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No contexto da linguagem audiovisual, o som não enriquece imagens, mas modifica a percepção global do receptor. (Angel, 2006, p. 276)

O som no cinema geralmente fica relegado a uma segunda classe de análise pelos pesquisadores e críticos em geral. Isto é um equívoco que gera trabalhos incompletos e inconsistentes. O cinema, uma vez que é audiovisual, trabalha com construções colaborativas indissociáveis entre os sentidos da audição e visão, não havendo, portanto, hierarquia de importância ou prioridade. Som e imagem juntos adquirem sentidos únicos, diferentes dos transmitidos por cada um isoladamente.

Angel Rodriguez utiliza o modelo de Schaeffer que estabelece quatro mecanismos diferenciados de escuta: “ouvir, escutar, reconhecer e compreender” (2006, p. 248). Para o autor, nestes verbos há a existência de uma gradação entre as formas de se perceber as linguagens sonoras que constroem seus sentidos, sendo que entre se ouvir e se compreender o som temos os dois limites entre as possibilidades de recepção sonora.

No início da história do cinema, quando não existia tecnologia suficiente para se sincronizar som e imagem, a necessidade de um acompanhamento sonoro era tamanha que havia interpretação sonora ao vivo, isso sem falar no som dos projetores que se espalhavam pela sala.

O som possui a capacidade de criar sensações espaciais de dimensão, distanciamento, aproximação e texturas. Assim como há o ponto de vista, há o ponto de audição, ponto espacial onde é posicionado o espectador em relação à paisagem sonora. Não necessariamente o ponto de audição será o mesmo do ponto de vista, pode-se intencionalmente separa-los com uma função narrativa. No mesmo sentido, a

sincronia audiovisual e a adequação entre tamanho do emissor do som e altura sonora podem ser quebradas.

No audiovisual, há três códigos sonoros que se diferenciam quanto à sua natureza e função narrativa, são eles a voz, o ruído e a música. Estes códigos podem vir de dentro ou de fora da imagem, os diferenciamos em sons diegéticos e não- diegéticos.

Falamos de som diegético quando sua fonte está no espaço da imagem a que pertence, ao mundo da história (voz dos personagens, em off, música de um rádio, ruído de uma porta) e de som não diegético para nos referirmos ao que os personagens não podem ouvir e, portanto, é próprio da narrativa (música sobreposta ou relato de um narrador extra diegético). (NORIEGA, 2003, p. 37)

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Algumas funções narrativas do som no cinema são: criar um espaço dramático mediante a adequação do tom, da intensidade e volume ao espaço fílmico onde se desenvolve a ação; dirigir o olhar do espectador dentro de uma imagem; antecipar uma situação; completar as imagens reforçando seu sentido imediato ou contradizendo-os; ajudar a suavizar transições na montagem; outorgar informações sobre determinado objeto ou personagem.

Os diálogos dão voz aos personagens. No início do cinema falado, artistas como

Charles Chaplin foram contrários ao uso da voz no cinema por entenderem que, ao falarem, os atores sofreriam um empobrecimento do que ele chamava a “arte da pantomima”. Chaplin temia que os intérpretes deixariam de passar sua emoção com o seu corpo e rosto, deixando o texto se sobrepor à interpretação (NORIEGA, 2003). Passados mais de 80 anos33 do uso da voz no cinema, percebe-se a importância dela na interpretação. Não só o que é dito, mas como é dito é fundamental na compreensão, sensação e análise da obra.

