• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 2: Linguagem, Representações e Práticas Discursivas

2.2 As Representações

Sendo o objetivo desta pesquisa a investigação das representações de uma aluna sobre o processo de ensino-aprendizagem e sobre si mesma em tal processo, apresento a discussão acerca das representações, que tem sido alvo de discussão com enfoques teóricos diferentes.

De acordo com Moscovici (1994), o conceito de representação social nasceu a partir do conceito de representação social ou coletiva, presente na sociologia e na antropologia. O autor atribui o feito a Durkheim e Lévi-Bruhl. Para ele, o conceito foi, nessas duas ciências, “o elemento decisivo para a elaboração de uma teoria da religião, da magia e do pensamento mítico”, desempenhando

“um papel análogo na teoria da linguagem de Saussure, nas representações infantis de Piaget (...) e no desenvolvimento cultural de Vygotsky. E de certo modo, este conceito continua presente nesse tipo de teorias.” (Moscovici 1994:9)

expressados. O autor observa também que caberia à Psicologia Social consistir e formular tal teoria.

Segundo Jovchelovitch (1995) foi assim que Moscovici se apropriou do termo e do conceito de representação coletiva criado na Sociologia e na Antropologia, utilizando-o em uma perspectiva da psicologia social apresentando, na França, em 1961, a Teoria das Representações Sociais, em um trabalho sobre psicanálise.

Moscovici (1961:66) conceitua as representações sociais como “um universo de opiniões próprias para uma cultura, uma classe social ou um grupo, relativas aos objetos do ambiente social”.

Minayo (1995:89), acerca das Representações Sociais, afirma:

“...é um termo filosófico que significa a reprodução de uma percepção retida na lembrança ou no conteúdo do pensamento. (...) Enquanto material de estudo, essas percepções são consideradas consensualmente importantes, atravessando a história e as mais diferentes correntes do pensamento sobre o social.”

Reforçando a visão de Durkheim quanto ao dinamismo e a volatilidade das representações sociais, Moscovici (1984:10) sugere que elas devam ser vistas não como um conceito, mas como um fenômeno. Para o autor, as representações

“...são entidades sociais, com vida própria que se comunicam entre si, se opõem umas às outras e se transformam, em harmonia, com o curso da vida, desaparecem somente para ressurgir sob novos aspectos, estando radicadas nas reuniões públicas, nos cafés, nas ruas, nos meios de comunicação, nas instituições sociais e, assim por diante. Este é o espaço em que elas se incubam, se cristalizam e são transmitidas.”

Jovchelovitch (2000:40) explica que é no encontro público de atores sociais, nas várias mediações da vida pública, nos espaços em que sujeitos sociais se reúnem para falar e assim dar sentido ao cotidiano, que as representações sociais são formadas.

“Enquanto fenômeno elas expressam, em sua estrutura interna, permanência e diversidade, tanto a história como a realidade atuais. Elas contêm em si

tanto resistência à mudança como sementes de mudança. A resistência à mudança se expressa pelo peso da história e pela tradição.” (Jovchelovitch 2000:40)

Segundo Jovchelovitch (2000:41), as sementes de mudança são encontradas no meio essencial das representações sociais, ou seja, as conversações, sendo a fala “o produto de um processo contínuo de diálogo, conflito e confrontação entre o novo e o velho, de idéias que se formam precisamente enquanto são faladas”. Nesse sentido, explica a autora, “as representações sociais permanecem em constante mudança” (idem).

Na explicação de Jovchelovitch (2000), as representações sociais fazem parte da busca do ser humano em dar sentido ao mundo, oferecendo uma possibilidade de autonomia:

“Representam o espaço do sujeito social, lutando para dar sentido, interpretar e construir o mundo em que ele se encontra. Oferecem a possibilidade da autonomia, daquilo que ainda não existe, mas poderia existir. Elas são, neste sentido, uma relação com o ausente e um meio de evocar o possível.” (p.45)

Nesse sentido, Jovchelovitch (1995) discute a necessidade de recuperar a relação do indivíduo com a sociedade e entender como se dá esta relação. Segundo a autora, esta necessidade se impõe a fim de que se tente evitar ficar “no indivíduo fechado no âmbito de um Eu abstraído do mundo que o constitui” e nem tratar a “sociedade e a história como abstração”. (p.63)

No campo da Lingüística Aplicada, a preocupação com aspectos sociais e históricos, aparece no conceito de representações concebido por Celani e Magalhães (2002). As autoras revisitam a noção de representações, apresentando a seguinte definição:

“(...) cadeia de significações, construída nas constantes negociações entre os participantes da interação e as significações, as expectativas, as intenções, os valores e as crenças referentes a: a) teorias do mundo físico; b) normas, valores e símbolos do mundo social; c) expectativas do agente sobre si

Segundo Freire e Lessa (2003:170) tal conceituação

“procura contemplar os contextos social, histórico e cultural dos quais emerge, sem negligenciar questões políticas, ideológicas e teóricas. O entendimento de uma representação implica, portanto, o entendimento de toda a intrincada conjuntura que lhe serve de origem e lhe dá sustentação. O conceito inclui crenças, mas não delimita ou explicita o significado do termo” .

