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Em uma época em que os imateriais se proliferam nos museus, é elucidativo retomar a influência dos meios de comunicação modernos, em particular o cinema e a fotografia, para a transformação dos museus. Ao colocarem em questão a noção de autenticidade e de “aura” - referências das obras de arte -, as técnicas modernas de reprodução determinaram mudanças significativas no universo museológico. Houve um desenvolvimento de novos procedimentos expositivos, principalmente a partir do final do século XX, quando, estreitada a relação entre público e museu, este espaço começou a ser visto como um meio de comunicação de massa. A noção de autenticidade das obras de arte está diretamente relacionada às técnicas modernas de reprodução (fotografia e cinema). Em um clássico texto de 1936, Walter Benjamin (1985, p.168) aborda essa noção da seguinte forma:

A autenticidade de uma coisa é a quintessência de tudo o que foi transmitido pela tradição, a partir da sua origem, desde sua duração materia l até o seu testemunho histórico. Co mo este depende da materia lidade da obra, quando ela se esquiva do home m através da reprodução, também o testemunho se perde. Sem dúvida, só esse testemunho desaparece, mas o que desaparece com ele é a autoridade da coisa, seu peso tradicional.

Justapondo as noções de tradição e autenticidade, o autor traz à discussão a perda da “aura” da obra de arte, como resultado da sua reprodutibilidade técnica viabilizada pelos meios de comunicação modernos.

Na definição de Benjamin (1985, p. 165-196) a aura é: “[...] uma figura singular, composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante, por mais perto que ela esteja.” O autor atribui a perda da aura ao desejo das massas de “ficarem mais próximas”, de possuir o objeto, “[...] de superar o caráter único de todos os fatos através

da sua reprodutibilidade.” (1985, p.170). Na sua percepção, a unicidade da obra se inscreve no contexto de uma tradição - como valor de culto e de sua função ritual -, associada a noções de “singularidade” e “permanência”. Isso contrasta com a “transitoriedade” dos objetos não- auráticos.

Para Benjamin, a importância das imagens de culto está na sua existência, pouco importando que sejam vistas. No entanto, quando essas imagens passam a ser multiplicadas pelos procedimentos técnicos dos meios, o valor de culto relativo às obras dá lugar ao seu valor de exposição.

Atualizado com o pensamento de Benjamin, Mário de Andrade, em um artigo datado de 1936, traz à tona o mesmo debate. Abordando as mudanças nos procedimentos expositivos e a sua repercussão na relação entre o público e os museus, o autor problematiza as possibilidades geradas pelos meios técnicos modernos, enquanto recursos museográficos que influiriam decisivamente nos destinos do museu:

A museografia contemporânea vai t ransformando comp leta mente o conceito que tradicionalmente se tinha do museu de artes. Não estou longe, aliás de crer que e m grande parte a concepção verdadeira mente pedagógica, verdadeira mente ativa de disseminação de cultura, do conceito atual do museu, é devida ao extraordinário poder da técnica moderna e de seus me ios de reprodução. A técnica veio, si não transformar, pelo menos incitar e auxiliar enorme mente o conceito contemporâneo do museu (ANDRADE, 2005, p.127).

Entretanto, se Benjamin se refere a uma ampliação do “valor expositivo”, Mário de Andrade aponta a importância da técnica, por facilitar a “desaristocratização” da obra-prima:

O que de principal nos podemos tirar da Gioconda, a reprodução dela nos dá. Seja mos reais. Em ve z de tortuosos museus de belas artes, cheios de quadros

verdadeiros de pintores medíocres, com menos dinheiro abra mos museus populares

de ótimas reproduções feitas por meios mecânicos. Co m todas as escolas de artes representadas por seus gênios maiores e suas obras principais. Museus claros. Museus francos. Museus leais. (ANDRADE, 2005, p. 130)

A partir do pensamento desses autores, outro ponto, referente ao acervos museológicos, ganha importância, qual seja, a historicidade dos meios de produção, a circulação e o consumo de linguagens, de informação e de cultura. Como nos lembra Santaella (1996, p.151), embora tenhamos a ilusão de que os “bens culturais” sejam eternos, eles estão sujeitos ao desgaste do tempo, tanto quanto quaisquer outras coisas. Isso significa que: “[...] a criação da arte, da ciência e da cultura tem bases históricas e materiais e depende

de meios também históricos e materiais de produção, circulação e difusão, que determinam e implicam novas formas de recepção e consumo.”

Essa reflexão é relevante, especialmente para aferir o impacto das tecnologias nos museus. Também é elucidativa, ao concluirmos que a fotografia possibilitou a todos dispor, individualmente, de um largo acervo de imagens, inclusive superior às coleções de qualquer instituição. Com o desenvolvimento d as tecnologias digitais essa possibilidade é ampliada; cada um de nós pode criar um museu virtual particular. Portanto, com o surgime nto de tecnologias dessa espécie, além da revisão nas noções de acervo, parece imprescindível aos museus rever as suas próprias funções.

Igualmente, em um outro texto emblemático escrito no ano de 1947, André Malraux expõe a idéia de um museu imaginário para abordar a substituição do objeto único, ligado às formas artesanais de produção, pela produção das obras de arte resultantes da reprodutibilidade técnica. Essa versão museográfica permitiria que todas as obras de arte do mundo fossem fotografadas e de lá assumissem o seu lugar. O acesso universal proporcionaria a todos construir o seu próprio museu, bastando, para isso, selecionar as imagens de sua preferência. Battro (1999) anota que o museu imaginário de Malraux não é um produto volátil, mas uma grande coleção mundial de imagens, reproduzida graças à tecnologia moderna.

Pode-se ver que a idéia de Malraux, lançada há mais de meio século, contém o germe da atualidade, com o surgimento das tecnologias do virtual. De lá para cá, a reprodução de imagens ganhou uma dimensão planetária, espraiando-se por grande parte dos acervos museais. Esse fenômeno tornou cada vez mais questionável a presença dos objetos “autênticos” nos museus. A partir do tratamento digital da informação, a cultura da reprodutibilidade dá lugar à cultura do virtual. É incontestável que os museus virtuais materializaram o imaginário de Malraux.