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O aspecto lógico da norma jurídica

I. Sobre a norma jurídica

4. O aspecto lógico da norma jurídica

Assentamos anteriormente que as normas jurídicas são proposições prescritivas aptas a disciplinar, completamente, comportamentos humanos intersubjetivos.

Advertindo que como proposição a norma somente se perfaz a partir de seu sentido, é possível, porém, analiticamente, considerá-la de um ponto de vista formal, isto é, a partir de sua estrutura107. É a partir da identificação da estrutura lógica da

norma jurídica que se pode percebê-la como um elemento passível de identificação, referência e análise.

Consideradas as normas como estruturas lingüísticas, a análise semiótica apresenta-se como útil instrumento. A estrutura formal da norma compreende o objeto da perspectiva sintática.

Os enunciados jurídicos emitidos pelo legislador não apresentam uma forma padrão, vertem-se de estruturas gramaticais diversas108. Enunciados descritivos e

prescritivos podem ser encontrados nos textos legislativos. São as normas, como formas de síntese, que cumprem a função de manutenção do caráter prescritivo do

sistema jurídico109. Reduzindo-se as múltiplas modalidades lingüísticas a uma

107

Bobbio, 2003, p. 67.

108 Vilanova, 2005, p. 91. 109

“A função prescritiva do ordenamento jurídico, enquanto um conjunto de normas, não importa a inexistência de proposição descritiva em seu interior. [...] Interessam-nos, sim, as proposições descritivas que, pertencendo ao ordenamento jurídico, não se integram implicacionalmente ao ordenamento jurídico. [...] Afigura- nos mais esclarecedora, portanto, a construção que admite a função secundária ou auxiliar das proposições

estrutura uniforme obtém-se a forma ‘se se dá um fato F qualquer, então o sujeito S’, deve fazer ou deve omitir ou pode fazer ou omitir conduta C ante outro sujeito S”

110.” Pode-se dizer, então, que sintaticamente as normas jurídicas partilham de uma

estrutura homogênea111, que tem sentido e função determinados em um sistema

jurídico112.

A função, como já afirmado, é a manutenção da característica prescritiva do sistema jurídico. O sentido é a possibilidade de identificação e controle da ação normativa jurídica. A regulação de condutas humanas intersubjetivas é realizada através da construção de normas jurídicas, por meio da vinculação condicional de uma hipótese a uma determinada conseqüência.

O direito avalia certas situações da realidade, descreve-as abstratamente,

constituindo-lhes como pressupostos de determinados efeitos113. A norma,

formalmente, é a conjugação de uma hipótese a uma conseqüência114.

A hipótese normativa é, assim, “qualificadora normativa do fático”115. Na

estrutura lógico-lingüística da norma jurídica, é o espaço de construção da realidade

descritivas contidas no ordenamento jurídico. Este, em sua totalidade, tem função prescritiva, sendo constituído fundamentalmente de normas jurídicas, que são interpretadas e aplicadas com o auxílio das proposições descritivas intra-sistemáticas.” Neves, 1988, p. 19.

110 Neste sentido, cf. Vilanova, 2005, p. 91. 111

Sobre a homogeneidade sintática do sistema normativo: “seu discurso se organiza em sistema e, ainda que as unidades exerçam papéis diferentes na composição interna do conjunto (normas de conduta e normas de estrutura), todas elas exibem idêntica arquitetura formal. Há homogeneidade, mas homogeneidade sob o ângulo puramente sintático, uma vez que nos plano semântico-pragmático o que se dá é um forte grau de heterogeneidade.” Carvalho, 1988, pp.35 s.

112 Sobre a aplicação da idéia de homogeneidade sintática das normas jurídicas inclusive às normas de

competência cf. Gama, 2008, pp. 85 ss.

