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Capítulo 1 A biblioteca na universidade moderna

1.1 O aparecimento da universidade moderna

1.1.1 As universidades brasileiras

No Brasil, a criação de Instituições de Ensino Superior (IES) sempre esteve associada à ideia de modernização, conforme afirma Meneghel (2002). Inicialmente mantidas e controladas pelo Estado, elas atendiam a demandas pontuais de formação

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de mão de obra e foram, aos poucos, vinculadas ao ‘ideal’ de levar o país à ‘modernidade do primeiro mundo’, por promoverem o desenvolvimento da cultura, da ciência e da tecnologia. A introdução no país do modelo moderno de ensino e pesquisa, iniciado na Universidade de Berlim por Humboldt, em 1808, deu-se apenas com a criação da Universidade de São Paulo (USP), em 1934. Até então, as escolas superiores, criadas no Império para a elite, seguiam o modelo francês, ocupando-se da formação de Quadros/ profissionais para o Estado. Esta visão permaneceu até o final da IIª Guerra uma vez que não havia, no país, setor produtivo/empresas que demandassem avanço tecnológico. As atividades de pesquisa eram privilégio de alguns poucos institutos criados com este fim (Schwartzman, 1980).

Após a guerra, a industrialização no país demandava recursos humanos qualificados para atuar nas empresas multinacionais, aumentando a pressão por vagas suprida, principalmente, pela expansão da iniciativa privada. A vitória dos aliados, creditada aos cientistas das Universidades dos Estados Unidos da América, disseminou ainda mais a visão do caráter utilitário das IES e da pesquisa. Neste momento o Governo brasileiro iniciou a criação de uma estrutura de investigação acadêmica, daí a origem das primeiras agências de apoio e instituições de pesquisa (como o Conselho Nacional de Pesquisa/CNPq e o Instituto Tecnológico da Aeronáutica/ITA), em 1948 (Meneghel, 2002).

O ensino superior, no Brasil, surgiu a partir do século XIX, optando pelo modelo de universidade alemã, conhecido como modelo de Humboldt, como relatado anteriormente, onde prevalece a proteção do Estado. Na década de 1930, surgem no Brasil diversas universidades, entre elas a Universidade de São Paulo (USP), como elencada anteriormente, e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Somente a partir de 1960, a proposta de reforma universitária é “formulada a partir do princípio de organização [...], com predomínio do poder do Estado e limitação da autonomia universitária – modelo organizacional norte-americano, proposto para o ensino superior brasileiro” (Botelho, 2002, p.5). Ainda, conforme Botelho (2002) discorre, a autonomia universitária, de acordo com os indicadores definidos pelo Estado, é tratada na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) como eficiente no cumprimento das metas, sendo estimulada a buscar vínculos com o setor privado e organizações não governamentais.

A primeira Universidade do país totalmente concebida no modelo moderno foi a Universidade de Brasília/UnB, em 1961. Baseada na concepção tecnocrática norte-

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americana, com os princípios de produtividade, eficiência e eficácia, ela representava o ideal nacional de produzir a Ciência e Tecnologia (C&T) necessária ao desenvolvimento econômico do país.

O sistema de ensino superior no Brasil, com características relacionadas ao modelo moderno, somente a partir da Reforma Universitária de 1968, com a Lei nº. 5.540/68, que traz em seu texto, nos artigos 1º, 2º e 3º, que o ensino superior tem por “objetivo a pesquisa, o desenvolvimento das ciências, letras e artes e a formação de profissionais de nível universitário”, deverá ser “indissociável da pesquisa, será ministrado em universidades e, excecionalmente, em estabelecimentos isolados, organizados como instituições de direito público ou privado”. E as “universidades gozarão de autonomia didático-científica, disciplinar, administrativa e financeira, que será exercida na forma da lei e dos seus estatutos” (Brasil. Presidência da República, 1968). Em 1996, é sancionada a Lei nº 9.394/96, estando em vigor até os dias atuais, onde estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, em seu Art. 43, dispõe sobre a finalidade da educação superior:

I - Estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo;

II - Formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua;

III - incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive;

IV - Promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação;

V - Suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração;

VI - Estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade;

VII - Promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição (Brasil. Presidência da República, 1996).

