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2 GESTÃO EDUCACIONAL PÚBLICA: DESCENTRALIZAÇÃO DA GESTÃO E

2.2 A nova gestão pública e a gestão educacional: apontamentos para discussão

2.2.1 As repercussões da nova gestão pública no campo educacional

A nova gestão pública ganhou maior reconhecimento no final do século passado, ao utilizar como veículos as críticas feitas ao burocratismo e à ineficiência do Estado de Bem- Estar social. Essas queixas impulsionaram sua argumentação a favor da implantação do gerencialismo no setor público, que, naquele momento, final dos anos de 1970 e início de 1980, estava acossado pela crise fiscal do Estado, o que incentivou a aceitação do ideário recessivo neoliberal e da globalização mercantil do capital.

A crise fiscal do Estado e a reestruturação produtiva que acarreta a reorganização das dinânmicas de trabalho no capitalismo impulsionaram a busca por medidas de gestão em uma diretriz de eficiência e eficácia dos processos gestores na administração pública. Nesse sentido, passa-se a utilizar orientações orgânicas já estabelecidas pelo setor empresarial/privado. Essa direção serve de alicerce para o campo da gestão educacional, notadamente, com base nas diretrizes políticas dos organismos multilaterais mundiais na área da educação, planos que são encaminhados para os países da América Latina.

Para justificar a necessidade de adoção de novas estratégias gerenciais, funda-se a perspectiva de superação de paradigmas antigos de gestão centralizadora, adotando uma concepção de modernidade. Desse modo, segundo Castro (2008, p. 391),

A gestão gerencial caracteriza-se pela busca da eficiência, pela redução e pelo controle dos gastos públicos, pela demanda de melhor qualidade dos serviços públicos, pelos modelos de avaliação de desempenho, por suas novas formas de controlar o orçamento e os serviços públicos e pela descentralização administrativa, que dá maior autonomia às agências e aos departamentos.

É nessa perspectiva da relação indivíduo/cliente, que a gestão gerencial se alicerça, tendo seu foco baseado na transferência de maior autonomia e responsabilidade para o cidadão administrador. Esse modelo de gestão passa a ser orientado para o alcance de resultados exitosos, configurando-se em uma forma de o setor público atingir os resultados que foram previamente definidos no planejamento, processo gerencial que favorece a máquina pública e melhora as ações estratégicas do Estado. Essa nova gestão pública se contrapõe à administração pública burocrática por via do planejamento, da organização e da concretização de novos modos de gerir a máquina pública, como também concebe novas formas de governar, interferindo diretamente nos objetivos que regem as ações públicas estatais.

No intento de compreendermos melhor a dinâmica de implantação dessa nova gerência pública, citamos Castro (2008, p. 391-392), que apresenta as principais características da reforma gerencial, dentre as quais podemos destacar:

a) a descentralização/desconcentração das atividades centrais para as unidades subnacionais; b) a separação dos órgãos formuladores e executores de políticas públicas; c) o controle gerencial das agências autônomas, que passa a ser realizado levando em consideração quatro tipos de controles, quais sejam: controle dos resultados, a partir de indicadores de desempenhos estabelecidos nos contratos de gestão, controle contábil de custos, controle por quase-mercados ou competição administrada, e controle social; d) a distinção de dois tipos de unidades descentralizadas ou desconcentradas (as agências que realizam atividades exclusivas do Estado e os serviços sociais e científicos de caráter competitivo); e) a terceirização dos serviços e f) o fortalecimento da alta burocracia.

A modernização da gestão gerencial, com base nas características citadas, se introduz nas políticas educacionais como processo de reforma desencadeado no continente latino- americano, com vistas a modificar o setor público e a construir consensos regionais que

pudessem consubstanciar-se em um projeto de educação para a região, tomando por base os moldes do Projeto Principal de Educação (PPE) e o Programa Educação para Todos (EPT). Nesse sentido, Cabral Neto e Rodriguez (2007, p. 24) afirmam: “As reformas educativas, acompanhadas de investimentos e tendo como centralidade a reestruturação dos currículos e da gestão, são por excelência, a defesa assumida pela UNESCO e outras agências internacionais”. Nesse momento, a reforma gerencial propõe melhorar a qualidade da educação pública oferecida aos mais pobres, atendendo as demandas impostas pelo capital na lógica dos princípios emergentes de equidade e democratização social.

Essas orientações educativas para América Latina repercutem diretamente nas escolas públicas brasileiras, principalmente na forma de conceber a sua gestão, conforme apontam Cabral Neto e Rodriguez (2007, p. 24):

A segunda dimensão relativa ao terceiro objetivo do PPE está relacionada com as reformas e, particularmente, com as mudanças no modelo de gestão. A proposição consistia em abandonar o modelo tradicional de gestão do Estado (centralizador e burocrático) e adotar um novo estilo assentado na abertura do sistema, no estabelecimento de novas alianças, nos processos de descentralização e na ênfase na qualidade e na equidade da educação. Sustenta-se a necessidade de se gerar um novo papel do Estado em relação à educação. Trata-se de, por meio da gestão, desenvolver novas formas de regulamentação e regulação da atividade educacional.

