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CAPÍTULO II. O TERRENO E OS AGENTES DE CUIDADO

1 O CANTINHO DO CUIDADOR

1.1. AS SESSÕES DO CANTINHO

Foi durante a segunda visita a Évora que fiz por motivo do trabalho de pesquisa, que assisti pela primeira vez a uma sessão do Cantinho. Essa sessão foi particularmente rica do ponto de vista etnográfico dado que se tratava de uma sessão extraordinária: ia realizar-se a festa de Natal. Aconteceu no dia 18 de Dezembro. O tema dava pelo título de “Avós e Netos: crianças, segurança e

alimentação”25, e o formato da sessão foi bastante diferente da estrutura das outras sessões que

assisti. A minha apresentação aos interlocutores e participantes do Cantinho (grupo principal e acompanhantes, enfermeiras e outros), aconteceu de forma muito simplificada considerando o ambiente festivo que se fazia sentir naquela sessão.

Para aquela festa tinham sido convidados para além dos cuidadores e participantes habituais, os familiares e amigos, sendo todos naquela sessão especialmente bem vindos. Contudo, as personagens centrais eram os avós e os netos, que aderiram ao convite em número elevado. Deste modo, aquela festa, tornou-se num encontro intergeracional, reforçando-se o imaginário familista tão próprio do período natalício.

Reparei na decoração daquele lugar, da festa, não existindo elementos relacionados com a celebração religiosa. Da decoração constava uma árvore de Natal, objectos coloridos próprios dos jogos que se iam realizar, mesas com comida e doces natalícios profusamente distribuídos, e outros elementos que alegravam e davam ao conjunto um ambiente prosaico e não religioso.

O desenvolvimento de um tema particular foi nesse dia foi substituído por jogos, também eles temáticos, criados pelas enfermeiras estagiárias do CSE.

O grupo de participantes nessa sessão foi muito diversificada, estando presentes os avós (cuidadores do Cantinho), os netos, as enfermeiras, os seus filhos, familiares e amigos, que tornaram o evento num alegre convívio e celebração natalícia.

Os jogos realizaram-se alegremente fazendo-se equipas mistas, onde todos sem exceção foram levados a participar. A dinamização da festa e dos jogos foi feita pela enfermeira Paula, tendo sido aí que pude observar as competências pessoais da mesma na organização e gestão dos grupos, e na forma como conseguia resolver através dos jogos, inibições, dificuldades e contingências que iam acontecendo, levando até os mais resilientes (normalmente os mais idosos) a participar activamente nos jogos.

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O interesse, envolvimento e empenho do grupo de enfermeiras é indubitável, fomentando no grupo um sentido de pertença àquela comunidade, que é, na minha opinião, o principal aglutinador de práticas de partilha, respeito e entreajuda que se observa no grupo. Naquele dia estavam presentes as enfermeiras Paula, Maria, Rosa e 4 estagiárias (na ordem dos 25 anos). Também estas jovens demostraram naquele dia verdadeiro interesse pelo sucesso da sessão, exibindo o trabalho que previamente tinham produzido. Foram estas jovens que inventaram os jogos, construindo os seus conteúdos (perguntas, respostas e regras), e fabricando manualmente os tabuleiros e demais elementos.

Depois de tudo isto, as estagiárias apresentaram o momento da cantoria, e claro, como era Natal, cantaram-se as Janeiras. Foram distribuídas fotocópias das letras das músicas tradicionais da época, tais como “Ó Rama ó que linda Rama”, “Mãe querida, mãe querida” e outras, cujas letras tinham sido alteradas, gerando-se um momento de diversão colectiva muito feliz e com muitas risadas pelo meio.

Este evento serviu para verificar como o empenho e boa vontade das mais velhas (enfermeiras) se estendia às mais novas. Também este grupo de jovens enfermeiras, que outras vezes participaram no Cantinho, demostrava ter uma ligação muito interessada com o grupo de cuidadores do Cantinho, trabalhando com afinco para o sucesso das iniciativas sempre que eram requisitadas pelas mais velhas.

O convívio continuou com a participação de todos, seguindo-se do lanche que constitua o momento estrutural nas sessões do Cantinho. O lanche, como referi antes, acontece sempre depois das formações e/ou das palestras, e constitui-se em numa prática ritualista central em cada sessão. A comida para o lanche é oferecida por todos, dado que cada participante leva para o Cantinho um doce, uns salgados ou aquilo que preferir e puder. Não sendo mandatário, quase todos os participantes se fazem acompanhar de contributos alimentares para o lanche. As mesas tornam-se mostruários da culinária regional, tendo sido aquela festa de Natal o momento mais revelador dos dotes pessoais dos participantes, mas também da riqueza gastronómica da região. Ainda assim, a mesa faz-se de simplicidade, sendo que naquele dia não pude deixar de notar como uma cuidadora, - que viria a ser um dos meus interlocutores privilegiados -, a D. Conceição, se fez acompanhar de tangerinas produzidas na sua horta, e que exalavam um cheiro marcante que me transportou momentaneamente para a simplicidade rural da vida de algumas daquelas pessoas. A vivência urbana de alguns daqueles cuidadores assenta em factores de sustentabilidade económica de apoio,

que passam pela manutenção de pequenas práticas rurais, nomeadamente o cultivo de produtos hortícolas e frutícolas.

Assim, da festa de Natal se fez a sessão daquele dia. Foi também naquela sessão que se deu a minha apresentação colectiva ao grupo, embora depois na festa a minha tarefa etnográfica fosse particularmente apresentada a alguns cuidadores, nomeadamente aos do grupo principal. Todos os cuidadores do desse grupo disponibilizaram-se de imediato para conversar comigo, e mais do que isso, na grande parte dos casos, demostravam sincero interesse pelo trabalho que eu estava a realizar. Questionaram alguns detalhes e reforçaram a importância do papel do cuidador com o qual eles se identificavam, destacando a importância social e humana dos agentes de cuidado. A D. Conceição, a D. Conceição, a D. Filomena e a D. Benedita conheciam bem a classificação de

cuidador informal e assumiam publicamente esse papel.

No decorrer das sessões fui percebendo que o Cantinho tem uma vocação instrutiva, e que paralelamente procura oferecer elementos lúdicos que forneçam aos participantes um tempo de descontração e de simples convívio. O objectivo principal é trabalhar coletivamente, oferecendo aos cuidadores ferramentas para que estes tenham uma vida mais activa e satisfatória do ponto de vista físico, psicológico e social. Nesse sentido o esforço das enfermeiras do Cantinho, ultrapassa o objectivo que esteve na origem institucional da criação do Cantinho e que era, recordando a Paula,

para dar resposta a uma necessidade assinalada através dos cuidados da comunidade (cuidar dos

cuidadores). As enfermeiras do Cantinho são por isso também elas cuidadoras. Mesmo sabendo que o Cantinho foi uma medida institucional, a sua colaboração dá-se no âmbito formal (profissional), mas realiza-se com grandes medidas de informalidade.