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4. Delineando os caminhos da análise

4.6. As seções da Folha de S Paulo e da Carta Capital

Tanto a FSP quanto a CC são divididas em seções. Na FSP, as reportagens sobre os temas que tratamos nesta pesquisa são encontradas nas seções intituladas

Brasil (parte do primeiro caderno, ou caderno A), no caso de textos sobre as eleições, e

nas seções Copa 2006 (ou caderno D que, fora do período da Copa é denominado

Esportes). Dentre o material já analisado, observamos apenas uma reportagem

publicada no caderno Cotidiano que fazia referência à mudança de horários de funcionamento de diversos estabelecimentos em decorrência dos jogos da Copa do Mundo.

Já na CC, os textos selecionados para análise foram parte de diferentes seções. No caso da Copa do Mundo, a maioria deles esteve na seção intitulada Pênalti e

Brasiliana. O tema das eleições também figura em diversas seções, mas ele esteve

destacadamente sob a rubrica da seção Seu País. Abaixo, apresentamos as seções onde estiveram localizadas as reportagens, descritas de uma forma geral a partir de nossas leituras e segundo descrições apresentadas no índice da revista:

- Pênalti (cf. Figura 13). Seção sempre assinada pelo ex-jogador de futebol e colunista Sócrates que "coloca esporte e política na marca do Pênalti";

- Estilo (cf. Figura 7). Escrita pelo colunista Nirlando Brandão que apresenta "três páginas sobre quem tem estilo e quem não tem", fazendo referência a assuntos diversos como arquitetura, moda, cinema, literatura, antiguidades, etc.;

- Perspectiva (cf. Figura 8). Apresenta relações econômicas a partir de diferentes assuntos, sempre divulgando gráficos de pesquisas;

- Cariocas (quase sempre) (cf. Figura 19). Assuntos relacionados principalmente ao Rio de Janeiro;

- A semana (cf. Figura 10). "A opinião da Carta Capital sobre os assuntos do momento", nas palavras da revista;

- O bolso e a cabeça (cf. Figura 18). Trata de assuntos referentes ao mercado financeiro, com duas sub-seções: monitor de mercado e finanças pessoais;

- Brasiliana (cf. Figura 1). Primeira seção da revista, apresenta diferentes assuntos que estejam relacionados ao Brasil, mas normalmente pouco debatidos na grande imprensa;

- Refogado (cf. Figura 21). Escrita por Marcio Alemão, trata de assuntos gastronômicos, mas sempre os relacionando a outros temas que estejam em debate na sociedade;

- Seu país (cf. Figura 3). Geralmente a mais longa seção da a revista, tem sempre três ou quatro reportagens diferentes sobre assuntos que se referem ao Brasil e que muitas vezes podem ser encontrados também na grande mídia, o que a difere da seção Brasiliana.

Enquanto a FSP situa as reportagens da Copa em uma seção mais abrangente (Esporte ou Copa 2006), a CC varia constantemente a localização do tema, sendo que em uma mesma edição a revista chegou a tratar do assunto em sete seções diferentes.

Consideramos, inicialmente, que o nome das seções e as reportagens que se apresentam neste espaço estabelecem uma relação de sentidos que se interconstituem. Com isso, queremos dizer que, por um lado, um texto publicado naquele espaço sob a

rubrica do nome da seção é constituído por uma relação intertextual e interdiscursiva com os sentidos que ali circularam anteriormente; por outro lado, o mesmo texto participa da constituição da seção, sendo responsável também pela formulação de sentidos de reportagens que, futuramente, ali irão circular, ou seja, de suas condições de produção:

As condições de produção, que constituem os discursos, funcionam de acordo com certos fatores. Um deles é o que chamamos relação de sentidos. Segundo essa noção, não há discurso que não se relacione com outros. Em outras palavras, os sentidos resultam de relações: um discurso aponta para outros que o sustentam, assim como para dizeres futuros. Todo discurso é visto como um estado de um processo discursivo mais amplo, contínuo. Não há, desse modo, começo absoluto com outros dizeres realizados, imaginados ou possíveis. (ORLANDI, 1999a/2002, p. 39).

A relação a que nos referimos não é uma relação direta entre os textos e seus conteúdos, e sim entre os efeitos de sentido produzidos pelos primeiros, anteriormente. Assim, publicar um texto em determinada seção permite que sejam formulados certos sentidos que não seriam os mesmos caso ele estivesse em outra seção.

“Um discurso aponta para outros que o sustentam, assim como para dizeres futuros” (ibidem, p. 39). É nesta questão posta por Orlandi que se sustenta o que estamos afirmando. Consideramos o nome das seções como um discurso em si, que, em uma dada relação sócio-histórica, produz efeitos de sentido e relações interdiscursivas. Esta interdiscursividade é estabelecida em relação a outros discursos que circulam ou circularam naquele espaço. São textos, imagens, manchetes que fizeram história naquele local, cujos efeitos de sentido passam, a se materializar no espaço da seção, ressoando em outros textos que ali circulam.

