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Mediolanum no período pré-ambrosiano

Na obra Ambrogio Vescovo: Chiesa e Impero nel IV secolo, Lidia Mazzolani (1992, p. 35) afirma que repensar a cidade de Milão (Mediolanum), em meados do século IV, requer um esforço maior que para qualquer outra capital do Império. A razão para isso seria que, diferentemente de Arles, Trier, Aquileia e Ravena, cidades portadoras de um contingente expressivo de evidências arqueológicas, em Milão poucos vestígios se mantiveram na superfície após os bombardeios ocorridos na Segunda Guerra Mundial. De fato, entre outubro de 1942 e agosto de 1943, Milão sofreu graves ataques aéreos por parte dos Aliados que, munidos de bombas incendiárias, devastaram boa parte da área urbana. Segundo os dados apresentados por Caraci (1949), cerca de 3/4 dos edifícios históricos milaneses foram atingidos, dentre eles as igrejas de Santo Ambrósio, São Sátiro, Santo Eustórgio, São Lourenço, São Nazário e a igreja de Santa Maria da Graça, onde, por muito pouco, foi salva a Última Ceia de Da Vinci. Não obstante os estragos causados pela guerra, Milão sofreu novos danos decorrentes da construção da rede de metrô no final da década de 1950 e, posteriormente, de uma nova linha em fins dos anos 80, além da implantação da rede de estacionamentos subterrâneos, conforme denuncia Massimiliano David (2011, p. 6).

Apesar desse quadro de perda, nas últimas três décadas, os estudos sobre a cidade de Milão avançaram. Prova disso são os trabalhos escritos na década de 1980, por Richard Krautheimer e Mario Mirabella Roberti, resultado das descobertas que marcaram o Pós- Guerra.19 No que diz respeito ao período paleocristão, as últimas décadas também foram positivas devido à intensa atividade de restauração das principais igrejas de Milão. Constata- se aqui o reconhecimento das estratificações arquitetônicas, consequência das diversas reformas que os edifícios sofreram ao longo do tempo e a recuperação quase intacta da fase

19 Em 1983, Richard Krautheimer lançou, na versão inglesa, sua obra Three Christian capitals: topography and

politics. Logo em seguida, Mirabella Roberti publicou o seu Milano Romana. Ambos os autores se dedicaram à

análise da cidade no período paleocristão. Cabe destacar que a contribuição de Mirabella Roberti vai além de sua obra. De 1953 a 1973, Roberti foi Superintendente de Antiguidades da Lombardia e comandava um escritório praticamente com recursos pessoais. Nessa época, ele atuou contra a urbanização desenfreada da cidade, o que não agradou a opinião pública, pouco dada à proteção dos sítios arqueológicos (SANNAZARO, 2011, p. 01).

antiga. Segundo Sannazaro (2011, p. 1), "assim, foram descobertos testemunhos inéditos da arquitetura cristã primitiva, muitas vezes surpreendente também pelo estado de conservação".

Quanto à década de 1990, a descoberta da necrópole abaixo (Figura 1), localizada nos territórios da Università Cattolica del Sacro Cuore e próxima à basílica de Santo Ambrósio, deve ser considerada a mais extraordinária. De acordo com David (2011, p. 6), o exame do sítio possibilitou não apenas a compreensão de como Milão se transformou em uma cidade imperial no século IV, mas também de como se tratava de uma cidade multicultural e plurirreligiosa. Além das fontes arqueológicas, cabe destacar que alguns documentos eclesiásticos, como as epístolas ambrosianas, também contribuem para a compreensão das características da cidade no período tardo-antigo.

Figura 1 - Escavações da necrópole encontrada na área da

Università Cattolica

Fonte: David (2011, p. 21).

Apesar dos avanços, Milão ainda é lembrada nos livros de História como a cidade que se transformou em capital do Império Romano em 293, durante o governo de Diocleciano, ou então como a cidade que sediou o encontro de Licínio e Constantino, em 313, onde teria sido proclamado o pseudo-Edito de Milão. Sem dúvida, estas são informações importantes, todavia elas são insuficientes para expressar a efervescência política, social e cultural da cidade no século IV, principalmente durante o episcopado de Ambrósio.

