• Nenhum resultado encontrado

As tendências e desafios para a Política de Assistência Social

2.4 A Política de Assistência Social como determinante estratégico no

2.4.2 As tendências e desafios para a Política de Assistência Social

reco-mendações para a gestão da pobreza (ou administração da superpopulação relativa), que atinge tanto a força de trabalho em execução de atividades laborativas, como os desempregados. Estas estratégias contém as conquistas dos trabalhadores, sem, porém, interferir no processo econômico, investindo em políticas públicas que favoreçam o desempenho do mercado e do social.

Segundo Mota, Maranhão e Sitcovsky (2010) as políticas de proteção social manifestam as contradições e antagonismos entre as classes sociais, dependendo do nível de socialização política da classe trabalhadora e das estratégias do capital. Diante deste contexto, o usuário da política de assistência social passa a ser, também, os trabalhadores precarizados e suas famílias.

A conjunção entre expansão pública e mercantilização faz parte das proposições neoliberais, postuladas como assecuratórias da equidade, cujo princípio é dar mais a quem tem menos. O que chama atenção é a capacidade que tiveram as classes dominantes em capitalizar politica-mente a Assistência Social, transformando-a no principal instrumento de enfrentamento crescente pauperização relativa, ampliando o exército industrial de reserva no seio das classes trabalhadoras. Em tal contexto, um dos instrumentos de repolitização da política, como parte da peda-gogia da hegemonia, consistiu em definir este segmento de classe como “excluídos” e os programas de Assistência Social como estratégia de

inclusão (MOTA, 2010, p. 141).

Segundo Mota (2010), diante das políticas que pertencem a Seguridade Social no Brasil (saúde, previdência social e assistência social), há um movimento reverso entre elas. Enquanto expande-se o processo de privatização e mercantilização da saúde e previdência social, a assistência social se amplia, tornando-se um novo fetiche de enfrentamento à desigualdade social, como a principal forma de proteção social no Brasil.

Governos de esquerda e centro-esquerda na América Latina propõe, então, uma combinação de medidas de incentivo ao crescimento econômico, articuladas a

políticas compensatórias, tendo em vista o ataque aos direitos e a precarização do trabalho. Segundo Mota, Amaral e Peruzzo (2012), isto sustenta a ilusória ideia de haver crescimento econômico com desenvolvimento social e ambiental, visando a superação das desigualdades sociais, com promoção da equidade através de políticas públicas, como a assistência social. Neste enfoque, percebe-se que as desigualdades sociais persistem, e o que muda são as formas de seu enfrentamento, com políticas de inclusão e mínimo sociais, voltados para os segmentos mais pobres.

Mauriel (2012) em sua obra reforça a estreita relação entre o combate à pobreza sob o oferecimento do Estado na promoção de capacidades, por meio da PNAS/2004. Deve atuar com uma rede protetiva de combate à pobreza extrema e prevenir situações de risco e vulnerabilidade social. E ainda, possibilitar que estes segmentos tenham acesso ao consumo no mercado e outros bens e serviços.

O que se verifica, contudo, é que a tardia institucionalização da Política de Assistência acontece num ambiente onde o tratamento da questão social centrado no combate à pobreza focalizada só fez aprofundar o processo de desconstrução simbólica e ideológica da Seguridade enquanto base para pensar e construir as políticas sociais, dificultando justamente o caráter intersetorial que tal política deveria ter com as demais políticas públicas (MAURIEL, 2012, p. 189).

Isto confere à política de assistência social um novo formato, principalmente, com a centralidade nos programas de transferência de renda para o combate à pobreza. A implantação da Política Nacional de Assistência Social demonstra que muitos de seus mecanismos vem sendo implementados, porém, a autora aponta que houve uma contra partida: a subtração de direitos de parte da classe trabalhadora.

E isso não se faz aleatoriamente. Ora, se consideramos a seguridade social como uma das mediações do processo de reprodução social, como um mecanismo que tem uma base material, fundado em necessidades objetivas, mas que ao transitar na esfera das superestruturas, como insti-tuição social e mecanismo de enfrentamento da desigualdade, adquire um caráter ideológico e político, tal desenho adquire outro significado político (MOTA, 2010, p. 135).

O tratamento da pobreza na política aparece de forma desvinculada aos determi-nantes estruturais, sem captar as desigualdades como fruto do processo de exploração de uma classe social, que tem sua situação socialmente determinada neste sistema. Seguindo esta ideia, a assistência social constrói uma ação acentuada no indivíduo. Indo mais além, observa-se uma tendência a segmentação da exclusão, classificando entre os pobres, aqueles que possuem uma condição ainda mais inferior, para serem atendidos pela política de assistência social, o que leva a um conflito e a promoção de estigmas entre os usuários.

A “nova” concepção de Assistência, como a própria PNAS afirma, corrobora com os princípios e conceitos presentes na teoria do desenvol-vimento humano como liberdade de Amartya Sen, base que fundamenta os documentos dos organismos multilaterais como Banco Mundial e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e Orga-nização Mundial do Comércio (OMC) (MAURIEL, 2012, p. 190).

