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Como destaca Chesnais (1996, 2013), as práticas das empresas transnacionais (ETs) diferem bastante das empresas domésticas, em especial pelo poder que exercem sobre a produção, a proteção e o comércio mundial de tecnologia, pelo seu poder financeiro e de escala e pelas suas relações monopolísticas mútuas, conjunto de ações que caracteriza a sua estratégia “tecno- financeira”, a qual apresenta um regime de “financeirização” – uma vez que seu regime de acumulação tem forte conexão com o mercado financeiro, a desregulamentação e a liberalização da economia – e constrói as cadeias mundiais de valor capazes de fazer com que o poder decisório das ETs suplante aquele exercido pelos Estados. A esse seleto grupo, conforme explica o autor francês, pertencem os maiores e mais ricos grupos industriais do mundo, responsáveis por no mínimo um terço do investimento externo direto (IED) realizado até os anos 1990. Conforme Cassiolato (2013), o impacto das ETs no IED e na economia global apenas se aprofundaram após os anos 2000, como mostram os dados extraídos pelo autor da UNCTAD:

De acordo com a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), na década de 1990 havia 37.000 ETN com 175.000 subsidiárias no exterior. No final de 2007, elas já eram 79.000 com um total de 790.000 filiais estrangeiras. Sua importância na economia mundial é correspondente. Estima-se que as ETN geraram em todo o mundo, tanto no país sede quanto no exterior, um valor adicionado de aproximadamente US$ 16 trilhões em 2010, representando mais de um quarto do produto interno bruto (PIB) global. As trocas entre matrizes e filiais representavam, no mesmo período aproximadamente 60% do comércio mundial (UNCTAD, 2011). (CASSIOLATO, 2013, p. 365)

Quanto à origem, esses grupos são resultados de um complexo processo histórico de concentração e centralização de capital que se diversificaram e se internacionalizaram de maneira organizada, posteriormente formando holdings com grande poder de mercado, produção em escala, fontes de financiamento e capacidade tecnológica que fizeram com que fossem capazes de sobrepujar empresas locais em diferentes países, o que permite tanto a produção quanto a pesquisa em âmbito mundial, embora as ETs mantenham bases em seus países pelo menos na defesa de seus interesses, como explica Miranda (2014). Assim, como mostram Miranda (2014) e Cassiolato (2013), as ETs dominam as atividades de P&D em âmbito mundial, mas internacionalizar a produção de tecnologia não significa que o acesso às suas inovações é facilitado, pois concentram o

conhecimento adquirido nos países-sede144, como mostram os dados compilados

por Cassiolato:

Estas empresas também dominam a produção global de tecnologia e são responsáveis pela grande maioria dos gastos privados em pesquisa e desenvolvimento (P&D). De acordo com informações do EUROSTAT da União Europeia, as maiores 1.500 ETN foram responsáveis por aproximadamente 90% dos gastos globais em P&D em 2012 (European Union, 2013). Suas atividades tecnológicas estão fortemente concentradas nos países-sede. Por exemplo, os gastos em P&D das subsidiárias das ETN norte-americanas correspondiam, em 2007, a apenas 17% daquelas das matrizes; a maior parte destes gastos das subsidiárias eram realizados em outras nações desenvolvidas (UNCTAD, 2008). (CASSIOLATO, 2013, p. 366)

Como destacado no capítulo 1, essas empresas têm como sua principal estratégia de concorrência a inovação, entendida em sentido amplo, mas a curto prazo exercem práticas restritivas, que incluem estratégias oligopolistas para controle de mercado e estratégias ativas de seus direitos de propriedade intelectual, em especial quanto a marcas e patentes. Nesse sentido, destaca-se a capacidade de internacionalização das ETs em todas as cinco áreas consideradas mais relevantes para a consolidação da capacidade tecnológica e inovativa, como mostrado na tabela 2, extraída das obras de Chesnais (1996) e apresentada anteriormente.

