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2. A FORMAÇÃO DO PROFESSOR QUE ENSINA MATEMÁTICA

4.3 As Sessões reflexivas: espaço de diálogo e produção de dados

Pesquisadores como Magalhães (2002) e Ibiapina (2008) têm defendido a ideia de que os profissionais da Educação realizem suas atividades docentes de forma crítico-reflexiva e colaborativa. Baseada nas ideias de Luria (2002, p. 31), Ibiapina apresenta as Sessões Reflexivas, inicialmente chamadas de sessões experimentais como “[...] estratégia de longas conversas que geralmente aconteciam em pequenos grupos, em que motivava as trocas de opinião sobre determinado problema” (IBIAPINA, 2008, p. 95).

A Sessão Reflexiva possibilita aos professores a pensar sobre sua prática pedagógica e, a partir dela, a atividade pessoal e profissional requer a reflexão e a análise do que podemos fazer individualmente ou em colaboração. Essa prática visa à produção de conhecimento e à transformação de ações em que:

[...] o professor deixa de ser mero objeto, compartilhando com os pesquisadores, a tarefa de transformar as práticas, a escola e a sociedade, portanto as pesquisas deixam de investigar sobre o professor e passam a investigar com o professor (IBIAPINA, 2008, p. 24).

Nossa pesquisa possui alguns aspectos em que aparecem atitudes de colaboração; cremos que o professor, ao participar com voz e opiniões que consideramos com afinco, tornou- se um agente participativo do processo. Utilizamos as Sessões Reflexivas como componentes essenciais da nossa metodologia. A aproximação com os conhecimentos matemáticos, concepções e práticas pedagógicas das professoras, bem como o diálogo e o pensar junto justificam nossa escolha por esse procedimento, visto que ele amplia e possibilita a reflexão das participantes da pesquisa.

Conceituada por Ibiapina (2008, p. 97), a Sessão Reflexiva é um procedimento que [...] “motiva os professores a focalizar a atenção na prática docente e nas intenções de ensino e incentiva a criação de espaços de reflexão crítica que auxiliem no desenvolvimento da consciência do trabalho docente.” Além disso, Ibiapina (2008, p. 96) acrescenta sobre a Sessão Reflexiva como “[...] o contexto, o ambiente propício à reflexão, o lócus de promoção da reflexibilidade”.

Essas sessões são espaços criados para debater e analisar a prática docente, recursos vitais para o estabelecimento da relação teoria-prática e o ponto de partida para a reflexão crítica sobre os princípios teóricos que subjazem as opções pedagógicas e didáticas feitas no percurso da atividade docente. São momentos de diálogos em que cada participante descobre tanto significados pessoais quanto os já construídos coletivamente pela categoria (IBIAPINA, 2004).

Inicialmente, foram realizadas duas Sessões Reflexivas. A primeira delas, realizada no dia 22 de maio de 2018, às 17h30min, com duração de 59 minutos, teve como objetivo refletir sobre temas e perguntas relacionadas ao curso do PNAIC Alfabetização Matemática. Sobre o tema “Conteúdos Matemáticos”, as professoras cursistas disseram que, gostaram muito do curso oferecido, das atividades propostas, do material entregue e até das cobranças que eram feitas pelos Orientadores de Estudos. Mas a realidade nas escolas é bem diferente: é muita correria, projetos impostos, falta de tempo e outros “empecilhos” que tornam inviável a prática das atividades propostas pelo curso em sala de aula. Elas nos informaram que as atividades propostas requerem muito tempo para planejamento e execução, porque precisam ser bem elaboradas, o material precisa ser construído, os locais precisam ser planejados, é necessário ajuda de outras pessoas, o número de alunos por sala dificulta muito e, por vezes, o trabalho torna-se quase impossível de ser realizado integralmente.

Pensando nessa forma de conceber o ensino, as professoras concordam com Oliveira (2009):

Assim, o trabalho pedagógico que é desenvolvido por um professor que se limita a repassar, vigiar, corrigir e controlar, enquanto o aluno presta atenção e reproduz a matéria dada, é desprovido de significado para o aluno e pouco contribui para ajudá-lo a desenvolver suas competências lógico-matemáticas e a resolver situações-problema que surgem da vida prática.

O ensinar, nessa perspectiva, tem o restrito entendimento de transmissão de conteúdos, transmissão essa entendida como o ato de depositar fatos ou informes em alunos tidos como objetos, visando simplesmente à reprodução de determinados conteúdos considerados a priori como importantes de serem perpetuados (OLIVEIRA, 2009, p. 29).

