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3. CAMINHANDO É QUE SE FAZ CAMINHO: A INTERVENÇÃO

3.9. As rodas de leitura: Família e escola compartilhando leituras

Nesta etapa, os alunos já haviam lido os livros e os mostraram aos pais, fizeram leituras com eles, leram para eles, visto que muitos não sabem ler, enfim, partilharam suas experiências de leitura. Então, já finalizando as atividades do projeto, organizamos um encontro em que os pais foram convidados a comparecer às aulas nos momentos de rodas de leitura, quando puderam participar das discussões, como forma de valorização da oralidade do aluno e de suas famílias dentro da escola.

Naquela oportunidade, os alunos já estavam bem mais familiarizados com a leitura da obra e bem mais à vontade em ofertar uma leitura em voz alta, tanto para os colegas e professor, quanto para os pais, e convidados da escola, então três alunos se ofereceram para ler um texto escrito por eles sobre a leitura do livro que fizeram:

Fotografia: Família e escola compartilhando leituras

Fonte: Rita de Cássia Rocha Bastos Gomes, 2018.

Em seu texto F., fala do amor de mãe, cita que a personagem não gostava do irmão e dá a entender que é por causa da cor “ … [...] nem todo mundo gostava de gente negro”. Ela ainda argumenta, apelando para o maravilhoso, que “[...] todo mundo foi feito por Deus pai”, então não há porque ter racismo. Entendo que F. conseguiu construir significados com a leitura e principalmente percebeu como as relações étnicas perpassam o texto.

Com relação ao relato de I., escrito e lido para o grupo, mostra que a menina conseguiu fazer uma leitura bem aprofundada da narrativa. Em suas palavras percebo como ela se posiciona ao contar seus sentimentos diante da leitura, demonstrando estar a caminho para o amadurecimento leitor. Ela não só relata, como se posiciona, fala dos seus sentimentos. O seu texto traz inclusive, opinião sobre a qualidade literária da narrativa “ [...] achei um livro super legal e interessante”, fala sua sobre sua característica emocionante “ [...] em muitas partes eu chorei”. Fala sobre o preconceito sofrido pela narrador-personagem “ [...] doeu um pouco saber que ela sofreu preconceito”, fala sobre a problemática pela qual passa a personagem, que adulta e já formada professora é rejeitada por uma aluna por causa de sua cor. Seu texto versa também sobre em como “ Não foi muito difícil” ler o livro, e novamente diz que se emocionou, demonstra seu posicionamento contrário quando fala do preconceito , mas confirma que nunca se deve desistir dos sonhos, já que , a personagem do livro não desistiu, apesar de ter passado por “ um preconceito enorme”. O texto de I demonstra a maturidade e percebo que já está a caminho para se instituir leitora proficiente.

Fotografia: Família e escola compartilhando leituras

Fonte: Rita de Cássia Rocha Bastos Gomes, 2018.

Ao ouvir a leitura que J.H produziu sobre o livro - trechos abaixo - vi que ele acessou de forma bem aprofundada a narrativa. Ele também demonstra seus sentimentos diante dos enfrentamos realizadas pela personagem principal:

- “ Eu me senti feliz [...]” e ainda:

- “ Eu não achei difícil pois é um livro que dá prazer em ler [...]. ” O jovem também traz para o seu texto as temáticas da luta da mulher contra o preconceito e pelos direitos da mulher negra. Ele diz:

- [...] pois algo assim, demora muito para nós vermos, e que sabemos que os direitos das mulheres negras estão sendo conquistados pouco a pouco.

A escrita de J.H dá a perceber que ele conseguiu arregimentar o seu conhecimento de mundo, já bastante amplo, para construir significados para sua leitura. Entendo que atividades de leitura que problematizem o mundo são essenciais para que J.H e todo leitor iniciante possam melhorar sua performance leitora e se tornar autônomos.

Fotografia: Família e escola compartilhando leituras

Muitas vezes esta modalidade de leitura a práticas controladoras, ligadas geralmente à avaliação, que tem como parâmetros uma utilização autoritária, coercitiva e normativa do ato de ler. Não é sob este viés que trouxemos aqui neste trabalho a leitura em voz alta, mas como expressão de afetividade, respeito e compartilhamento. Cosson (2018, p.104) defende que

Ler para o outro nunca é apenas oralizar um texto. Ledor e ouvinte dividem mais que a reprodução sonora do escrito, eles compartilham um interesse pelo mesmo texto, uma interpretação construída e conduzida pela voz, além de outras influências recíprocas que, mesmo não percorrendo os caminhos sugeridos pela ficção, são relações importantes de interação social.

É oferecendo e ouvindo leituras que o aluno pode entender que, apesar de ter que manter um compromisso com o que está efetivamente escrito, cada leitura pode ser, e é, única. Uma leitura em voz alta mostra-se um momento bastante produtivo para que o sujeito perceba estratégias com as quais possa criar um traço interpretativo único utilizando a voz, principalmente quando se trata de leitura de literatura na escola. Sobre a literatura na escola Maria Amélia Dalvi (2013, p. 81) entende que é preciso “ Tornar o texto literário “acessável” e acessível: é necessário que a literatura não apenas esteja disponível em todos os lugares da escola, mas que seja tornada compreensível, discutível, próxima.

Fotografia: Família e escola compartilhando leituras

Neste sentido, e objetivando que os pais, alunos e comunidade escolar chegassem mais perto também da palavra-viva de que são formadas as narrativas orais, lendas e contos - coletadas pelos alunos, em seus grupos familiares, e transformadas nas oficinas em HQ-mural - nós - os meus alunos e eu - organizamos uma exposição, na qual as histórias em quadrinho puderam ser observadas por todos os presentes. O objetivo foi o de ofertar aos pais e outros convidados da escola, uma oportunidade de ver os trabalhos construídos pelos alunos. Depois das atividades de leitura na roda de leitura em família, os pais e convidados fizeram um passeio pelo ambiente, quando puderem acessar mais de perto os gêneros textuais produzidos pelos alunos, expostos nas paredes da nossa sala.

Fotografia: Família e Escola Compartilhando leituras, 2018.

Entendendo que, um dos objetivos do projeto, foi intercambiar as experiências comunidade/escola para fortalecer essa relação tão pouco cuidada, que geralmente não se dá em momentos prazerosos, somente em ocasiões formais e nem sempre agradáveis para a família, como as reuniões de pais e mestres, é que organizei aquele momento, para que fosse o mais agradável possível a todos os envolvidos, pais, alunos, convidados, colegas, enfim, todos nós que fazemos parte dessa comunidade, que bem mais do que ser simplesmente escolar, é uma parte de nossas vidas. Gislayne Avelar Matos (2014, p. 95), entende que “a base sobre a qual se constrói a narrativa tradicional é, portanto, a memória, e são os processos e as práticas sociais que, compartilhados por todos, alimenta o reservatório de experiências do grupo”.

Fotografia: Família e Escola Compartilhando leituras, 2018.

Fonte: Rita de Cássia Rocha Bastos Gomes, 2018.

Como não poderia deixar de ser, para comemorar a finalização do projeto, entendi que nada melhor que estar junto às famílias, aos nossos alunos e aos colegas da escola compartilhando a palavra, a vida, o alimento. Todos juntos então, partilhamos uma bela festinha, regada a bolo, e outros comes e bebes. Foi um momento bonito da nossa caminhada de aprendentes.

Fotografia: Família e Escola Compartilhando leituras, 2018.