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CAPÍTULO 2: OS PROFESSORES E AS CONCEPÇÕES ALTERNATIVAS

2.2 METODOLOGIA PARA A AVALIAÇÃO DA PERCEPÇÃO DA CONCEPÇÃO

2.2.1 As situações didáticas

A primeira situação didática é a seguinte: SITUAÇÃO DIDÁTICA A:

Um professor, em uma aula de ciências, faz a seguinte pergunta:

--- Se você andar sempre em linha reta sobre a superfície da Terra, o que acontece? Um aluno responde:

--- Depois de andar um certo tempo chegaria no fim da superfície terrestre e, continuando, cairia para baixo no espaço vazio.

Esta situação didática foi retirada do trabalho de Harres (2001a,b), sendo esta traduzida e adaptada do trabalho de Hashweh (1996). O presente estudo utiliza a situação didática, assim como estes dois autores, para avaliar a capacidade de o professor perceber e criar estratégias didáticas para lidar com as concepções alternativas presentes nesta situação.

A situação A envolve assuntos para os quais é comum os alunos apresentarem concepções alternativas, conforme detalhado no capítulo anterior. A fala do aluno demonstra que ele acredita que a superfície da Terra seria plana e limitada, de modo que, ao se caminhar sobre sua superfície em linha reta, chegaríamos ao seu final. O aluno demonstra ainda não compreender o conceito de gravidade, afirmando que, ao continuar a caminhada após a chegada no fim da superfície terrestre, cairíamos da Terra. A direção da queda seria “para baixo”, ou seja, o aluno apresenta uma concepção de verticalidade absoluta, o que não existe considerando uma dimensão espacial. Além disto, há a questão do espaço no qual ele cairia, que, para o aluno seria vazio. Se o aluno estiver se referindo ao espaço sideral, demonstra a falta de conhecimento da existência de milhares de outros corpos celestes, ou ainda, a falta de conhecimento de que estes estariam ao redor

de toda a Terra e não apenas “sobre” esta, concepção também bastante comum segundo Bisch (1998). Porém esta questão não foi muito explorada pelos professores e nem questionada pela entrevistadora, já que tal 'espaço' presente na resposta do aluno pode significar apenas a localização do início da queda a partir do final da superfície terrestre.

Esperava-se que o professor, ao ler esta situação didática, percebesse os erros conceituais presentes na resposta deste aluno e citasse estratégias para o ensino dos conteúdos envolvidos. Seria necessário ensinar para este aluno que o planeta Terra tem forma esférica. Assim, ao se caminhar sempre em linha reta sobre a sua superfície, daríamos a volta no planeta, não havendo um final. Seria necessário também tratar a questão da gravidade, que nos permite caminhar sobre toda a superfície da Terra sem “cair” do planeta. Abrangendo mais ainda o assunto, porém já não tão diretamente relacionado à fala do aluno, o professor poderia tratar a questão da localização da Terra como corpo cósmico, localizada no espaço sideral assim como milhares de outros corpos celestes.

A segunda situação didática apresentada aos entrevistados envolvia a questão da alimentação vegetal. Esta situação foi por mim inventada, mantendo a estrutura da situação anterior e baseada nas concepções alternativas mais comuns sobre o tema, detalhadas no capítulo um.

SITUAÇÃO DIDÁTICA B:

Um professor, em uma aula de ciências, faz a seguinte pergunta: --- Do que as plantas se alimentam?

Um aluno responde:

--- As plantas se alimentam do solo. É do solo que as plantas retiram tudo o que precisam para sobreviver e crescer.

A resposta do aluno demonstra que ele possui uma concepção alternativa sobre a alimentação vegetal, acreditando que a planta retira seu alimento pronto do solo, o que é conceitualmente errado, já que o alimento da planta é por ela própria produzido.

A definição de alimento adotada neste trabalho (a mesma de Driver e cols. 2001 e Kawasaki e Bizzo, 2000) considera como alimento apenas a matéria orgânica utilizada para fins de obtenção de energia. Assim, todo o alimento da planta seria produzido através da fotossíntese10.

Alguns professores demonstraram possuir outros sentidos para o termo 'alimento', considerando também os sais minerais retirados do solo como alimento da planta. Mesmo adotando esta definição, a resposta do aluno deveria ser considerada incorreta, pois este afirma que todo o alimento viria do solo, sem mencionar a fotossíntese.

Percebi, na fala de alguns professores e também na literatura, uma falta de consenso na definição do termo 'alimentação'. O professor da fala abaixo, por exemplo, parece compreender a alimentação como um ato voluntário11:

Eu acho que essa pergunta está errada! 'Do que as plantas se alimentam?' As plantas se alimentam? É uma pergunta ignorante isso? Porque pra mim, alimento está relacionado ao ser que não é planta (PG).

Já este outro professor, apesar de demonstrar o conhecimento de que a planta produz seu próprio alimento, parece associar a alimentação com a ingestão12

de alimentos, não concebendo a possibilidade da planta se alimentar de algo que ela própria produziu:

É, o aluno respondeu de acordo. Se ele (o professor) perguntou se as plantas se alimentam, o aluno vai achar que elas se alimentam e que ela retira tudo do solo. O complicado de trabalhar as plantas é que, se a gente usa 'ela se alimenta', como é que a gente vai trabalhar depois a idéia de que ela fabrica o próprio alimento? (PI).

Esperava-se que o professor, ao ler a situação didática B, percebesse o erro conceitual na concepção de que a planta retiraria todo o seu alimento do solo (independente da definição de 'alimento') e percebesse o desconhecimento, pelo aluno, da fotossíntese como processo de produção de alimento.

10 Para esclarecimentos teóricos sobre 'alimento', 'nutriente' e 'fotossíntese', vide capítulo 1, tópico 1. 11 Mesmo definindo a alimentação como um ato voluntário, ainda assim a frase estaria incorreta, pois

alguns animais, como as esponjas filtradoras, também se alimentam involuntariamente.

12 Se definirmos a alimentação como a ingestão de alimentos, então as plantas não se alimentariam, já que não ingerem alimento pronto, mas o fabrica.