Os diálogos caracterizam sociologicamente e psicologicamente os personagens; revelam seu mundo interior; informam sobre suas ações e intenções; intensificam conflitos dramáticos; apóiam, contradizem ou matizam o expressado pelos gestos e

32 Hablamos de sonido digético cuando la fuente del mismo está en el espacio de la imagen por que

pertenece al mundo de la historia (voz de personajes, en off, musica de una radio, ruído de una puerta) y de sonido no diegetico para referirnos al que no puede oir los personajes y, por tanto, es proprio del discurso (musica sobreposta o relato de un narrador extradiegético). (NORIEGA, 2003, p. 37)

33 O ano de 1927 é marcado como o ano da consolidação do cinema sonoro com o filme The Jazz Singer, da Warner.

ações, ou o mostrado nas imagens; estabelecem a estética e gênero do filme; dentre outras possibilidades. Os diálogos podem ser classificados como pausados, rápidos, literários, informativos, emotivos, narrativos e etc.

Ainda se tratando da voz, há a possibilidade de se utilizar a voz não diegética ou voz off

.

Esta pode proceder de um plano anterior ou posterior e que advém de um

raccord sonoro; ser expressão das imagens mentais de um personagem que, por

exemplo, lê um texto e não o verbaliza na diegese; construir uma ligação entre o narrador diegético, que insere fragmentos de caráter sumarial; ou ser uma voz não diegética identificável a um narrador que se dirige ao espectador.

Em 1908, foi feita a primeira encomenda de composição original para um filme específico. Quase 20 anos antes de se ter tecnologia para agregar som ao filme já se pensava na música como parte da narrativa. (NORIEGA, 2003) As músicas no audiovisual podem ser originais, quando a trilha é composta especificamente para a obra, ou adaptadas, quando músicas já existentes são adequadas ao filme. A outra possibilidade é se utilizar músicas prontas em parte ou na íntegra. A música audiovisual se difere em relação à sua fonte e, conseqüentemente, sua função narrativa. A música incidental é aquela que só os espectadores podem escutar, já a música diegética é aquela que espectadores e personagens podem escutar, é a que faz parte da ação interna dos personagens.

A maioria dos eventos musicais, de um ponto de vista ocidental, pode ser caracterizada a partir de diversas dimensões: melodia, que é a sequência de tons que nós podemos facilmente lembrar; a harmonia, que é o sistema que ordena a melodia; o ritmo, que é o tempo da progressão musical; o fraseado, que é a ligação e a separação das notas em unidades mais amplas; a dinâmica, que são as variações de sonoridade e velocidade; a forma, que são os padrões mais amplos de repetições; e a orquestração, que é a designação dos instrumentos para papeis específicos. Cada uma dessas características possui suas próprias convenções que, separadas ou combinadas, podem servir como indicadores culturais. (BAUER, 2007, p. 378)

De acordo com seus ritmos, harmonias, melodias, dinâmicas, formas e orquestrações, as músicas outorgam identidade estética à obra, expressam emoções e sentimentos em colaboração com as imagens, ritmos e os demais sons, facilitam a

transição de sequências, substituem ruídos ou os transformam, justificam ações dos personagens, identificam um personagem ou remetem a ele quando não está presente. Os ruídos ou efeitos sonoros no audiovisual “são uma série de formas acústicas absolutamente heterogêneas, cuja única característica definida, em princípio, é não pertencer às formas musicais nem às da fala” (RODRIGUEZ, 2006, p. 177). Os ruídos possuem duas funções básicas: a função representativa, que dá realismo e verossimilhança à representação que o texto fílmico faz da realidade, ou que teria lugar no conjunto de ruídos captados desta realidade; e a função expressiva ou dramática, que cria um ritmo em consonância ou dissonância com as imagens, chama atenção sobre um aspecto da realidade mostrada, simboliza um personagem ausente, se integra com a música ou se contrapõe a ela.

Dentre os sons de uma obra, talvez o silêncio seja o mais dramático, se inclui o silêncio nos elementos sonoros uma vez que o silêncio absoluto não existe. “O silêncio não é ausência de som, mas sim sensação de ausência de som” (RODRIGUEZ, 2006, p. 183). Mesmo no caso do filme mudo, a opção do silêncio é narrativa. O silêncio chama atenção por se distanciar do cotidiano ruidoso em que somos imersos. O silêncio funciona como o invisível, o que se omite, por sua grande importância.