Em fins do século III, Milão já se apresentava como um respeitável centro administrativo e comercial, tratando, portanto, de uma cidade viva. Como se pode observar na ilustração seguinte (Figura 2), nesta época, a urbs já contava com um fórum, um teatro, mansões, armazéns de grão (horrea) e um anfiteatro com trinta mil assentos. Além disso, a cidade, que já era murada, foi ampliada na direção Nordeste, dotada de novas muralhas e também de termas. Ao sul, podemos constatar a construção de um hipódromo, provavelmente próximo ao palácio (KRAUTHEIMER, 1983, p. 69).

Figura 2 - Planta de Milão em final do século III e início do século IV [demarcações

nossas]

[1] Circus; [2] Forum; [3] Theatrum; [4] Horrea; [5] Thermae Herculeae; [6] Amphitheatrum; [7] Moneta; [8] Muralha Republicana; [9] Muralha de Maximiano; [10] Palatium. Fonte: Caporusso; Donati; Masseroli; Tibiletti (2014, p. 142).

De acordo com Mazzolani (1992, p. 36-7), supostamente em 289 o palácio imperial já havia sido edificado, pois, nessa data, Diocleciano e Maximiano teriam se encontrado em Milão para decidirem sobre questões de segurança do Império. Corroborando a suposição de

que o palácio imperial já existia na época do encontro, sabemos que os convidados de ambos os imperadores foram introduzidos no palácio a fim de participarem do rito da adoratio.20

Entre os anos de 293 e 305, Maximiano fixou residência em Milão. Essa escolha parece ter sido estratégica, dado que, situada no cruzamento das rotas que levam dos Bálcãs às Gálias e da África e Roma aos Alpes, a cidade mostrava-se mais segura que Roma no que dizia respeito às invasões bárbaras. Além disso, como se pode averiguar no mapa abaixo (Figura 3), Milão era tecnicamente melhor localizada do ponto de vista da comunicação entre Ocidente e Oriente. Cabe destacar também que, desde a reforma militar implementada por Galieno entre 260 e 268, Milão vinha adquirindo destaque frente a outras cidades da pars Occidentalis, o que a transformou em uma Vrbs que, no início do século IV, já se encontrava preparada, tanto do ponto de vista administrativo quanto militar para abrigar a corte imperial (POHLMANN, 2013, p. 45).

Figura 3 - Mapa das rotas que conduziam a Milão

Fonte: Krautheimer (1983, p. 44).

A dimensão que a cidade atingiu, no decorrer do século IV, pode ser atestada por meio da obra Ordo urbium nobilium, do poeta Décimo Magno Ausônio, escrita entre 388 e 390. Nela, Ausônio classifica as vinte cidades mais importantes do Império. Milão ocupa a sétima

20 Buscando garantir a governabilidade do Império, Diocleciano instaurou um amplo programa de reformas que

incluía também a recuperação da dignidade imperial em um tempo convulsionado pelo aumento das usurpações. Para isso, se autoproclamou Iovius, insinuando sua união a Júpiter, e também adotou o rito da adoratio purpurae, o ato de se ajoelhar frente ao imperador e beijar a barra de seu manto (VENTURA DA SILVA, 2006c, p. 251). Como auxiliar direto do Augusto senior, Maximiano também deveria ser adorado do mesmo modo, mas na qualidade de Herculius (MAZZOLANI, 1992, p. 37).

posição com as suas numerosas e elegantes mansões, uma dupla fortificação, ou seja, a presença de dois muros que cercavam a cidade, o circus maximus, modalidade de entretenimento preferida da população, o teatro, os templos, o palácio real, o ateliê monetário, as termas em honra a Hércules, as colunatas e as esculturas que adornavam o espaço urbano (Ausônio, Ordo urbium nobilium, VII). A lista apresentada por Ausônio revela os monumentos indispensáveis de uma paisagem urbana clássica que, ao que tudo indica, fazia- se presente em fins do século IV. Em contrapartida, o autor silencia sobre os monumentos cristãos que, paulatinamente, começaram se multiplicar a partir de Constantino.

Segundo Ventura da Silva (2010, p. 68-9), o processo de cristianização do Império Romano foi acompanhado por uma reordenação do território cívico responsável por suprimir ou remodelar os espaços e monumentos greco-romanos e judaicos. De fato, desde que se autoproclamou um imperador cristão, após sua vitória sobre Maxêncio na Batalha da Ponte Milvia (312), Constantino não apenas concedeu liberdade de culto aos adeptos do cristianismo, mas também ofereceu condições para que tal religião se consolidasse e se expandisse na bacia do Mediterrâneo. Logo, beneficiados pelo imperador, os cristãos não tardaram a conquistar o espaço urbano e a inscrever, na paisagem, os seus símbolos.

