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A escola, enquanto organização social encontra-se bombardeada por conflitos de interesses internos e externos. Ao mesmo tempo em que sofre as diversas intervenções, precisa responder a elas, sem se descuidar de sua função educativa. A própria função educativa da escola está cercada por uma pluralidade de concepções, valores e objetivos. Essa organização se configura como o lugar do encontro, da interação e inquietação onde as relações de poder se manifestam. No entanto, é em meio à gestão

58 que as relações de poder se acentuam e tonam-se mais evidentes, especialmente pelo caráter político que a cerca.

Ao apresentar uma imagem organizacional da escola como arena política, Costa (1998), aponta alguns aspectos que caracterizam a escola nessa perspectiva. A escola é vista como um sistema político em miniatura que funciona conforme as determinações das políticas macrossociais; ela é composta por uma multiplicidade de sujeitos ou grupos que possuem objetivos peculiares, poderes e influencias diversas que se apresentam nas diversas hierarquias que a compõe; a rotina escolar é construída por conflitos de interesses e lutas pelo poder, de forma que influenciarão suas atividades; as decisões da escola são pautadas nas relações de poder e capacidade de influenciar indivíduos e grupos, via processos de negociação. A escola, portanto, se configura como o espaço de encontro das diversidades de sujeitos, de interesses, das políticas (nos níveis micro e macrossocial), dos conflitos e estratégias.

O poder circula entre os indivíduos que compõem a organização escolar, mas não se encontra distribuído de forma igualitária: cada sujeito, mediante a função que desempenha, possui sua parcela de poder e interage de forma a consolida-lo, ou legitima-lo (mesmo que inconscientemente). A gestão democrática da escola é um espaço privilegiado, no qual os sujeitos poderão exercitar seu poder por intermédio da participação política. É a consolidação da democracia na escola, impulsionada pelo processo de democratização do nosso país, que permitirá, a nosso ver, a realização e ampliação deste exercício.

Sobre esse aspecto, Melo (2011, p.243) afirma que a democracia brasileira possui heranças do autoritarismo que se fez presente na história política desse país, afirmando seus limites. Consequentemente, as relações de poder pautadas na democracia e na construção da cidadania do povo brasileiro, dividem espaço com as políticas conservadoras impregnadas de autoritarismo que se fizeram presentes ao longo da história do Brasil. A autora enfatiza que a escola é um espaço de conflitos, onde convivem interesses diversos e defende que uma escola democrática deverá romper com as práticas autoritárias, construindo novas relações de trabalho e socializando o poder através da participação de todos os segmentos da comunidade escolar nas decisões. É imprescindível para a escola, problematizar sobre a forma como são compreendidas e vivenciadas as relações de poder no seu interior e de que forma elas influenciam o seu cotidiano.

59 Lima (2000) expressa a importância da redistribuição dos poderes no interior da escola, tendo em vista que as decisões sobre problemas educativos deverão se estabelecer como um poder “com” e não “sobre” os outros; e que através destes possam se construir coletivamente “regras e estruturas mais livres, justas e democráticas” a serem ali vivenciadas.

As relações de poder pautadas no autoritarismo menosprezam o poder de alguns de seus sujeitos, provocando a exclusão e disseminação das injustiças, desencadeando e fortalecendo os conflitos no interior da escola. Apesar de ser natural e inevitável numa organização, o conflito, nesse contexto, se apresenta como uma insurgência às práticas desenvolvidas pela organização. Conforme Costa (1998) o conflito também se faz presente na tomada de decisões e é algo vital ao funcionamento da organização, pois à medida que coloca os sujeitos em situação de disputa, também colabora com a interação desses sujeitos na discussão ou busca de estratégias que favoreçam as mudanças necessárias a organização escolar.

Considerando o debate apresentado, podemos afirmar que as relações de poder na organização escolar, se estabelecem em todos os campos que envolvem sujeitos, mas se consolida na democratização da gestão escolar, tendo em vista que esta tem como função mobilizar a coletividade em torno de ações tomadas conjuntamente, ou seja, em torno de novas concepções e formas de relações de poder e, nesta perspectiva, estas ações são “mais próximas” da realidade que se precisa trabalhar porque contam com a participação de todos os segmentos na identificação dos problemas a enfrentar, na tomada de decisões e na execução das ações empreendidas pela escola. Dessa forma, compreendemos que as violências, embora possam ser disseminadas pelas relações de poder autoritárias e desiguais, sua prevenção e enfrentamento na escola podem ser efetivadas, tendo em vista que a democratização da gestão mobiliza novas relações de poder. Estas se fazem presentes não no indivíduo, mas nas relações que os indivíduos estabelecem no cotidiano da organização. Seu enfrentamento e prevenção, portanto, podem e devem se dar no interior das organizações.

Esta concepção de gestão escolar efetivamente democrática deveria se materializar de forma que a escola pudesse contribuir com a redução da violência em seu interior, já que esta violência se configura como relação autoritária de uns sobre outros – antítese da democracia , o que repercutiria na formação de cidadãos solidários e mais conscientes de seu papel na sociedade, pois é através do exercício da cidadania que o sujeito se torna efetivamente um cidadão.

60 Assim, para responder nossa questão central a respeito das ações desenvolvidas pela gestão escolar numa perspectiva democrática, visando o combate e prevenção da violência na escola, tomamos como referência as relações de poder presentes na escola. Se compreendermos que a violência, segundo afirma César (2010) é uma manifestação da perda de legitimidade do poder e se são as relações de poder que mobilizam a ação por meio da participação, então a escola que atua sob o viés da democracia, deverá compreender que democracia e participação são indissociáveis. Devemos ainda entender que se é por meio de uma crise de legitimidade do poder que incide a violência (conforme explicitamos no capítulo 1), a reconfiguração das relações de poder no interior da escola serão fundamentais para a reflexão e ação sobre os problemas que assolam a escola, inclusive o das violências. Compreendemos que a redemocratização das relações de poder que se estabelecem na escola, contribuirão para a integralização de seus sujeitos e para o desenvolvimento de um sentimento de pertença e de compromisso com aquela organização.

Esta concepção permite à escola se integrar à comunidade a qual atende partilhando com ela a tarefa de educar suas crianças e adolescentes, fazendo com que estas não mais sejam vítimas do ambiente onde vivem, muito menos propagadores da violência que sofrem ou presenciam, mas que se tornem agentes transformadores da sua realidade e da sociedade na qual estão inseridos.

Para um aprofundamento da discussão sobre o poder e uma melhor compreensão dos aspectos que o cercam, tomamos o pensamento de Michel Foucault no decorrer do próximo tópico.