Na visão de Chesnais (1996), apenas a participação dos agentes em todos os campos da internacionalização permite o usufruto de todas as vantagens que a desconcentração produtiva, financeira, de pesquisa e mesmo de ativos intangíveis pode oferecer. O autor francês resume, com base em J.H. Dunning, as vantagens advindas da mundialização e das opções de localização, as quais incentivam as ETs a adotarem essas práticas:

144 No mesmo sentido, as atividades de P&D, como bem mostram Chiarini e Silva (2017) e Miranda

Tabela 3 Vantagens da Mundialização

Vantagens específicas da companhia

Vantagens decorrentes da internacionalização

Variáveis que afetam as opções de localização (positiva ou negativamente) A. Vantagens próprias em sentido estrito. Propriedade de tecnologia. Dotações específicas (pessoal, capitais, organização). B. Vantagens ligadas à organização como grupo. Economias de escala, economias de envergadura. Poder de mercado como comprador e como vendedor. Acesso aos mercados (de fatores e de produtos). Multinacionalização anterior. Conhecimento do mercado mundial. Aprendizagem da gestão internacional. Capacidade de explorar as diferenças entre países. Aprendizagem da gestão de riscos.

Economias de transação na aquisição dos insumos (inclusive tecnologia).

Redução da incerteza. Maior proteção da tecnologia.

Acesso às sinergias próprias das atividades interdependentes.

Controle da validade e das iniciativas. Possibilidade de evitar ou de explorar medidas governamentais (especialmente fiscais). Possibilidade de praticar manipulação dos preços de transferência, fixação de preços predatórios etc.

Recursos específicos do país. Qualidade e preço dos insumos.

Qualidade das infraestruturas e externalidades (P&D etc.).

Custos de transporte e de comunicação.

Distância psicológica (língua, cultura etc.).

Política comercial (barreiras tarifárias e não-tarifárias, contingenciamento).

Ameaças protecionistas. Política industrial, tecnológica e social. Subvenções e incentivos para atrair as companhias.

Fonte: Chesnais (1996)

Como visto anteriormente, as patentes, em especial, são formas específicas de garantir a apropriação dos frutos financeiros e monetários de uma inovação, de forma que o controle sobre esse direito e os demais direitos de

propriedade intelectual (DPI) fazem parte das estratégias concorrenciais de todas as ETs devido à forma dinâmica do capitalismo – sistema que ganha mais velocidade em períodos recentes, quando a obsolescência da tecnologia é cada vez mais rápida e a sua substituição e imitação também. De fato, grande parte da pressão mundial pela maior proteção aos DPI deve-se exatamente à insegurança crescente das empresas em conseguirem a apropriação dos frutos de seus ativos imateriais, como mostrado em capítulo anterior, mas também devido ao aumento dos custos com P&D – o que está relacionado às exigências para avanços técnicos dentro do novo paradigma tecnológico, aumento dos campos científicos e tecnológicos relevantes para o crescimento da firma e ao aumento da competição com base em inovações – com consequente maior necessidade de valorizar esses ativos (CHESNAIS, 2013). Assim, dada a importância desses ativos e de sua proteção, a moderna gestão da propriedade intelectual (GPI) coloca-os como essenciais para todas as estratégias das ETs, que podem, por meio deles, manter bases de pesquisa em locais com proteção mais forte e estabelecer postos de venda em países em desenvolvimento (PEDs) e países de menor desenvolvimento relativo (PMDRs) com a salvaguarda de que seus produtos – a maioria dos quais comercializados nestes lugares apenas depois de maduros - não serão copiados.