Em Milão, a realidade não era diferente. Em 314, um ano após o encontro de Licínio e Constantino, e sob a supervisão do bispo Mírocles, vemos surgir a primeira basílica,21 nomeada Basílica de Santa Maria (Basilica Vetus), e o primeiro batistério, ambos construídos nas imediações dos antigos muros da cidade (ROBERTI, 2002, p. 935).22 Localizada na parte oriental de uma grande área residencial, a Basilica Vetus, juntamente com o batistério de Santo Stefano, uma piscina octogonal com fundo revestido de mármore e disposto em cruz, onde, supostamente, teria sido batizado Ambrósio (374), formavam o primeiro complexo eclesiástico de Milão.

Posteriormente, sob o governo de Constante, o polo episcopal foi ampliado com a construção da basílica de Santa Tecla, também conhecida como Basilica Noua. De acordo

21 Segundo Janira Pohlmann (2016, p. 18), a forma basilical era uma dentre as várias estruturas arquitetônicas

difundidas pelos antigos romanos. Constituída por uma grande nave central e por naves laterais, inicialmente, este tipo de edifício tinha funções econômicas e jurídicas podendo funcionar não apenas como um local destinado a reuniões da comunidade, mas também como tribunais ou mercados. Posteriormente, a construção passou a ser utilizada como um local de reuniões religiosas. Ao que tudo indica, a propagação desta prática ligou o nome dessa forma arquitetônica a um significado religioso. No que se refere ao período tardo-antigo, sabemos que, embora a basílica ainda representasse um tipo de construção específica, também designava um tipo de igreja, aquela comandada pelo bispo. Para esta dissertação, cumpre notar que utilizamos o termo basílica segundo esse último significado, ou seja, para designar um edifício religioso dirigido por um líder cristão.

22 Do período que antecede a construção da Basilica Vetus, sabemos apenas que, possivelmente, durante o

governo de Galieno ou Aureliano, certo homem chamado Valério Filipo doou ao segundo bispo da cidade, Gaio, parte de uma terra (hortus), para ali fazer um cemitério cristão, e também uma casa na via Vercelli, onde o terceiro bispo, Castriciano, dirigiu uma domus ecclesiae (ROBERTI, 2002, p. 934).

com Siena, Neri e Greppi (2015, p. 36), a tradição medieval assinala que a basílica foi construída próxima ao templo de Minerva, já que um altar com uma dedicatória à tríade capitolina (Júpiter, Juno e Minerva), representado na figura 4, foi reutilizado na abside da igreja durante a sua segunda fase de construção, entre os séculos V e VI. Além disso, de sua localização, o que se sabe é que, tal como a Basilica Vetus, Santa Tecla também se encontrava na zona residencial da cidade, nos arredores da Porta Oriental.

Mesmo não se conhecendo exatamente o ano de início de tal construção, estima-se que o fato tenha ocorrido entre 345 e 350, durante o episcopado de Eustórgio (FIORIO, 1985, p. 235). De qualquer modo, supõe-se que a edificação da nova basílica tenha se dado às pressas, visto que, provavelmente, ela sediou o concílio de Milão, em 355. De acordo com Krautheimer (1983, p. 76), pela dimensão do concílio, assistido por mais de 300 bispos, sem contar os clérigos acompanhantes, a corte imperial e a congregação, é bem possível que ele tenha acontecido em Santa Tecla, pois a Basilica Vetus era menor e contava apenas com três naves, ao passo que a nova basílica, com suas cinco naves, oferecia um espaço capaz de abrigar cerca de três mil pessoas.23

Figura 4 - Altar dedicado à tríade capitolina reutilizado em Santa Tecla

Fonte: Siena; Neri; Greppi (2015, p. 72).

23 As ruínas da Basilica Vetus e da Basilica Noua, juntas ao batistério de Santo Stefano e o batistério de San

Após o concílio de Milão, a comunidade ariana assumiu a liderança religiosa da cidade e, consequentemente, o controle do espaço urbano. Recordemos que aquele foi um concílio convocado por Constâncio II a pedido do bispo de Roma, Libério, a fim de discutir a doutrina ariana e revogar a condenação de Atanásio de Alexandria pelo concílio de Arles, em 353.24 Todavia, ao contrário do que desejavam os nicenos, no concílio, tanto a condenação de Atanásio como a confissão de fé ariana foram reafirmadas, ao passo que os bispos que se recusaram a assinar a sentença imperial, dentre eles Lúcifer de Cagliari, Eusébio de Vercelli, Paulino de Trier e o próprio bispo de Milão, Dionísio, foram exilados.25 Após a deposição de Dionísio, o ariano Auxêncio da Capadócia foi nomeado para substituí-lo à frente da sé de Milão (MCLYNN, 1994, p. 14).