Outro fato relevante foi a questão do trabalho em grupo, atividade desenvolvida durante o curso, cobrada e valorizada e que se foi perdendo ao longo do tempo. As queixas do trabalho isolado e com pouco acompanhamento pedagógico foram relatadas pela maioria do grupo, bem como a falta de valorização para com o profissional que se dedica aos estudos.

Ao serem questionadas sobre as Tendências Metodológicas do PNAIC, a Linguagem Matemática utilizada, os Eixos Matemáticos e os Conteúdos abordados com maior ou menor frequência, algumas delas entenderam que a tendência metodológica do material está relacionada ao construtivismo, por entenderem que as crianças constroem o seu próprio material e conseguem chegar às suas conclusões. Quanto aos eixos, discutimos a importância de se conhecer e usar a linguagem correta desde o início. Pensamos ser necessário abrir novas discussões para aprofundamento nos assuntos, mas, devido ao tempo, não foi possível neste trabalho. Segundo Magalhães (2004, p. 82) “[...] uma nova organização discursiva [...]” surge

como estratégia que se propõe a abrir tempo e espaço para o debate e tem como princípio básico a relação dialógica.

Ao término da primeira Sessão Reflexiva, vimos que ela se constituiu como desencadeadora de questionamentos sobre as práticas reais estabelecidas pelas professoras. Marcamos uma nova Sessão Reflexiva que contemplou o restante das nossas questões anteriormente elaboradas e os anseios do grupo, buscando valorizar o processo da produção do conhecimento na prática profissional assumida em sala de aula e a contribuição desses conhecimentos constituídos ao longo da prática docente.

A segunda Sessão Reflexiva ocorreu no dia 29 de maio de 2018, às 17h30min, com duração de uma hora e vinte e dois minutos, com o objetivo de aprofundar um pouco mais nos temas escolhidos na primeira sessão e complementar os assuntos relativos à nossa questão de investigação.

Começaram falando um pouco a respeito das necessidades formativas do professor e constataram ser falhas na área específica de Matemática. Dialogamos a respeito de possíveis causas para isso ter ocorrido, a maioria absoluta do grupo atribuiu à Educação que receberam na infância e na vida escolar a responsabilidade pelas dificuldades enfrentadas pela disciplina Matemática, alegando, também, a questão da formação inicial e superior que ensinam muito pouco essa disciplina. Constataram, ainda, que as facilidades e dificuldades encontradas em se trabalhar com a Matemática vêm da vida de estudante, que consideram reproduzirem modelos e se sentirem inseguras quanto ao ensino. Encontramos aqui uma problemática descrita por Nacarato, Mengali e Passos, na responsabilidade dessa interferência em nossas escolas:

Se tais modelos não forem problematizados e refletidos, podem permanecer ao longo de toda trajetória profissional. Isso contribui para a consolidação não apenas de uma cultura de aula pautada numa rotina mais ou menos homogênea do modo de ensinar Matemática, mas também de um currículo, praticado em sala de aula, bastante distante das discussões contemporâneas no campo da Educação Matemática (NACARATO; MENGALI; PASSOS, 2009, p. 32).

Dando continuidade, passamos à reflexão sobre as Mudanças e Permanências na prática pedagógica norteada por perguntas sobre as práticas a partir do curso frequentado e se as mudanças permanecem atualmente. Elas explicaram que o curso possibilitou muitas mudanças, novos pensamentos, mais criticidade, mais motivação, mais reflexão, mais inovação e que procuram melhorar sempre. A preocupação com o aluno aumentou consideravelmente, no que tange à forma pela qual ele constitui seu conhecimento, a importância de valorizar o aluno e o seu saber adquirido, bem como suas dificuldades e fragilidades. Notamos, nas falas das professoras, a inquietude no sentido de mudanças na maneira de conduzir as aulas, no

planejamento, na variação dos materiais, no uso da Literatura e de outras disciplinas de forma interdisciplinar, na inovação contínua e na maior flexibilidade no cotidiano em suas salas de aula.

Na sequência, rememoramos as falas e elas concluíram que o curso ofereceu um “norte”, ou seja, um novo rumo para seguir, o curso renovou o que já se sabia e ajudou a traçar novos caminhos. Constataram, também, que a teoria e a prática andam juntas, dando-lhes a possibilidade de refletir sobre a prática, evidenciaram o certo e o errado, estimularam o crescimento, ofereceram oportunidades para ingressantes na carreira e aprimoramento para os veteranos, além de ser um excelente material didático e muito interessante.

