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As visões antropológica e psicológica sobre o objecto

Público Acção

Esquema 12 – Ecossistema simbólico

3.3 As visões antropológica e psicológica sobre o objecto

Do ponto de vista da antropologia, Arjun Appadurai refere que os objectos têm vida social, reflectindo assim, uma visão provocadora para o estudo de um objecto: “ Tentei explorar a ideia de que precisamos esquecer as pessoas por um momento e pensar nas coisas, como se elas tivessem de certa maneira uma vida”.(1986)

Para o autor, mesmo que do ponto de vista teórico sejam as pessoas a dar significado às coisas, do ponto de vista metodológico são as coisas em movimento que activam os sentidos da vida humana, em contextos culturais e sociais. Assim, pode dizer-se que é mais útil investigar o objecto do que o seu proprietário, pois ainda que por um determinado período essa duas biografias se entrelacem, elas têm trajectórias distintas e determinados objectos sobrevivem aos seus fabricantes e usuários. O valor destes objectos, segundo Appadurai, é intrínseco e pode ser determinado objectivamente, sendo sempre contingente e relativo, no tempo e no espaço. A ênfase desloca-se, então, para o estudo dos movimentos históricos dos objectos, para a análise das contingências históricas, sociais e políticas que conformam as suas biografias culturais:

“Focusing on the things that are exchanged, rather than simply on the forms or functions of exchange, makes it possible to argue that what creates the link between exchange and value is politics, construed broadly. (…)[C]ommodities, like persons, have social lives“ (idem:3).

Deverá então considerar-se que as pessoas dão valor às coisas e as coisas valorizam as relações sociais. Assim, o significado que as pessoas atribuem aos objectos decorre necessariamente das transacções e motivações humanas, nomeadamente de como os objectos são utilizados e distribuídos. O autor refere-se ainda às mercadorias que deixam de ser objectos para se tornarem plenamente sujeitos, que têm uma individualidade própria inscrita nas suas formas, nos seus empregos e nas suas idades. Seguem um ciclo de vida, nascem, amadurecem, envelhecem, adoecem e morrem; são nomeadas, têm parentescos, evoluções e mutações, sensibilidade e inteligência; constroem uma biografia. As mercadorias são então, sujeitos com movimentos. Appadurai argumenta que, em certo sentido, as mercadorias têm uma forma particular de potencial social e se distinguem dos objectos, produtos e artefactos. Com isso, aponta a possibilidade de observar de forma ampla as mercadorias como sujeitos repletos de representações. Para Appadurai, o objecto passa pela fase de mercadoria sempre, seguindo depois a sua trajectória sob outros estados, tendo outras funções sociais, como é o caso de objectos que estão em museus. Trata-se de objectos que já foram mercadoria de algum tipo, mas cuja trajectória os desviou da circulação de troca para outros tipos de circulação (1986:6).

O campo da psicologia também se mostra relevante na visão do objecto. No presente estudo teve-se também em conta a abordagem da neurobiologia, representado por Damásio, demonstrativo de que o sujeito tem consciência do objecto, não só pela sua percepção, mas pela interacção e experiência com este, sendo que esta se experiência torna deste modo, a base do conhecimento (2004).

Damásio faz um estudo neurológico sobre a construção da consciência, onde começa por definir o proto-si, o si-nuclear, a consciência nuclear, o si autobiográfico, a consciência

alargada, e por fim, os relatos. Estas etapas da consciência são definidas como “um conjunto

coerente de padrões neurais”, ou por outras palavras, o material de que é feito o sujeito, estando permanentemente disponível e distinto de sujeito para sujeito, o que torna todas as experiências diferentes. Neste sentido, a tomada de consciência do objecto tem inicio com o si-nuclear, representando as adaptações que o corpo experimenta na relação com algo exterior, sendo instintivo, nem consciente, nem realizável, no entanto, faz parte do “eu”. De seguida, a consciência nuclear, que “constitui ela própria o conhecimento”, dá lugar à consciência, no entanto, ainda não é reportada para o exterior. Segue-se o si autobiográfico, etapa que abrange o espaço imagético e o espaço disposicional, onde se faz a montagem do grande filme da nossa consciência. Sucede-se a consciência alargada, com capacidade de

reactivar experiências, através de outros registos que não se relacionam directamente com a experiência tida (idem). O desafio de um designer é conseguir essa reactivação, que no presente estudo é adequada às pessoas que experimentam os lugares problemáticos, onde devem, depois de percorrer as anteriores etapas, conseguir reactivar experiências, para que desta forma tomem consciência familiar (através do contacto com o objecto doméstico) do espaço

Por fim, os relatos, que se adquirem depois do contacto com os objectos e podem ser divididos por três ordens:

- o relato de primeira ordem: acontece num primeiro contacto com o objecto e, produzido pelo proto-si na metamorfose do corpo que não é verbalizado;

- o relato de segunda ordem: acontece nos contactos seguintes com o objecto e são representações imagéticas;

- o relato de terceira ordem: acontece na representação da reactivação e são de natureza verbal e todos os seus deferimentos.

Todos estes relatos estão em comunicação permanente e contribuem para a compreensão do objecto, que segundo a autor é “capaz de desencadear emoções fortes ou fracas, boas ou más, conscientemente ou não” (idem:63). Para o autor:

“Um dos sinais da nossa chegada à idade adulta é o de que poucos objectos neste mundo, ou mesmo nenhum, mantêm qualquer inocência emocional. É muito difícil imaginar objectos emocionalmente neutros. Alguns objectos evocam reacções emocionais fracas, quase imperceptíveis, enquanto outros evocam reacções emocionais fortes. Mas a emoção é a regra” (idem:64).

Para completar as considerações de Damásio, Donald Norman questiona-se sobre o que as pessoas amam e adoram, desprezam e detestam e afirma que o aspecto exterior de um objecto tem um papel relativamente inexistente nessas questões: “Aquilo que interessa, é na verdade, a história da interacção, as associações que se estabelecem com os objectos e as recordações que estes evocam” (2008).