O episcopado de Auxêncio durou quase duas décadas.26 Muito provavelmente, esta foi uma época de novas construções, embora o atual conhecimento arqueológico sobre os edifícios paleocristãos da cidade não nos permita estabelecer uma cronologia exata dos monumentos e edifícios arianos que antecederam o episcopado de Ambrósio (SIENA; NERI, 2013, p. 147). De acordo com Sannazaro (2014, p. 82), é provável que durante os anos que

24 Formulada por Ário, presbítero da cidade de Alexandria, o arianismo foi responsável por uma das discussões

teológicas que mais se sobressaiu na primeira metade do século IV, ou seja, aquela que dizia respeito à natureza de Jesus. Segundo Helena Papa (2009, p. 36-8), a teologia prevista por Ário estava preocupada em preservar a ideia de um Deus único e, por isso, buscou salvaguardar, dentro da doutrina da trindade, a superioridade do Pai em relação ao Filho. Nesse caso, a essência de Deus era única, pois não havia sido gerada e nem marcada por um princípio, ao passo que o Verbo só existiu a partir do Pai. Apesar de considerar apenas a divindade de Deus, Ário aceitava certa superioridade do Filho, pois sua substância (substantia) era similar (homoio) à do Pai. A forma pela qual foi fundamentada, a doutrina de Ário ficou conhecida como arianismo homoiano e seus seguidores como homeus. Todavia, duas décadas após sua morte novas interpretações foram feitas de seu discurso, o que possibilitou o surgimento de outros grupos como os "eusebianos" ou semiarianos e os "eunomeanos". Os primeiros fazem referência aos seguidores de Eusébio de Cesareia que ora defendiam que Cristo era consubstancial (homoousios) ao Pai, tal como previsto pelos seguidores da fé de Niceia (homoosianos), ora aceitavam a similaridade entre ambos, como defendidos pelos homoianos. Já os eunomeanos, discípulos de Eunômio, formavam um grupo de arianos radicais (neoarianos), uma vez que defendiam a total diferença entre o Pai e o Filho. Como demonstrado, o movimento ariano foi heterogêneo e, por isso, ao utilizarmos os termos "ariano" e "arianismo" temos consciência de que nem sempre esses conceitos expressam o conjunto de ideias que marcou esta corrente na IV centúria.

25 Nesse tempo, a doutrina de Ário já era compartilhada por boa parte dos círculos cristãos do Ocidente, bem

como Constâncio II governava o Império sozinho, não demorando a atuar em prol de tornar a sua fé o credo absoluto em todas as regiões que estavam sob seu domínio. Sendo assim, o imperador impôs à parte ocidental o regime eclesiástico existente no Oriente, caracterizado por sua oposição a Niceia. Das estratégias empregadas para a uniformização do credo, podemos destacar a convocação de concílios presididos por ele, bem como a deposição ou exílio dos bispos que não se deixassem convencer (APELLÁNIZ SAINZ-TRÁPAGA, 2009, p. 98). O próprio concílio de Milão expressa as intenções de Constâncio. Para melhor compreender as questões que relacionadas ao concílio de Milão em 355, recomendamos a leitura de La crisi ariana nel IV secolo, de Manlio Simonetti (1975), e Il concilio di Milano del 355 nel quadro della politica filo-ariana di Costanzo de Giuseppe Corti (2013).

26 Apesar da forte pressão nicena, principalmente após a morte de Constâncio II, Auxêncio esteve à frente da sé

de Milão de 355 a 374. De acordo com Apellániz Sainz-Trápaga (2009, p. 104), a política de neutralidade em relação ao arianismo promovida sob os governos de Juliano (361-363), Joviano (363-364), Valentiniano I (364- 375) e parte do governo de Graciano permitiu que os arianos conservassem as posições que outrora conquistaram em âmbito episcopal, motivo pelo qual Auxêncio conseguiu manter-se como líder religioso por mais 13 anos após a morte de Constâncio II.

fixou sua residência em Milão (352-357), Constâncio II tenha financiado generosamente a atividade edilícia de Auxêncio com o intuito de aumentar o consentimento da comunidade cristã milanesa à facção ariana. De qualquer modo, é através de Ambrósio que temos o primeiro indício da existência de um lugar de culto reservado aos arianos.