113 “[…] ‘hipóteses legais’ são recortadas e por assim dizer postas (constituídas) como pressupostos de

determinadas regulamentações jurídicas [...] Ora, ao proceder assim, o legislador tem a liberdade de determinar diferentemente os pressupostos da hipótese, na perspectiva de diferentes pontos de vista jurídicos, e portanto, de apreciar e conceber de diferentes modos, tendo em conta as diferentes conseqüências jurídicas [...]” Engisch, 2004, p. 29.

114 “Dificilmente se poderá pensar num imperativo jurídico que não seja condicionado por esse modo. Ora,

os lógicos no chamado juízo hipotético (se a, logo b), distinguem entre prótase e apódose, assim também nós devemos distinguir no imperativo jurídico condicional a prótase da apódose. A prótase contém os pressupostos de cuja verificação depende o imperativo, a apódose o próprio imperativo. O jurista chama à prótase de ‘hipótese legal’ e à apódase de ‘conseqüência jurídica’, devendo a propósito desta última pensar-se no comando ou estatuição de conseqüências jurídicas, no dever-ser de uma prestação (acção), tolerância ou omissão.” Ibid. p. 55.

115

jurídica. Só ingresso no direito a parcela da realidade que é juridicamente regulada pela hipótese normativa. Fatos naturais e sociais somente se tornam jurídicos na medida em que são selecionados e expressos na linguagem jurídica através de hipóteses normativas116.

A conseqüência é uma relação constituída, também, pela linguagem jurídica. “É a relação em que um sujeito S' fica face a outro sujeito S".”117 “As estatuições das conseqüências jurídicas prescrevem a constituição ou a não-constituição de direitos e deveres.”118

A relação que é estabelecida entre a hipótese e a conseqüência chama-se

causalidade jurídica119, ou seja, um vínculo específico criado no momento de

produção normativa, um “deve-ser a implicação entre a hipótese e a tese”120.

4.1. A teoria estruturante do direito e a estrutura lógica da norma jurídica

Estabelecido nosso entendimento sobre a necessidade de identificação da estrutura lógica da norma jurídica, apresentada através da forma D[F S'RS"]121, cumpre-nos estabelecer as possibilidades de relação entre teoria estruturante de Friedrich Müller, nos termos até então adotados, e essa estrutura normativa.

116 “Então concluímos: a hipótese, que é proposição descritiva de situação objetiva possível, é construção

valorativamente tecida, com dados-de-fato, incidente na realidade e não coincidente com a realidade. Falta-lhe, pois, status semântico de enunciado veritativo. As hipóteses de normas valem ou não valem. Substrato seu pode ser fato natural, fato social, ou fato já qualificado juridicamente que a hipótese tenha trazido para compor o fato jurídico.”Ibid. p. 86.

117

Ibid. p. 94.

118 Engisch, 2004, p. 35. 119

Sobre a definição de causalidade jurídica cf. Vilanova, 2000, pp. 59 ss.

120 Vilanova, 2005, p. 92. 121

D = functor deôntico não modalizado (dever-ser); F = fato; ✁ = operador implicacional; S’ R S”= relação

A estrutura lógico-lingüística da norma jurídica é uma forma que somente

adquire identidade quando preenchida de conteúdo122. Assim, a síntese entre âmbito

e programa normativo, como componentes necessários da norma, compõe o sentido daquela estrutura.

Diante dos textos legislativos e de um caso a resolver, o sujeito concretizador, a partir da seleção que realiza, terá de construir o sentido da norma ”preenchendo” a estrutura lógico-lingüística da norma. Na seleção dos textos (dados primariamente linguísiticos) compõe o programa da norma. A partir desses, construirá, tanto o sentido da hipótese quanto da conseqüência que lhe será imputada. O âmbito da norma, nesse sentido, como função seletiva dos âmbitos da matéria e do caso, servirá à composição da hipótese de incidência e os demais textos selecionados servirão à composição do conseqüente normativo. De certa forma, o âmbito da norma apresenta-se como um nível de referência do programa normativo.

Para que a norma cumpra sua função de regulação de condutas humanas intersubjetivas, é preciso que esses elementos sejam assim identificados e organizados.