Aqui, entra o papel da burguesia que através do Estado manuseia os direitos para garantir os seus interesses e legitimar-se. As críticas estão na ausência da concepção uni-versal de proteção social e de que a assistência abarcaria aqueles que não estão inseridos no mercado de trabalho ou estão exercendo atividades precarizadas. O investimento agora consistiria em políticas inovadoras de geração de renda das últimas décadas, com políticas voltadas para a ampliação das demandas no mercado e ampliação da oferta de trabalho. Estas políticas de ativação do mercado de trabalho, seria estrategicamente uma forma de combate à pobreza, segundo esses órgãos internacionais.

A partir dos anos 2000, vemos no Brasil a implementação de programas de transferência de renda, pautadas na lógica compensatória e criteriosa, onde o programa com mais número de beneficiários e que se mantem até hoje é o Bolsa Família. Este programa vem sendo amplamente elogiado pelo Banco Mundial, que chega a sugerir que sejam implementados nos países africanos, no enfrentamento a pobreza extrema e as desigualdades sociais, defendendo que “[· · · ] tais programas, além de primar pela modernização dos instrumentos técnicos para refinar a seletividade e manter a focalização nas camadas mais pobres são considerados como capazes de atuar no fomento ao capital humano” (MOTA; AMARAL; PERUZZO, 2012, p. 166).

Arma-se a burguesia de instrumentos para esgarçar a história relação entre trabalho e proteção social, posto que a partir de então a tendência é ampliar as ações compensatórias ou de inserção, antes restritas àqueles impossibilitados de prover o seu sustento e, ao mesmo tempo, impõe novas condicionalidades de acesso aos benefícios sociais e materiais nos casos de afastamento do trabalho por doenças, acidentes, invalidez e desemprego temporário, para não falar da perda do poder aquisitivo das aposentadorias e pensões por velhice, morte, invalidez e tempo de contribuição/idade (MOTA, 2010, p. 137, grifos do autor).

Nesta direção, observa-se a centralidade da política de assistência social no enfrentamento da pauperização. Assume a posição de política estruturadora. O foco no tratamento da questão social no Brasil, estaria pautada nas premissas de organismos financeiros internacionais, destacando os programas de transferência de renda, no combate à pobreza. Para Sitcovsky (2010) a abertura para as propostas destes organismos financeiros pautam-se na defesa da ausência do Estado no âmbito das políticas sociais e da ampliação da participação da sociedade civil, sob o argumento da garantia da democratização. O autor afirma ainda que, estas instituições defendem a redefinição das ações do Estado e da sociedade civil neste processo.

Esta tendência à transferência da operacionalização da assistência para a sociedade civil, especialmente as associações comunitárias, estão sedimentadas no discurso de ampliação da participação o que minimiza, quando não aniquila, a possibilidade de formulação e de veiculação de vontades coletivas ligadas a projetos societários das classes subalternas, visto que estas associações são deslocadas para a execução direta de serviços assistenciais (SITCOVSKY, 2010, p. 173–174).

Deslocar as funções para a sociedade civil na execução da política de assistência social, segundo Sitcovsky (2010), leva ao apassivamento da classe trabalhadora e usuária da política de assistência social. O autor defende ainda a reforma intelectual e moral deste segmento, através do avanço da ideia de atendimento individualizado, perdendo o caráter do combate de classe.

Mota, Maranhão e Sitcovsky (2010, p. 182–183) apontam cinco elementos sobre as tendências atuais da Seguridade Social: a regressão das políticas, voltando-se para medidas compensatórias de combate à pobreza extrema; privatização e mercantilização de serviços; emergência do voluntariado e empresas socialmente responsáveis; surgi-mento de categorias que impedem a análise crítica da realidade social; a ausência de um debate vinculado entre a política de assistência social e políticas de intervenção sobre o trabalho.

Mota (2010) afirma que a assistência social afirma-se como um mito social, devido sua condição ideológica e prática, “[· · · ] robustecidas no plano superestrutural pelo apagamento do lugar que a precarização do trabalho e o aumento da superpopulação relativa tem no processo de reprodução social” (MOTA, 2010, p. 141). O enfoque estaria justamente na centralidade da assistência social na atual conjuntura, afirmando no combate à pobreza, dentro dos moldes ideológicos da classe dominante.

Logo, verifica-se uma conjuntura de acentuação e regressão do SUAS através de três vetores: destituição das forças produtivas, com o aumento do desemprego, da pauperização e da precarização do trabalho; aumento da demanda da política de assistência social. Como estratégias de ação, seguiu-se as premissas de Amartya Sen, com o desenvolvimento de capacidades para superação da vulnerabilidade social. Observa-se que a precarização do mundo do trabalho atinge também os profissionais da assistência social, o que pode comprometer os serviços, verificando uma mercantilização da política de assistência social, a partir dos programas de transferência de renda e, por fim, uma expropriação da assistência social.

2.4.3 A Política Nacional de Assistência Social: para quê e para quem?