Essas considerações aproximam do que relata esse autor:

[...] é razoável pensar que o problema real já não seria tanto o fato de um e outro conjunto de disciplinas não mostrarem vínculo teoria-prática, mas a prevalência de um modo de pensar cartesiano, que se reflete em aprendizagens parciais, fragmentadas, pouco imaginativas (LIBÂNEO, 2010, p. 574).

Ao término da narrativa, as professoras apresentaram uma postura de permanente mudança em vários aspectos, lembraram que é um curso de abrangência nacional, de fundamental importância e o que falta realmente é o tempo para planejar de acordo com o que propõe o curso e assim levar na íntegra para a sala de aula; um outro fator a ser considerado é a não participação dos demais professores (quartos e quintos anos) e também da equipe pedagógica e gestora da escola

Após breve organização e análise do material coletado, ocorreu a Terceira Sessão Reflexiva no dia 09 de outubro de 2018, às 17h30min, com duração de duas horas.

Essa terceira Sessão Reflexiva foi promovida para o debate, principalmente, da análise da prática pedagógica, comparando o período anterior e posterior ao curso de formação oferecido pelo PNAIC. No decorrer dessa Sessão Reflexiva, além de possibilitar um ambiente em que as professoras pudessem falar tranquilamente sobre vários assuntos, consideramos essencial que elas tivessem a oportunidade de relatar através da escrita sobre suas experiências. A sessão teve a “[...] finalidade de promover encontros destinados a estudos, a reflexão interpessoal e intrapessoal e a análise da prática.” Ao término da sessão, os participantes puderam “[...] perceber que as opções teóricas afetam as práticas” (IBIAPINA, 2008, p. 97).

Coadunando com Ibiapina (2008), utilizamos esse instrumento de pesquisa pelo fato de ele vir de encontro com nosso objetivo e ser possível de promover mudanças na prática pedagógica:

As Sessões Reflexivas são sistematizadas com a finalidade de auxiliar os professores a reconstruir conceitos e práticas, desenvolvendo um processo reflexivo que inicia pelas construções já existentes e pela identificação dos componentes básicos dos eixos teóricos da ação e as tendências que estão próximas do fazer didático. Essa reflexão promove a reelaboração de conceitos e práticas pedagógicas e a avaliação das possibilidades de mudanças da atividade docente (IBIAPINA, 2008, p. 97)

Segundo Ibiapina (2004), durante as Sessões Reflexivas, os participantes fazem apontamentos relevantes e pertinentes sobre o tema em questão, há momentos ricos de diálogos e reflexões em que elas observam as falas dos outros e pensam a respeito. Além disso, são instigadas a pensar e a falar sobre os temas abordados; todos os participantes têm vez e voz ativa nas questões dirigidas sobre o tema desta pesquisa.

Os dados construídos a partir das dinâmicas aplicadas e seus resultados nos confirmaram a necessidade do aprofundamento em discussões mais elaboradas por intermédio das Sessões Reflexivas para a construção dos conceitos relativos às percepções das professoras em relação ao PNAIC Alfabetização Matemática.

Em todas as Sessões Reflexivas, tivemos a presença de todas as professoras participantes da pesquisa e essa participação ativa nos remeteu ao desejo de pensar e de dialogar sobre as práticas pedagógicas realizadas no ensino de Matemática após a formação continuada oferecida pelo PNAIC-2014. Dessa forma, as reflexões de cada professora participante da pesquisa sobre a sua trajetória profissional, antes e depois do curso, deram-nos indícios para constituirmos fontes para análises futuras.

Ainda de acordo com Ibiapina (2004), na Sessão Reflexiva, a prática é vista como produtora de saberes, troca de experiências, partilha de saberes, constitui-se em um espaço de formação mútua, em que o professor é chamado a desempenhar, simultaneamente, o papel de teórico e de prático, em uma formação crítica, dinâmica e interativa.

Conforme Tardif (2014, p. 287), quanto ao professor, este sim, conquistou sua autonomia que a escola e o sistema tentam enfraquecer, mas, a cada dia mais, vemos práticas apoiadas em estratégias e em procedimentos criados e recriados que lhes permitem escrever sua história de crescimento profissional “[...] uma formação contínua e continuada que abrange toda a carreira docente.”

