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As resistências ao neoliberalismo na história

A data que marca a resistência internacional ao neoliberalismo é apontada, por Seoane e Taddei (2001), como o dia 27 de julho de 1996,

28 No Brasil, diversas emendas constitucionais e projetos de leis foram realizados no governo FHC, a fim de garantir a abertura comercial aos mercados internacionais e a privatização (Cf. o Decreto No 1.481 de maio de 1995 e a Lei No 9.295).

quando aconteceu a abertura do Primeiro Encontro Intercontinental pela Humanidade contra o Neoliberalismo, realizado em Chiapas no México. Dois anos antes, cerca de 4.500 combatentes, predominante- mente de mestiços, do Exército Zapatista de Libertação Nacional ocupa- ram sete municípios do estado de Chiapas, no México. Os manifestantes reivindicavam direitos fundamentais como trabalho, terra, moradia, ali- mentação, saúde e educação. Defendiam também o respeito e autonomia aos povos autóctones e a garantia de eleições democráticas. O levante ocorre durante o lançamento Tratado de Livre Comércio da América do Norte (Nafta), que integraria as economias dos EUA, Canadá e México. Chiapas, no sul do México, sofreu profundas consequências com a implantação da política liberal:

Seguindo a receita do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, a produção agrícola foi substituída pela agro- exportação e pelas pastagens, beneficiando a agroindústria, os consumidores estrangeiros e os setores afluentes do país, enquanto a desnutrição veio a se tornar um dos principais pro- blemas de saúde, o emprego agrícola declinou, as terras produti- vas foram abandonadas e o México passou a importar enormes quantidades de alimentos (CHOMSKY, 2002, p. 133). Diante do quadro de pobreza e opressão os zapatistas decidiram lutar, por isso, foram bombardeados pelo governo mexicano, o que pro- vocou uma onda de protestos mundiais, com o surgimento de uma rede internacional de apoio à luta dos indígenas. Após quase duas semanas de ataques, o governo decidiu, sob forte pressão internacional, recuar no uso da na violência e começar o processo de negociação.

Segundo Ortiz (2006, p. 43), no dia 12 de janeiro, cerca de 150 mil pessoas participaram de uma passeata nas ruas centrais da Cidade do México em protesto às ações do governo, o qual teve que declarar cessar- -fogo unilateral.

A luta dos zapatistas chamou a atenção dos movimentos sociais em todo o mundo. Assim, em 1996, cerca de 3.000 participantes de 42 países

participam do Primeiro Encontro Intercontinental pela Humanidade con- tra o Neoliberalismo na Selva Lacandona, onde se encontravam as comu- nidades indígenas zapatistas, promotoras do evento.

No segundo Encontro Intergaláctico, realizado em 1997, dessa vez em Barcelona, na Espanha, é produzido o Manifesto da Ação Global dos Povos (AGP), no qual se propõe a construção de um espaço político internacional de encontro entre vários movimentos sociais com o objetivo de lutar contra a “destruição da humanidade e do planeta, a exploração e alienação do homem pelo sistema de produção (e consumo) de mercado- rias”. A juventude tem sido atraída por esses eventos com caráter heterogê- neo e suprapartidário, conforme aponta Sousa (2004a, p. 456):

São jovens que atendem ao chamado de grupos de ação direta; grupos independentes ligados a entidades estudantis; coleti- vos anarquistas, socialistas, marxistas que acreditam numa sociedade sem classes, mas num socialismo não ditatorial, autonomista de várias tendências; estudantes geralmente não vinculados a siglas partidárias. Ambientalistas, sindicalistas, religiosos progressistas, cada qual com seu motivo de protesto; ecologistas radicais que aderem em grupo ou individualmente à ação direta como simpatizantes de causas específicas e que não pretendem se identificar com nenhuma tendência política, mas estão presentes em manifestações coletivas de caráter ideológico contra a ordem social.

O encontro ocorre anualmente e concentra um grande número de pessoas que utilizam a mídia e as novas ferramentas digitais na propagação e veiculação da luta contra o neoliberalismo e contra o capitalismo. Nas palavras de Sousa (2004a, p. 458):

Os jovens desses movimentos utilizam recursos da indústria cultural e tecnológica para articularem uma rede movimen- talista. Comunicam-se e coordenam-se, via Internet, con- solidando laços, conhecimentos entre si e recrutando novos adeptos. As listas de discussão dimensionam a informação, a

organização, o esclarecimento das ações e, principalmente, o debate dos diferentes pontos entre os membros da rede. Bringel e Muñoz (2010) reafirmam o caráter heterogêneo dos movimentos antineoliberais, os quais congregam perspectivas políticas as mais variadas, porém, identificam duas possíveis linhas de atuação: refor- mista e revolucionária. Na primeira, o caráter propositivo se evidencia de forma mais clara com a participação de ONGs e movimentos sociais, cujo evento ápice é o Fórum Social Mundial. Na segunda linha de ação, predo- mina a participação de movimentos de base, e o grande momento de luta é na Ação Global dos Povos, conforme asseveram Bringel e Muñoz:

