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4 UMA PROPOSTA PARA O ENSINO DE NOÇÕES DE PROBABILIDADE

4.3 Aspecto relativo ao processo ensino-aprendizagem

O fato de o professor polivalente compreender noções de probabilidade do ponto de vista matemático não lhe dá, automaticamente, a competência para ensinar esse conteúdo nos anos iniciais de escolarização. É preciso que ele tenha, também, conhecimentos relativos ao processo ensino-aprendizagem de probabilidade.

A literatura mostra que a noção de acaso tem sido apontada como uma das mais complexas de se lidar por conta de diferentes interpretações. Mesmo que o acaso tenha sido domesticado pela matemática (KAHAN, 1996), as concepções que muitas pessoas têm dessa noção não são compatíveis com os modelos matemáticos, mesmo no meio de pessoas com certo letramento. Pelo menos é isso que se tem percebido e constatado em pesquisas.

Quando iniciamos nossas aulas sobre noções de probabilidade no curso de Pedagogia, costumamos fazer sorteios de materiais que usamos nas tarefas de sala de aula. Antes do sorteio é comum ouvir de alguns alunos que eles não têm sorte e que por isso nem adianta participar da “brincadeira”.

Os estudos de Gomes (2006) mostram que o conceito de probabilidade é um dos mais resistentes por parte de alunas do curso de Pedagogia. Apesar das discussões promovidas por essa autora no intuito de esclarecer que fenômenos aleatórios podem ser explicados matematicamente, as futuras professoras não conseguiram abandonar a idéia de sorte que está tão arraigada e que parece não existir argumentos suficientes para derrubá-la. No entendimento dessa autora, seria necessário um tempo maior para promover um desequilíbrio da idéia de probabilidade associada à sorte.

Vale ressaltar um episódio ocorrido numa aula em que procurávamos introduzir estudos relativos a noções de probabilidade para professores que atuavam como formadores de professores em nível médio. Ao falarmos do uso de dados e moedas para explicar a questão de espaços equiprováveis, houve uma professora que disse que o resultado do lançamento de sete dados depende dos anjos que estão atuando próximo daquele lançamento.

Noutras aulas ouvimos que o resultado de loterias depende de muitas variáveis tais como a data de nascimento, a idade das pessoas queridas, interpretação de sonhos e também de merecimentos (bondade e maldade interferindo em ganhos e perdas). Tais situações colocam os estudos relativos a noções de probabilidade num patamar diferenciado dos estudos relativos a outros conteúdos matemáticos (espaço e forma, números e operações, por exemplo) porque envolve essa questão de crenças e concepções equivocadas em relação à probabilidade.

De acordo com Gomes (2006), problemas que lidam com o conceito de probabilidade geralmente são difíceis de serem explorados, pois o conhecimento do senso-comum, bastante difundido e aceito como a idéia de “sorte” acaba por colocar barreiras e, muitas vezes, a recusa em aceitar como verdadeira uma resposta que não considere tal variável.

Batanero (2005) afirma que problemas epistemológicos jogam um papel importante para educadores matemáticos, porque analisam obstáculos que tem historicamente emergido na criação de conceitos e que podem nos ajudar a entender as dificuldades dos estudantes no aprendizado de matemática. Segundo essa autora, isso é particularmente interessante no campo das probabilidades, em que, além de lidar com dificuldades do conhecimento científico, tem-se que lidar

com concepções equivocadas e crenças a respeito de eventos futuros, estes geralmente atribuídos a deuses ou acarretando outros tipos de explicações.

Ao analisar diferentes interpretações para a natureza de acaso (chance), aleatoriedade e probabilidades, Batanero (2005) acredita que as múltiplas interpretações (concepções) são complementares e que isso deve ser visto na escola. Para essa autora, a idéia de acaso (chance) é tão antiga quanto a civilização, mas existem diferentes formas de explicá-la. Essa autora identificou as seguintes categorias de explicações sobre a incerteza de eventos futuros: a) crença num destino predeterminado por forças sobrenaturais ou por Deus; b) assumir a chance como um fator individual, desigual para diferentes pessoas; c) aceitar a necessidade natural (processo de seleção natural), a inelutável sujeição a leis que ainda são parcialmente conhecidas e que são governadas pela origem do mundo e evolução; d) argüição da inextricável complexidade de causas infinitesimais gerando fenômenos macroscópicos em que consideramos o fortuito como única explicação racional possível; e) assumir a existência da fundamental, caótica e absoluta aleatoriedade natural.

Em nosso entendimento, o conhecimento de variáveis que interferem no processo ensino-aprendizagem de noções de probabilidade, dentre as quais se destacam concepções equivocadas, precisa integrar os saberes de professores polivalentes para que possam intervir no ensino dessas noções nos anos iniciais de escolarização.

Num instrumento de avaliação de matemática, aplicado a estudantes do 2° ano do Ensino Fundamental, identificamos a seguinte questão relativa a noções de probabilidade: “Marcela precisa de um botão para a roupinha de sua

boneca. Se ela retirar um botão do pote sem olhar, terá mais chance de retirar um botão branco ou preto? por quê?”

A resposta que os avaliadores esperavam era: “Preto porque há mais

botões pretos no pote”. Entretanto alguns alunos responderam da seguinte

forma: “branco porque ela estava de olhos fechados”; “branco porque eu gosto de branco”; “ela pegou o botão preto porque ela acha legal”; “ela tirou o botão branco porque é uma cor bonita”; “Preto. Todo olho tem uma parte preta”; “preto porque o preto está em cima do pote”; “branco porque vai combinar com a roupa”; “preto é um botão da cor certa para a boneca; “um botão branco porque a roupa da boneca tem botões brancos”; “ela vai retirar um branco porque o branco é mais bonito”; “branco porque a roupa da boneca é branca”; “o botão preto porque a boneca é morena”; “preto, mas sabe por que, ela que quis” e; “a cor do botão é branco porque é branca”

Essas respostas costumam provocar risos nas alunas de Pedagogia quando lhes são apresentadas. Quando indagamos a essas alunas se elas sabem o porquê dessas crianças responderem dessa maneira, elas não expressam argumentos fundamentados sobre variáveis que poderiam estar interferindo nessas respostas.

Situações desse tipo, bem como as que foram mostradas por Gomes (2006), remetem para a necessidade de o futuro professor compreender variáveis que interferem na concepção que temos de acaso e interferem também no

processo ensino-aprendizagem de probabilidade. São conhecimentos do âmbito da psicologia educacional.

Mesmo que Piaget e Inhelder (s/d) não tivessem preocupações educacionais quando investigaram a origem da idéia de acaso na criança, o resultado de seus estudos contribui para que se conheça o estágio de desenvolvimento cognitivo da criança para que possamos tomar decisões mais acertadas quando do ensino de noções de probabilidade nos anos iniciais.

De acordo com a literatura, na falta de princípios psicológicos válidos, os professores ou seguem prescrições tradicionais do folclore pedagógico, ou descobrem formas eficientes de trabalhar por meio de tentativas.

No modelo explicativo da psicologia educacional contemporânea tem-se que para o processo ensino-aprendizagem concorrem tanto as variáveis intrapessoais (aluno) quanto as variáveis situacionais (do contexto). Entende-se que o professor só vai ensinar bem (fazer o aluno efetivamente compreender o conteúdo) se ele também tiver compreendido este conteúdo. Daí argumentarmos em favor de estudos sobre o processo psicológico do aprender numa proposta para o ensino de noções de probabilidade na formação matemática inicial de professores polivalentes.