No compartilhar conhecimentos com os pares, há maior liberdade de expressão, em que as professoras falam a respeito de seus sentimentos, emoções e também de suas fragilidades e desafios. Além disso, buscamos na fala das docentes informações advindas das orientações dos Cadernos de Estudos do PNAIC Alfabetização Matemática, as contribuições, as compreensões,

as incompreensões, as reflexões, as transformações durante o curso e, principalmente, o que permaneceu na prática pedagógica até os dias atuais.

A partilha da experiência pessoal e do saber teórico auxilia a reconstruir a prática profissional e a consolidar a cultura profissional, transformando os conceitos cotidianos em teóricos. De acordo com Paulo Freire (1996, p. 22), faz-se necessário que o professor assuma “[...] desde o princípio mesmo de sua experiência formadora, assumindo-se como sujeito também da produção do saber, se convença definitivamente de que ensinar não é transferir

conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção.”

Após as três Sessões Reflexivas realizadas com as cinco protagonistas, a gravação foi transcrita pela pesquisadora e o texto revisto pelas envolvidas, individualmente, que reconheceram a autenticidade das palavras transcritas e autorizaram a utilização dos trechos selecionados para publicação em pesquisas científicas.

Por acreditar que o professor esteja em constante processo de formação e estabelece relações entre teoria e prática em seu trabalho cotidiano e ainda “[...] partindo do pressuposto que os professores produzem, na prática, saberes práticos sobre Matemática escolar, currículo, atividade, ensino, aprendizagem” (FIORENTINI; LORENZATO, 2007, p. 47) é que adotamos um Caderno de Anotações, no qual as professoras participantes faziam, posteriormente, registros escritos relacionados aos assuntos compartilhados durante as Sessões Reflexivas e os demais encontros realizados, referentes à sua prática e às suas reflexões sobre sua prática, sabendo que “[...] esses saberes práticos se transformam continuamente sobretudo quando os professores realizam uma prática reflexiva e/ou investigativa.” (FIORENTINI; LORENZATO, 2007, p. 47).

Apoiadas em Bogdan e Biklen (1994, p. 150) adotamos, ainda, as Notas de Campo da pesquisadora, que se constituem em “[...] o Relato Escrito daquilo que o investigador ouve, vê, experiencia e pensa no decurso da recolha e reflectindo sobre os dados de um estudo qualitativo”. Percebemos, então, que esses registros e ideias nos permitiam observar elementos importantes para a autorreflexão do professor e para a intervenção problematizadora da professora pesquisadora acerca das crenças, saberes e concepções oriundas dos processos relacionados à formação oferecida pelo PNAIC.

Nessas Notas de Campo, foram feitas anotações sobre fatos importantes das conversas, dos relatos e das Sessões Reflexivas transcritas para a efetivação da análise das informações obtidas. A utilização desse instrumento foi feita como forma de organização e de sistematização das informações do contexto, descrevendo todos os detalhes do Questionário e todos os acontecimentos ocorridos nos encontros com as professoras participantes da investigação. Para

Fiorentini e Lorenzato (2007, p. 118-119) é um dos instrumentos mais ricos de coleta de informações e “[...] é nele que o pesquisador registra observações de fenômenos, faz descrições de pessoas e cenários, descreve episódios e retrata diálogos.”

Entendemos, dessa maneira, que pesquisar em Educação é estar envolvido com o ambiente escolar, com as pessoas que ali convivem, registrando a realidade dessas experiências e, as Notas de Campo tiveram um destaque: muito contribuíram para a produção de saberes importantes, processos de autorreflexão e também de problematização das concepções, crenças e ideias.

Procuramos, assim, validar os resultados da pesquisa, escolhendo, a partir das informações das professoras colaboradoras, as palavras, as expressões, os trechos, fragmentos e até mesmo frases inteiras relacionadas às categorias de análises apresentadas.

Das conversas realizadas, das Sessões Reflexivas, dos Registros Escritos, do Caderno de Anotações, das Notas de Campo da pesquisadora e das narrativas produzidas pelas participantes da pesquisa, emergiram, quatro categorias para análise, de que trataremos na próxima seção.

5 A ANÁLISE DO MATERIAL PRODUZIDO NA PESQUISA

Pretende-se, nesta seção, apresentar a análise e a discussão das informações do nosso trabalho investigativo advindo de todas as coletas de dados: Registros Escritos, Caderno de Anotações, Sessões Reflexivas, Notas de Campo da pesquisadora e das narrativas produzidas pelas professoras pesquisadas.