• Nenhum resultado encontrado

As vivências de sofrimento no trabalho

No documento Download/Open (páginas 52-55)

CAPÍTULO 2 CONTRIBUIÇÕES DA PSICODINÂMICA DO TRABALHO

2.1 Organização de Trabalho

2.4.2 As vivências de sofrimento no trabalho

Outra dimensão relativa ao comportamento individual e coletivo no trabalho são as vivências de sofrimento e as defesas contra ele. As pesquisas em psicodinâmica e psicopatologia do trabalho mostram que, em face do sofrimento no trabalho, o sujeito se defende de forma individual e/ou coletiva. E essas defesas têm em comum funcionarem como atenuadores da consciência desse sofrimento, como uma espécie de analgésico.

Dejours e Jayet (1994) reiteram que o processo de análise do sofrimento beneficia os sujeitos, pois produz sentido em vez de defesas, isto é, torna possível um processo de reapropriação do sofrimento e da inteligibilidade das vivências subjetivas. Quando pode ser transformado em criatividade, o sofrimento gera uma contribuição que beneficia a identidade e aumenta a resistência do sujeito ao risco de desestabilização psíquica e somática.

No entanto, os esforços de visibilidade chocam-se diretamente com o esforço para eufemizar a consciência do sofrimento. Deve-se considerar, na análise da qualidade da discussão e da deliberação, as distorções de comunicação ocasionadas pelas estratégias coletivas de defesa contra o sofrimento.

Mesmo que se utilizem estratégias defensivas, Dejours e Abdoucheli (1994) ponderam que o sofrimento é inevitável e mesmo que ele tenha raízes na história singular de todo sujeito, sem exceção, o sentido e o significado das manifestações de sofrimento não podem ser desvelados pela história do sujeito. O sentido e o significado das manifestações de sofrimento residem na natureza das condições sócio-profissionais e repercutem na complexa relação com a organização do trabalho.

Dejours (1987) explica que, às vezes, existe um espaço de liberdade que autoriza uma negociação, invenções e ações de modulação do modo operatório, isto é, uma invenção do

trabalhador da própria organização do trabalho, para adaptá-la às suas necessidades, e mesmo para torná-las mais congruentes com seu desejo. Por outro lado, se a negociação é conduzida até seu último limite e não pode haver nenhuma modificação na tarefa prescrita para realização do trabalho ou o rearranjo da organização do trabalho e se a história individual do trabalhador, portadora de projetos, de esperanças e de desejos, é ignorada, a relação homem-organização do trabalho fica bloqueada. Assim, começa o domínio do sofrimento – e da luta contra o sofrimento – e a energia pulsional, que não encontra descarga no exercício do trabalho acumula-se no aparelho psíquico, ocasionando um sentimento de desprazer e tensão.

Segundo Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994), essa energia não pode permanecer por muito tempo no aparelho psíquico e, quando as capacidades de contenção são transbordadas, a energia recua para o corpo, nele desencadeando certas perturbações semelhantes à angústia ou à onda de agressividade, que são somente mais intensas. Assim, mesmo se a fadiga resulte de uma carga psíquica excessiva ou da falta de carga física de trabalho, ela pesa sobre um ou outro dos setores do organismo psíquico e somático.

Esses autores lembram que o sofrimento pode aparecer primeiramente como uma vivência da insatisfação em relação ao conteúdo significativo da tarefa e pode exprimir-se, sobretudo, pela fadiga, que pode se tornar uma queixa somática, mesmo não havendo uma doença autêntica (legitimada pela forma de doença somática).

A fadiga costuma ser desqualificada como se fosse psicogênica, ou seja, quase uma simulação. Contudo, para Dejours (1992), a fadiga é simultaneamente psíquica e somática. É psíquica porque corresponde a um obstáculo para o psicossomático, e também por ser uma vivência subjetiva. A fadiga é ainda, e sobretudo, somática porque se manifesta claramente no corpo. Parece estranho, mas a fadiga não corresponde a um esforço muito grande dos órgãos do corpo, mas a uma repressão da atividade espontânea desses órgãos (motores e sensoriais).

Supõe-se que a fadiga e a difícil adaptação a um ritmo de produção elevado podem provocar perturbações passageiras nas defesas do organismo. A descompensação aparece como um quadro misto, associado à angústia, à irritabilidade e à depressão, e a vida do trabalhador é atravessada pela angústia gerada pelo trabalho. Se for razoavelmente bem controlado pelas estratégias defensivas, o sofrimento não se transforma em patologia, restando contudo saber se as descompensações são sempre evitáveis ou evitadas.

Conforme os estudos de Mendes (2007), as vivências de sofrimento são caracterizadas sobretudo por dois elementos, o desgaste e a insegurança. O desgaste refere-se ao sentimento de que o trabalho causa estresse, sobrecarga, tensão emocional, cansaço, ansiedade, desânimo e frustração, e a insegurança, ao sentimento de temor de não conseguir satisfazer as imposições

organizacionais relacionadas à competência profissional, produtividade, ritmos e normas de trabalho. Esses elementos estão esquematizados na figura 7.

Dejours (1992) comenta que há uma ansiedade que aparece especialmente em trabalhadores que começam a atuar em um novo posto, se há pouco ou nenhum preparo para as tarefas específicas ou diferentes das realiza, o que acontece em razão das súbitas mudanças de posto de trabalho, para quebrar um galho, como a substituição de trabalhadores ausentes em razão de licença-saúde ou acidente.

A questão fundamental, para Dejours (1992), diz respeito à localização do processo de anulação de um comportamento livre, operação mais difícil do que a observação direta de um comportamento abertamente patológico ou desadaptado.

Dejours (1992) ressalta que, qualquer que seja o regime político considerado, se ele pretende superar os obstáculos sócio-econômicos à felicidade, deverá ser julgado por sua capacidade de levar em conta a relação conflituosa entre a organização do trabalho e o aparelho mental. Não se trata apenas de considerar essa relação, mas investigar os meios que o aparelho mental usa para fazê-la evoluir em direção a um estado de menor tensão. A proposta consiste em examinar o que é obstáculo coletivamente experimentado por determinado coletivo de trabalhadores, no acesso a um trabalho mais satisfatório.

Figura 7 – Componentes das vivências de sofrimento, segundo Mendes

É preciso compreender que as resistências individuais pela insatisfação de necessidades acompanham resistências coletivas, no centro das quais se encontram as estratégias coletivas

Desgaste e

sobrecarga Insegurança

Vivências de sofrimento

dos bailarinos. Conforme Dejours (1992), por um duplo movimento, de transformação da organização do trabalho e de dissolução dos sistemas defensivos, pode nascer uma evolução da relação saúde mental-trabalho.

Em suma, as vivências de sofrimento podem ser mais facilmente visualizadas conforme se vê na figura 8.

Figura 8 – Os principais componentes das vivências de sofrimento

No documento Download/Open (páginas 52-55)