Nos textos elaborados às leis de 1968 e 1996 percebe-se um avanço no que determina a legislação em vigor, características propostas no modelo de Humbodt, em tempos longínquos, a exemplo da liberdade, autonomia e interdisciplinaridade, são cada vez mais presentes nas instituições de ensino superior do Brasil. Questões atuais e globais são tratadas no texto e consequentemente inseridas nos currículos

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dos cursos ofertados pelas universidades e propostas de desenvolvimento de pesquisas, neste sentido, Zabalza (2004, p.22) afirma houveram muitas mudanças na educação do ensino superior nesses últimos anos:

Da massificação e progressiva heterogeneidade dos estudantes até a redução de investimentos; da nova cultura da qualidade a novos estudos e novas orientações na formação (fundamentalmente a passagem de uma orientação centrada no ensino para a orientação centrada na aprendizagem), incluindo a importante incorporação do mundo das novas tecnologias e do ensino a distância.

O contexto, ora apresentado, leva a perceber que a universidade brasileira experimentou mudanças complexas e muito mais importantes do que as ocorridas ao longo de toda sua história. O cenário de grandes mudanças, com forte impacto social, transformou os paradigmas dos modelos organizacionais, atribuindo ao elemento humano a força propulsora do processo e dos ajustes necessários. O ambiente digital é um novo território no qual a dimensão de tempo e espaço não é mais obstáculo para o conhecimento e a informação, tendo em vista que a posse dá passagem para o acesso ilimitado.

No mundo hodierno, os países e as pessoas não se dividem mais entre os que têm e os que não têm, mas entre os que sabem e os que não possuem conhecimento. O grande fosso que se abriu e se amplia continuamente está entre os que têm capacidade de transformar conhecimento em riqueza e aqueles que não apresentam tal capacidade. Essa questão está muito ligada às mudanças culturais que assistimos com o surgimento e uso das TIC no cotidiano, e a universidade brasileira segue tais mudanças sociais para evitar a estagnação. Contudo, Botelho (2002) atenta que é importante promover discussões sobre as direções que estão sendo seguidas e os efeitos da transição do capitalismo pós-moderno sobre as IES, para que se possa garantir o desenvolvimento equilibrado da universidade, sem eliminar sua função essencial de promover o progresso das ciências, voltado para o benefício da coletividade.

Portanto, as instituições devem estar atentas às mudanças e, assim, empreender profunda reflexão a respeito da preservação da cultura nacional, de extrema importância para o Brasil no contexto globalizado e perene capacidade de se construir um país mais justo por meio de educação de qualidade acessível a todos.

No Brasil a realidade do sistema universitário é difundida por Schwartzman (1980, p. 19), enfático ao afirmar que

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Na realidade, o sistema universitário hoje no Brasil combina o pior dos dois mundos: por um lado, um sistema altamente controlado, burocratizado e enrijecido; por outro, um predomínio de instituições de ensino privado, que primam pela baixa qualidade e custos crescentes para os estudantes.

Para os brasileiros, a universidade ainda é concebida um espaço para poucos privilegiados, e, neste sentido, Ristoff (1999, p.26) afirma que é preciso “engajar-se de forma clara num programa nacional que promova o acesso amplo das populações hoje excluídas”.

Habermas (1993) atenta para outro problema ao afirmar que a atividade científica continua, até hoje, a se desenvolver no âmbito de um sistema de instituições com funções múltiplas e convergentes em escolas superiores científicas, porém ainda não temos certeza se os grandes projetos e a investigação fundamental, deslocados para fora da universidade, serão capazes de se libertar totalmente do processo generativo da ciência organizada no âmbito dessas universidades, se essas formas de investigação conseguirão andar por si próprias, ou se manterão um estatuto parasitário.

A universidade ainda é para poucos e os avanços através das investigações revelam uma sociedade cada dia mais interligada e conectada. Ao longo dos anos a quantidade de alunos com acesso à universidade tem aumentado e a utilização de investigações em conjunto com a sociedade com vistas a resolver problemas sociais é algo perceptível e leva-nos a acreditar que o modelo traçado por Humboldt é atual e o que se vê como ideal. As mudanças culturais e tecnológicas deram um novo formato e multiplicaram a quantidade de informações e investigações, o conhecimento científico ganhou maior ordenação e acesso mais eficaz. Para tanto, a biblioteca universitária tem papel fundamental no processo de acesso e proliferação do conhecimento científico, ela se encaixa perfeitamente no modelo humboldtiano e surge para dar subsídio ao ensino, a pesquisa e a extensão, pois não se faz ciência sem ver o que já foi descoberto. Sabe-se que os avanços nesta área acompanharam as mudanças culturais e tecnológicas vivenciadas nos últimos anos e as bibliotecas universitárias ao acompanhar tais mudanças serviram e continuarão a servir de base e elemento fundamental para a investigação científica, conforme disserta-se na seção seguinte.

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1.2 A biblioteca universitária: de Gutenberg aos ambientes