A partir da literatura podemos definir as seguintes estratégias, complementares entre si, com respeito à gestão dos direitos de propriedade intelectual:

 Prática ou exclusividade: As ETs podem explorar suas patentes e assimilar os valores da sua própria produção exclusiva. O DPI aqui garante exclusividade à empresa porque as concorrentes não estão autorizadas a produzir aquele produto ou usar um processo protegido que seja mais eficiente, usar uma marca renomada, dizer que seus produtos vêm de uma região da qual eles não vêm, usar softwares exclusivos ou copiar uma topografia de circuito integrado. Essa estratégia, portanto, é o próprio uso do DPI pela ET, o que lhe garante exclusividade em face da concorrência.

 Licenciamento e licenciamento recíproco: Caso uma ET queira explorar algum mercado sem a necessidade de usar uma filial, ela pode licenciar o DPI em questão para empresas nacionais ou mesmo

realizar a cessão dos direitos sobre o DPI. Por outro lado, a possibilidade de obter lucros por meio do licenciamento faz com que várias ETs mantenham a titularidade de patentes mesmo sem explorá- las, ou seja, lucrando apenas com o licenciamento do direito. Há casos mais paradigmáticos, como de patents holding companies, nos quais as empresas apenas desenvolvem inovações para licenciar os DPIs resultantes para que outras os explorem ou então comprem DPI de empresas menores para realizar o licenciamento em larga escala sem se dedicar à produção. Outro uso comum do licenciamento, destacado na obra de Chesnais (1996), é o que integra as estratégias de oligopólios das ETs, as quais formam alianças para garantir o acesso recíproco de tecnologias complementares. Exploraremos mais esse tema abaixo.

 Litigância: trata-se de uma estratégia de uso ativo do Poder Judiciário com intenções não apenas de proteção, mas de garantir lucro econômico com ações e acordos. Essa estratégia depende de uma pasta ampla de DPIs e do uso de advogados especializados e consiste na verificação dos produtos de concorrentes em busca de possíveis violações ou expectativas de violações a esses direitos. Caso paradigmático foi o da empresa canadense BlackBerry (Research In Motion Limited), acusada pela patent holding company estadunidense NTP. Inc., por ter supostamente violado algumas de suas patentes. Mesmo com a dúvida a respeito da infração, a BlackBerry sofreu pressões de acionistas e do governo estadunidense que a forçaram a aceitar um acordo milionário em benefício da NTP.

 Barreiras à entrada: essa estratégia consiste na utilização dos DPI como uma barreira ativa para que outras empresas não entrem no mercado. Isso pode ser feito pelo controle de tecnologias centrais para a produção; pelo estabelecimento dos critérios de uma indicação geográfica; ou mesmo pela proteção de uma marca que já se tornou referência para o produto, como o caso da marca Maizena, dominante

no mercado de amido de milho145.

 Garantia fiduciária: os direitos imateriais de uma ET podem equivaler a mais de 70% do seu valor total. Esse fato possibilita a estratégia utilização dos DPIs para o levantamento de recursos financeiros que não são possíveis para outras empresas. Nesse sentido, DPIs com mais liquidez no mercado, como patentes, marcas e direitos de autor, podem servir como garantias para essa alavancagem, assim como aumentam o poder de negociação dessas empresas.

A possibilidade da utilização de DPIs nessas estratégias deve-se à própria formação tecno-financeira das novas ETs, a qual possibilita um novo tipo de internacionalização baseado nos ativos intangíveis, com competitividade baseada em know how e pesquisa e desenvolvimento (P&D), como já mencionado. Nesse sentido, Luna e Baessa (2008), em seu reporte sobre a importância dos DPIs para as empresas modernas, verificam a literatura empírica sobre como a apropriação do conhecimento está relacionada com a produtividade de uma empresa e comprovam uma relação positiva entre essas duas variáveis. No mesmo sentido, Corrado, Hulten e Sichel (2004) verificaram que os gastos dessas empresas com P&D e com o investimento e a manutenção de ativos intangíveis aumentou desde 1995146,

período em que o acordo TRIPS/OMC entrou em vigor, coincidindo também com um aumento de produtividade das ETs, o que, conforme os autores, pode indicar uma relação entre essas variáveis, ainda mais se considerarmos a importância que as empresas dão a esses ativos e como constantemente lutam para protegê-los.