As estratégias gerenciais a serem implementadas na educação pública, referidas por Cabral Neto e Rodriguez (2007), incluíram, de modo geral, as ideias de empoderamento, responsabilização e descentralização, distribuindo tarefas e delegando poder de decisão a níveis inferiores da escala organizacional. No Brasil, desde a última década do século XX, quando se iniciou o processo de reforma do aparelho do Estado, a gestão baseou-se nos resultados e nos indicadores de desempenho, fatores que foram determinantes para o processo de modernização.

O setor público adotou o modelo de gestão descentralizada, tendo como seus representantes usuários/clientes que desenvolviam as atividades sob orientação das referências dos organismos internacionais. O novo modelo de gestão disseminou-se nos princípios de organização baseados na gestão de estratégia e no controle da qualidade, bem como na perspectiva da contenção de gastos, na eficiência e na eficácia.

Thereza Lobo (1990, p. 6) aponta que a descentralização envolve

Necessariamente alterações nos núcleos de poder, que levam a uma maior distribuição do poder decisório até então centralizado em poucas mãos. Esta

é a razão por que fica mais cômodo e tranquilo para o governo assentado em bases centralistas privilegiar a desconcentração e rotulá-la de descentralização.

Todavia, esse modelo baseia-se na transferência de responsabilidades e atribuições aos entes federados, delegando atividades a serem desenvolvidas no ambiente escolar. Existe uma cooperação mútua na prestação de determinados serviços entre sociedade civil e Estado, sobretudo pelo fato de algumas responsabilidades terem sido transferidas sem recursos orçamentários, pedagógicos e humanos que permitissem criar escolas efetivamente autônomas.

O sucesso escolar é dimensionado na concepção de modernização da gestão gerencial como uma estratégia das reformas educacionais, baseado no princípio dos resultados e indicadores de desempenho. Esse princípio de gestão tem se propagado no setor público, assumindo uma feição descentralizada e envolvendo a participação dos sujeitos (usuários/clientes) em um processo que favorece uma proposta de gestão no campo educacional.

Os organismos internacionais servem de base para orientar o novo modelo de gestão educacional. Dentre eles, a CEPAL apresentou um documento, em 1990, intitulado Transformación productiva con equidade, que centraliza a educação como o caminho para almejar avanços técnicos e adentrar em um mundo globalizado e em desenvolvimento. O documento apresentado pela CEPAL foi alvo de discussão na Conferência de Jontien, que ocorreu na Tailândia, em 1990, resultando nos Planos Decenais de educação. Os Planos direcionavam a modernização da gestão no ambiente escolar em prol dos seus objetivos, posto que nas instituições de ensino se estabelecia um novo padrão organizacional, advindo da gestão gerencial, que buscava otimizar

[...] formas descentralizadas de execução e avaliação por critérios de eficácia e eficiência, são criadas para o exercício de controle mais direto sobre os conteúdos curriculares e sobre a avaliação de resultados. O controle vem expresso na tentativa de homogeneização de conteúdos escolares (PCN) e na Política Nacional de Avaliação desenvolvida pelo Estado. A saber: SAEB, ENEM, Exame Nacional de Cursos, CAPES. O modelo de avaliação estandardizada traz como diretriz mestra o controle de objetivos previamente definidos; os produtos ou resultados educacionais compatíveis com a proposta das reformas e com as ideologias mentoras destas.

O processo de modernização pautado na gestão gerencial da educação admite a participação dos agentes envolvidos nos processos educacionais, os quais são

responsabilizados pelos resultados alcançados em cada instituição de ensino. É nesse sentido que a descentralização se torna uma aliada desse mecanismo de gestão, possibilitando a essa nova estratégia a participação dos agentes educativos (que deveriam assumir a responsabilidade pelos resultados), a concentração dos recursos nos setores mais necessitados da população e o desenvolvimento da responsabilidade e criatividade dos docentes. A descentralização é apontada como uma estratégia capaz de possibilitar o envolvimento dos potenciais atores educacionais na consecução dos objetivos educacionais.

O funcionamento do modelo gerencial também carrega consigo, mesmo com um significado diverso, termos da concepção de gestão democrático-participativa, a exemplo de: participação, autonomia e descentralização. Entretanto, quando utilizados na diretriz neoliberal, são mecanismos que buscam, exclusivamente, o processo de racionalização dos recursos públicos na lógica da performatividade gerencial, sem representar uma transferência de poder real de deliberação ao coletivo social de indivíduos situados na escola pública.

Desse modo, a diretriz gerencial/neoliberal induz ao esvaziamento político no que se refere à gestão democrático-participativa na escola pública, notadamente, pelo fato de essa última concepção demandar que ocorra uma participação irrestrita dos atores sociais coletivos que atuam na escola pública, não podendo nesta ocorrer tutelada autoritária do Estado nas condições de exercer o poder de decisão e na forma de gerir, conforme demanda a diretriz gerencial. Na diretriz democrático-participativa, a tomada de decisões é autônoma e coletiva, baseada em uma lógica de funcionamento à luz dos princípios da gestão democrática, apregoados pelos movimentos populares, conforme observaremos no item a seguir.