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As relativas livres em gramáticas descritivas

Na presente seção, evidencio o tratamento fornecido por alguns gramáticos descritivistas sobre as orações relativas sem antecedente. São eles: Said Ali (2001[1921]), Azeredo (2008), Matheus et al (1983), Neves (2011[1999]) e Castilho (2012).

Said Ali (2001[1921]), na obra “Gramática Histórica da Língua Portuguesa”, não dedica espaço para descrever a subordinação oracional, contudo, ao tratar do tópico que ele denomina “pronome relativo indefinido”, na seção reservada aos pronomes, considera que, em proposições como “quem espera sempre alcança”, o vocábulo quem, apesar de aparecer visivelmente destituído de antecedente, sugere a noção de “homem (ou mulher) que”.

Por esse motivo, o gramático afirma que nos sentimos inclinados a analisar a estrutura semanticamente correlata aquele que, em vez de a iniciada por quem. Para ele, isso consiste em um “método de conciliação forçada”, visto que estruturas semelhantes, como quem quer que, não podem ser analisadas utilizando-se desse mesmo expediente. O autor também considera “condenável” a classificação desse pronome como um “relativo condensado”, pois, historicamente, ele deriva do interrogativo quem (em orações interrogativas indiretas) e do indefinido quem.

Said Ali (2001[1921]) defende, portanto, que o pronome “relativo indefinido” gera orações de caráter substantivo, opondo-se à classificação de cláusulas do tipo “quem espera sempre alcança” como adjetivas ou relativas.

Assim como Said Ali, Azeredo (2008), na “Gramática Houaiss da Língua Portuguesa”, argumenta também favoravelmente à alocação de estruturas descritas como “relativas livres” no quadro das orações subordinadas substantivas.

Embora não apresente, no exemplar consultado, mais detalhes sobre as particularidades dessa estrutura, foi possível inferir, por meio da consulta realizada, que, para Azeredo (2008), esse tipo de cláusula seria introduzida pelo pronome indefinido quem e exerceria apenas as funções sintáticas de sujeito e objeto direto.

Posicionando-se de maneira distinta à visão dos gramáticos supracitados, Mateus et al (1983) e Neves (2011[1999]) preferem classificar estruturas desse tipo como um caso particular de orações relativas restritivas sem antecedente.

Em relação a Mateus et al (1983), na “Gramática da Língua Portuguesa”, as autoras consideram que as relativas restritivas sem antecedente (ou relativas livres) podem ser introduzidas pelos pronomes relativos que, quem, quanto e onde, os quais exibem uma função sintática no interior da oração a que pertencem. Da mesma sorte, as

próprias orações relativas livres são um constituinte da oração superior, com uma função sintática própria. No caso específico das encabeçadas pelo quem, ele (e as orações por ele iniciadas) pode ter função de sujeito, objeto direto e objeto indireto.

Além das propriedades sintáticas descritas, Mateus et al (1983) apresentam características semânticas exibidas por esse tipo de cláusula. Conforme as autoras, o pronome quem pode designar um conjunto singular que só pode ser definido contextualmente, como é o caso de “recebi quem tu recomendaste” ou “dei a quem

precisava mais” ou também representar uma variável universalmente quantificada, a

exemplo de “quem vai ao mar perde o lugar”. Apesar de apresentar aspectos sobre a semântica dessas estruturas, as autoras não esclarecem a que exatamente corresponderiam as noções “conjunto singular que só pode ser definido contextualmente” e “variável universalmente quantificada”.

Na “Gramática de Usos do Português”, Neves (2011[1999]) sustenta que, em “quem dá aos pobres empresta a Deus”, a cláusula destacada em negrito corresponde a um tipo de oração relativa, isto é, uma cláusula de função adnominal, contudo dotada de uma particularidade: ser introduzida por um tipo de pronome relativo não-fórico, ou seja, que não retoma um antecedente. Desse modo, a autora, assim como gramáticos de orientação normativa, Rocha Lima (2001[1972]) e Almeida (2009[1943]), por exemplo, demonstra ser favorável ao desdobramento do pronome quem em aquele que.

Castilho (2012), em sua “Gramática do Português Brasileiro”, embora apresente orações desse tipo numa seção rotulada “a adjetiva livre”, parece ser o único que não se compromete quanto à classificação categórica dessas estruturas no âmbito das orações subordinadas relativas ou substantivas.

Primeiramente, o autor considera que estruturas como “quem foi a Portugal perdeu o lugar” e “já se apresentou ao emprego quem você recomendou” são um problema para os estudiosos, posto que o antecedente em que a estrutura se encaixa não aparece expresso, logo, não poderíamos tratá-las como uma oração adjetiva ou relativa. A seguir, o autor apresenta, com base em outros autores, algumas possibilidades de análise para elas.

Castilho (2012) pontua que Luft (1974 apud CASTILHO, 2012) coloca estruturas desse tipo no âmbito das substantivas, em virtude de exercerem funções sintáticas próprias dos substantivos, contudo, denomina-as por "substantiva de adjunto adnominal". Nesse caso, Castilho (2012) argumenta que o quem funcionaria como uma conjunção integrante e as substantivas poderiam funcionar também como um adjunto.

Outros autores, segundo CASTILHO (2012), cogitam, assim como Rocha Lima (2001[1972]), Almeida (2009[1943]), Mateus et al (1983) e Neves (2011[1999]), a possibilidade de o quem ter por antecedente uma expressão omitida de traço /humano/, parafraseável por [aquele Ø]. Nesse caso, elas poderiam ser vistas como uma adjetiva, pois o quem seria desdobrado em aquele que. O problema dessa perspectiva apontado por Castilho (2012) é que ela não pressupõe a análise da estrutura como é, mas, sim, de uma paráfrase.

O pronome quem, por fim, organizaria uma oração adjetiva apenas quando preposicionado; nesse caso, ele poderia funcionar como argumento interno do verbo ("só trato de negócios com quem me respeita") ou do substantivo da cláusula adjetiva por ele encabeçada ("vivia colado no profeta, de quem se tornaria seguidor").

A partir dos três diferentes pontos de vista elencados, Castilho (2012) argumenta que essas estruturas podem estar situadas em um continuum entre o encaixamento no Sintagma Verbal (doravante, SV) e no SN, pois: “se a conjunção integrante derivou do pronome relativo, essas estruturas poderiam estar situadas no ponto de passagem do pronome relativo para a conjunção integrante” (CASTILHO, 2012, p. 370). Apesar desse posicionamento, o autor não aprofunda a ideia do continuum categorial que defende.