS & GÒMEZ, 1991).

Nas palavras de Louro (1998, p.21),

“ao dirigir o foco para o caráter “fundamentalmente social”, não há, contudo, a pretensão de negar que o gênero se constitui com ou sobre corpos sexuados, ou seja, não é negada a biologia, mas enfatizada, deliberadamente, a construção social e histórica produzida sobre as características biológicas.”

A autora acrescenta também que a pretensão é entender o gênero como constituinte da identidade dos sujeitos. Refere-se, portanto, a algo que transcende o mero desempenho de papéis sexuais, com a idéia de perceber o gênero fazendo parte, constituindo o sujeito.

No que se refere ao impacto das construções de gênero sobre a saúde da população, Rios e Gòmez (1991) advertem que acontece, em nível micro, mediante a internalização de paradigmas culturais de feminilidade e masculinidade que estimulem comportamentos e atitudes de risco diferencial para a integridade física e mental de homens e mulheres. Em nível macro, os fatores condicionantes de gênero atuam através da divisão sexual do trabalho, de diferentes instituições e da valorização diferencial atribuída a essas atividades em termos de prestígio e remuneração.

Segundo Giffin (1995), ao se identificar o corpo como âncora conceitual na definição histórica do gênero feminino, a repressão da sexualidade feminina representa o ponto nevrálgico do controle social mais amplo exercitado sobre as mulheres. Diante da constatação de que as mulheres desconhecem seus corpos, identifica-se um “sistema médico” detentor do saber legitimado e do poder sobre o corpo. A autora adverte que a falta de conhecimento implica em uma forma de controle com profundas conseqüências para a identidade e auto-estima femininas.

A prevalência de depressão é duas a três vezes maior entre as mulheres do que entre os homens e a desproteção prestacional geral e em saúde durante a velhice, que afeta a mulher em maior grau, também são destacados por Rios e Gòmez (1991) como efeitos diferenciadores dos fatores de gênero sobre a saúde. Enfatizam, ainda, a urgência em repensar as formas de intervenção dirigidas para a saúde da mulher, de modo a valorizar problemas que são “invisíveis” nas estatísticas sanitárias, como os casos de violência, além das intervenções voltadas ao fortalecimento da auto-estima, construção da identidade e controle do próprio corpo.

A seguir, buscamos uma aproximação entre os aspectos até o momento levantados, a fim de identificar relações existentes entre envelhecimento, obesidade e gênero.

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