A importância que as ETs dão ao sistema nacional de direitos de propriedade intelectual (SNDPI) de um país e aos seus ativos intangíveis mostra-se clara tanto no que diz respeito à sua atuação para a aprovação do TRIPS, como

145 No caso da marca Maizena, segundo o guia “Valuable Trademarks in Brazil”, o domínio chega a

90% do mercado pela referência da marca em relação ao produto.

146 O período Pré-OMC, caracterizado por nós como período o de transição que tem início no fim dos

anos 60 e término no ano em que essa instituição é criada, é estudado por Rod Falvey, Neil Foster e David Greenaway (2006), que concluem, com base no estudo de 80 países, que os DPI foram benéficos ao crescimento dos PDs entre 1975 e 1994, aumentando as rendas de monopólio e incentivando novas inovações. Porém, isso não ocorre com os PEDs, os quais tiveram mais problemas para a importação de tecnologia, por um lado, mas, por outro lado, suas empresas internas se beneficiaram das cópias e da contatração de tecnologia protegida nos PDs, o que só foi possível graças aos seus sistemas nacionais de direitos de propriedade intelectual (SNDPI) serem fracos.

verificado no capítulo anterior, quanto pelas suas decisões de investimento e licenciamento de tecnologia. Nesse sentido, reportam Luna e Baessa (2008) que vários estudos empíricos vão na direção de que o nível de proteção à propriedade intelectual em um país influencia tanto a decisão de produção ou licenciamento da tecnologia quanto na composição desses investimentos, uma vez que essas empresas podem preferir apenas ter canais de distribuição em mercados relevantes, sem realizar qualquer tipo de transferência de tecnologia. Ressalta-se que se a marca da empresa não for respeitada, mesmo essa decisão de vendas pode ser afetada.

Chesnais (1996), igualmente, também destaca as “novas formas de investimento” que surgiram nos anos de 1965-75 se intensificaram nos anos posteriores, em especial nos anos de 1990, quando a OMC/TRIPS entrou em vigor. Segundo o autor, essas novas formas de investimento (NFI) são definidas em contraposição ao investimento externo direto (IED), o qual representa aporte de capital monetário, pois trata-se da compra de frações de capital de uma companhia ou a criação de joint-ventures sem qualquer aporte financeiro, mas tão somente o fornecimento de ativos imateriais, como know how de gestão, licenças de tecnologia em geral, franchising e leasing. A lógica dessas empresas, portanto, não é a da venda da tecnologia (cessão), mas da valorização de tecnologias já ultrapassadas em seu país de origem, o que se dá em especial com relação aos países em desenvolvimento (PEDs) e países de menor desenvolvimento relativo (PMDRs)147 ou

ter acesso a tecnologias complementares, o que permite a construção de mercados internos entre o próprio grupo, o que permite também que a ET tenha mais controle sobre os seus segredos industriais e comerciais (SIC) e sobre a internalização do conhecimento tecnológico. Como consequência, os países periféricos são obrigados a negociar em termos desiguais com as ETs para garantir o seu acesso às tecnologias protegidas, o que pode ocasionar a presença de cláusulas abusivas nos contratos de transferência de tecnologia, assim como a importação de tecnologia inadequada para os fins planejados pela nação subdesenvolvida.

Vista a importância dos ativos imateriais às estratégias das empresas

147 Chesnais (1996) mostra que as ETs aceitam partes do capital e o pagamento de royalties por

marcas, marketing e tecnologia de empresas de PEDs e PMDRs apenas quando não considera que elas possam ser uma ameaça concorrencial.

transnacionais e também a importância que a transferência de tecnologia representa para essas empresas e para os PEDs levantaremos os principais aspectos desses contratos, cuja regulação integra o SNDPI de um país.

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