Mais adiante, continuam as autoras: “as representações revelam um profundo vínculo sócio-histórico, relacionando-se a temas de natureza cultural, política e ideológica” (idem).

Portanto, entendo que o conceito de representação, conforme apresentado por Celani e Magalhães (2002) e discutido por Freire e Lessa (2003), contempla a questão social, sendo um ponto de partida, uma base de orientação para outras tantas ações, servindo, portanto, como um instrumento de mediação.

Segundo Medrado (1998:2), uma das melhores definições do conceito de representação é apresentado por Jodelet (1984:174), como:

“sistemas de referência que permitem identificar a nossa realidade e inclusive dar um sentido ao ‘inesperado’, categorias que servem para classificar as circunstâncias, os fenômenos e os indivíduos, com os quais mantemos relação.”

Mas é Marková (2006:12) quem afirma que a teoria de Moscovici sobre Representações Sociais pode

“...fornecer a força conceitual no elo entre a dialogicidade e o pensamento. A teoria das representações sociais concebe o pensamento e a linguagem exatamente como são usados no senso comum e nos discursos diários. Em contraste ao pensamento científico que tenta se aproximar do conhecimento

científico, o pensamento do senso comum traduz as representações sociais

dos fenômenos naturais e sociais. A ciência busca a verdade através do poder da racionalidade individual. As representações sociais buscam a verdade através da confiança baseada em crenças, no conhecimento comum e através do poder da racionalidade dialógica. As representações sociais não surgem do raciocínio absoluto ou do processamento de

informações. Elas estão enraizadas no passado, na cultura, nas tradições e na linguagem.”

Acredito, neste momento ser pertinente trazer a visão de Spink (1993:39): “É necessário entender, sempre, como o pensamento individual se enraíza no social e como um e outro se modificam mutuamente”.

Concebendo, portanto que “o pensamento individual se enraíza no social” Spink (1993:39) e que conforme Marková (2006:12), as representações sociais “estão enraizadas no passado, na cultura, nas tradições e na linguagem”, acredito ser necessário investigá-las, a fim de que se possa compreender a dinâmica da produção de sentidos.

A questão da linguagem como mediadora nas representações também é presente no conceito de Freire e Lessa (2003: 174) que consideram:

“representações como maneiras socialmente construídas de perceber, configurar, negociar, significar, compartilhar e/ou redimensionar fenômenos, mediadas pela linguagem e veiculadas por escolhas lexicais e/ou simbólicas expressivas que dão margem ao reconhecimento de um repertório que identifica o indivíduo e sua relação sócio-histórica com o meio, com os outros e consigo mesmo”.

Com base no referencial teórico aqui apresentado, este conceito último citado, reconhece a importância da linguagem como mediadora e veiculadora de repertórios e representações. Além disso, corrobora a natureza polissêmica da linguagem, o que, de acordo com Spink e Medrado (2004:48) “possibilita às pessoas transitar por inúmeros contextos e vivenciar variadas situações”. Embora este trabalho reconheça e valide os repertórios, o objetivo maior é a compreensão acerca dos sentidos que são produzidos nas representações.

Sendo assim, este trabalho assume neste momento o conceito de Representação Social de Moscovici (1984:181): “conjunto de conceitos, proposições e explicações, criado na vida cotidiana no decurso da comunicação interindividual”. Na visão de Jodelet (1984:174):

“sistemas de referência que nos permitam interpretar a nossa realidade e inclusive dar um sentido ao ‘inesperado’, categorias que servem para classificar as circunstâncias, os fenômenos e os indivíduos com os quais mantemos relação”.

Para uma melhor compreensão acerca dos sentidos produzidos, associo a tal teoria, a abordagem teórico-metodolológica “de estudo da produção de sentidos a partir das práticas discursivas”. (Spink e Frezza 2004:38), sobre a qual passo a discorrer.

Documentos relacionados