Obviamente, não está divorciado de um marco propositivo, mas está mais centrado no protesto e pode ser considerado mais rupturista, ao se posicionar abertamente contra o capita- lismo e com uma atitude de enfrentamento diante das estrutu- ras de poder dominantes (BRINGEL; MUÑOZ, 2010, p. 31). Esses acontecimentos históricos alavancaram o movimento e impulsionaram outras marchas, encontros e simpósios. Dentre esses, desta- cam-se os protestos de Seatle e o Fórum Social Mundial, em Porto Alegre. Em 30 de novembro de 1999, uma multidão de mais de 40.000 pessoas protestou contra a Organização Mundial do Comércio (OMC), na cidade de Seattle, no Estado de Washington. Ativistas ligados a dis- tintas áreas da sociedade lutavam contra a mercatilização da vida, contra a globalização econômica e contra o neoliberalismo e suas perversas con- sequências. O movimento não apenas paralisou a reunião da cúpula da OMC como marcou a irrupção midiática do movimento antiglobalização, segundo Bringel e Muñoz (2010).

A partir desses acontecimentos, os movimentos sociais amplia- ram suas estratégias de organização das lutas. O campo da comunicação, sobretudo por meio das novas tecnologias, se transformou em uma arena de debates e mobilização dos ativistas. A ampliação das redes sociais cola- borativas e de solidariedade internacional redesenhou a maneira de fazer política e intensificou o movimento por “um outro mundo”.

Bringel e Muñoz entendem o movimento antiglobalização em uma perspectiva ampla que congrega redes e movimentos sociais diversos (ambientalistas, feministas, sindicais, de defesa dos direitos humanos, entre outros). Apesar da heterogeneidade, há convergência na luta contra o sis- tema político neoliberal, a partir da construção de “identidades coletivas multirreferenciais que superam o Estado-nação e uma luta comum contra a globalização neoliberal, a quem responsabilizam as múltiplas problemáticas contra as que se mobilizam” (BRINGEL; MUÑOZ, 2010, p. 29).

É importante ressaltar que nem todos os movimentos visam à dis- solução do capitalismo, há outras reivindicações na pauta desses agrupa- mentos, que remontam a relações pré-capitalistas “tais como as castas, as etnias, as estruturas patriarcais” (HOURTART, 2001, p. 96). Entretanto, há um sentimento de frustração com o mundo contemporâneo, com as desigualdades e com todo sofrimento associado, é preciso construir um

outro mundo, uma outra globalização.

No Brasil, de 25 a 30 de janeiro de 2001, realizou-se o I Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, com o lema: “um outro mundo é pos- sível”. O evento congregou mais de 20 mil pessoas que procuravam se contrapor ao Fórum Econômico Mundial realizado, todos os anos, em Davos, na Suíça.

Aquele momento, ao lado dos eventos assinalados, marcava a his- tória da resistência ao neoliberalismo no país e no mundo e na construção de uma utopia internacional. “A tomada do poder? Não, apenas algo mais difícil: um mundo novo”, nas palavras do líder zapatista, Subcomandante Insurgente Marcos (apud CECEÑA, 2001, p. 191).

Em 2010, época da escrita deste trabalho, o evento foi descentrali- zado em cerca de 27 outros ao redor do mundo. Nesse mesmo ano, ocorreu na capital gaúcha e, em outros municípios do Rio Grande do Sul: Canoas, Campo Bom, Novo Hamburgo, São Leopoldo, Sapiranga e Sapucaia do Sul, um balanço geral das atividades dos movimentos contrários ao

neoliberalismo e à mundialização29, intitulado: “Fórum Social 10 Anos:

Grande Porto Alegre”.

Apesar de todo o panorama de luta e resistência ao sistema neo- liberal, do qual apontei apenas um fragmento, tem se colocado de forma reacionária a esses acontecimentos. A literatura acadêmica30 tem apontado

um processo de silenciamento ou de “satanização” dos movimentos sociais por grande parte do jornalismo brasileiro.

Embora exista essa posição, as ideias antineoliberais circulam em todos os campos, possibilitando uma série de retomadas e contradiscursos. Desse modo, serão utilizadas pelos chargistas, ainda que de forma indi- reta, como elementos para a construção da crítica e da ironia no discurso humorístico.