A escolha que um jornalista faz de publicar uma reportagem nesta ou naquela seção permite que alguns e não outros sentidos sejam produzidos. Por outro lado, ao escrever um texto para uma seção, existem determinados sentidos que podem ser estabelecidos, enquanto outros devem ser silenciados. Estas fronteiras, estes limites são constituídos discursivamente, desde a primeira reportagem que ali se publicou.

Além disso, vale lembrar que o próprio sintagma que nomeia a seção já estabelece relações de sentido importantes às nossas análises. Veremos adiante como denominar uma seção de Brasil ou Seu País faz diferença nas relações que se estabelecem naquele espaço. Os efeitos de sentido produzidos por cada sintagma ecoam nas reportagens produzidas. Da mesma forma, a escolha dos nomes das seções já são resultados de uma linha editorial, ou seja, são decorrentes de formações discursivas próprias a cada empresa jornalística.

Forma-se, então, uma rede de sentidos, uma teia. Um fio sustenta outros e é sustentado por outros. A trama, a interpretação só se dá porque existem relações interdiscursivas marcadas na materialidade lingüística.

Sendo assim, e voltando à questão das seções sobre a Copa do Mundo, por um lado, podemos dizer que a CC permite uma diversificação de relações intertextuais, mais abrangentes do que as da FSP. Esta última estabelece relações dos textos da Copa do Mundo com textos sobre outros esportes, enquanto a CC os relaciona com temas diversos.

Em relação aos textos sobre as eleições presidenciais, na FSP o tema é centro da seção denominada Brasil4. Ou seja, na constituição dos sentidos em torno desta palavra,

Brasil, participam as notícias sobre as eleições, mas não estão aí relacionadas aquelas que

tratam dos esportes ou da Copa do Mundo, ou de outras tantas reportagens que se referem ao Brasil e que também estão situadas em outros cadernos (como Ilustrada, que trata de temas culturais e Dinheiro, acerca de assuntos econômicos). Não há, entretanto, um caderno que se denomine Política, por exemplo, no qual figurem notícias sobre este tema.

Assim, o espaço destinado à política na FSP é o mesmo destinado a Brasil. É preciso considerarmos também o espaço da política como um lugar de conflitos diversos situados especialmente no âmbito dos três poderes que têm amplo espaço de divulgação na mídia. Assim, quando se trata de noticiar um novo projeto de lei, por exemplo, são normalmente apresentadas diferentes posições em relação a ele. Estas posições estão marcadas pela posição político-partidária, postas em confronto. O próprio sistema eleitoral brasileiro subsidia o conflito: há sempre partidos em oposição.

4 Neste caderno são apresentadas com freqüência notícias relacionadas à política brasileira de uma forma

geral. Figuram nele, por exemplo, acordos internacionais, notícias sobre os três poderes nas instâncias municipal, estadual e federal, etc.

A escolha de representantes políticos por si só já estabelece um conflito. Sendo assim, a relação estabelecida entre política e Brasil toma este último termo como um lugar privilegiado para os conflitos citados.

Na seção Brasil, encontramos principalmente reportagens referentes à política, mas também figuram nela textos sobre os partidos, as decisões governamentais, as transações políticas, os movimentos estudantis, os protestos políticos, os movimentos sociais, e notícias sobre os problemas sociais, tais como a violência, o desmatamento, etc. É nesta seção que se encontram sempre as notícias sobre as eleições em todo o país; foi nela que se publicaram as notícias sobre o “Mensalão” e sobre as inúmeras CPIs. São notícias que vão constituindo o que se entende por Brasil.

Apresentamos uma análise semelhante quando falamos há pouco sobre as seções dos textos sobre a Copa do Mundo. Neste caso, um fator a mais se coloca à nossa reflexão, já que as reportagens sobre política são apresentadas sob uma rubrica que leva o nome do próprio país onde vivemos. Seguindo a argumentação que traçamos, poderíamos dizer que, no discurso da FSP, há um processo de identificação de brasileiro que se estabelece continuamente na constituição do próprio país em relação com a política governamental e problemas sociais.

Na CC, a relação que se estabelece é outra. Enquanto na FSP todos os textos relacionados às eleições foram encontrados no caderno Brasil e todos os textos relacionados à Copa do Mundo estiveram no caderno de mesmo nome ou no caderno

Esportes, na CC não houve esta mesma regularidade na relação entre os textos e seções.

Isso nos leva a um sentido constituído em torno de Brasil mais plural do que o encontrado na FSP.

Por outro lado, é interessante a denominação da seção principal da revista,

Seu País, contraposto a Brasil da FSP. Podemos pensar no pronome possessivo seu em

oposição a nosso, por exemplo, utilizado em diversos outros momentos das reportagens que iremos apresentar.

Desta forma, quando a CC apresenta uma de suas seções como Seu País, faz silenciar a relação de Nosso País. O pronome “seu” certamente remete a propriedade ao leitor e exclui o redator da notícia, o jornalista, a revista. Mas redator, jornalista e

revista são brasileiros e também “possuem” este país. O efeito de sentido é, então, de uma não-identificação do sujeito-autor com o discurso que profere.