Em sua obra, De Spiritu Sancto (I, 19; 21), o bispo milanês relata a existência de uma basílica que teria sido interceptada por Graciano, em 378, por conta da disputa do edifício entre nicenos e antinicenos. Entretanto, a fonte mais precisa no que se refere à designação do espaço de culto ariano é a Epistula ad sororem, na qual Ambrósio fornece o nome e a localização de uma igreja que, pelo visto, era o local de culto dos seguidores de Ário. Na carta, Ambrósio (Ep. 76, 1) conta à sua irmã que os dissidentes não exigiam mais a Basilica Portiana, localizada fora dos muros da cidade, mas sim a Basilica Noua, também identificada no texto como intramurana e quae maior est.27

De acordo com Siena e Neri (2013, p. 149), tudo leva a crer que a Basilica Portiana, possível local de culto ariano, foi construída antes de 378, período em que tiveram início as primeiras disputas envolvendo o controle do edifício. Nessa perspectiva, ela teria sido fundada durante o episcopado de Auxêncio (355-374), época em que os arianos contavam com um intenso apoio imperial, ou então antes mesmo do concílio de Milão (355), tornando- se, de qualquer modo, um ponto de referência para a comunidade ariana da cidade.

Seja como for, na época do episcopado de Ambrósio (374-397), a basílica estava de pé e a comunidade ariana permanecia operante, não obstante toda a pressão do bispo para que os seguidores de Ário fossem privados dos seus espaços de devoção, como veremos a seguir.

Mediolanum no tempo de Ambrósio

27 Para Krautheimer (1982, p. 81-8), dentre as igrejas que se estavam fora dos muros da cidade, a de São

Lourenço é a única que não teria sido fundada por Ambrósio. Seja pelo fato de que nem Ambrósio e nem seus contemporâneos mencionaram a construção, ou porque as igrejas ambrosianas são de construção muito inferior. Em todo caso, para o autor, é bem provável que a basílica de São Lourenço seja a Basilica Portiana. Uma das justificativas de Krautheimer está no fato de que Ausônio (Ordo urbium nobilium, VII) não cita o anfiteatro, cujos blocos foram utilizados na fundação da basílica de São Lourenço. Isso sugere que a demolição do anfiteatro preceda a citação de Ausônio e uma consequente datação da basílica esteja ligada a esta atividade de desmantelamento do edifício. McLynn (1994, p. 176) também corrobora da ideia de que São Lourenço pode ser de fato a Basilica Portiana, mas que os argumentos de identificação se baseiam apenas em fatos "circunstanciais" e permanecem "inconclusivos". Além disso, estudos mais recentes, como o de Silvia Lusuardi Siena e Elisabetta Neri (2013), apontam, apesar da escassa confirmação arqueológica, a basílica de San Vittore al Corpo como a Basilica Portiana. Já para Roberti (2002, p. 935), é mais certo que a basílica de São Lourenço fosse a basílica palatina, erguida por ordem de Teodósio, junto ao mausoléu da família entre fins do século IV e início do V.

A eleição de Ambrósio para a sé de Milão garantiu aos nicenos o domínio sobre os espaços de culto cristão, incluindo as basílicas arianas. Nesse contexto, tornou-se comum que os arianos entrassem com petições solicitando à corte um lugar para praticarem seus próprios ritos (POHLMANN, 2016, p. 186).

Certamente, a disputa pelo espaço urbano foi algo que o bispo recém-eleito não tardou a se ocupar. Contudo, as primeiras notícias que se têm sobre esse choque coincidem com a chegada de Valentiniano II e sua mãe, Justina, em Milão, após a batalha de Adrianópolis (378). Aqui, o potente apoio dispensado aos homoianos por Justina incentivou a atuação dos dissidentes no sentido de revogar o domínio niceno sobre as basílicas.

Diante da benevolência de Justina para com os homoianos, a atuação de Ambrósio foi imprescindível para a manutenção e controle dos espaços religiosos por parte dos ortodoxos.28 Prova disso é que, no verão de 379, algum tempo após ordenar a interdição da Basilica Portiana, Graciano a devolveu ao bispo milanês (APELLÀNIZ SAINZ-TRÁPAGA, 2009, p. 123). Além da boa vontade imperial na devolução da basílica, os nicenos foram favorecidos

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