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Aspectos teóricos

2.2. O problema da cor

2.2.1. Aspectos ambientais

A indústria têxtil se encontra entre as indústrias de maior potencial poluidor devido não apenas ao alto consumo de água e, portanto, altos volumes de efluentes (para cada kg de material têxtil produzido são utilizados de 100 a 300 L de água), mas também à grande variedade de produtos utilizados em cada um dos diferentes processos químicos que se alternam a cada momento, dependendo do tipo de substrato, do tipo de corante e da concentração dos agentes fixadores usados (Moran, Hall e Howell, 1997; Talarposhti, Donnely e Anderson, 2001; Karcher, Kornmüller e Jekel, 2001-a; Vandevivere, Bianchi e Verstraete, 1998). Conchon (1995) compara a carga poluidora de uma tinturaria de médio porte à gerada por 7.000 pessoas em termos de carga hidráulica ou 20.000 pessoas em termos de carga orgânica. Devido a isso, efluentes têxteis são considerados de difícil tratamento: apresentam grande variabilidade de compostos químicos orgânicos e inorgânicos, reduzido potencial de biodegradabilidade (baixas relações DBO5/DQO), presença de metais pesados,

alta toxicidade, elevadas vazões e forte coloração (Cammarota e Coelho, 2001; Koyuncu, 2002; Nieto, 2000). Mas a maior dificuldade enfrentada pelo setor está na remoção da cor, proveniente dos processos de tingimento.

A remoção da cor de efluentes têxteis tem sido matéria de considerável interesse nas últimas quatro décadas, não apenas pela potencial toxicidade de certos corantes, mas principalmente pela fácil detecção nas águas receptoras, o que tem motivado a consciência pública com relação às questões ambientais, coincidindo com níveis ascendentes de descargas coloridas (Greaves, et al., 2001; Arslan, Balcioglu e Bahnemann, 2000; Willmott, Guthrie e Nelson, 1998).

De acordo com Laing (1991), cerca de 2 a 10% dos corantes aplicados em tinturarias são descarregados no efluente, dependendo da tonalidade e do corante utilizado. Estudos mais recentes afirmam que 12% da produção mundial de corantes são perdidas durante a fabricação e em processos de tingimento sendo que 20% deste valor são deixados no ambiente através de plantas de estações de tratamento de efluentes (Arslan, Balcioglu e Bahnemann, 2000). Em termos numéricos, Brown (1987) afirma que mais de 50.000 ton de corantes são descarregados em efluentes anualmente, com proporções que variam de acordo com o corante, a fibra e o grau de fixação do corante. A Tabela 2.3 apresenta o percentual de corantes, não fixados à fibra, descarregados no efluente.

Tabela 2.3 – Percentual de corantes não fixados à fibra descarregados no efluente.

Classe de corante Fibra Perda no efluente (%)

Ácido Poliamida 7-20 Básico Acrílica 2-3 Direto Algodão 5-20 Disperso Poliéster 1-20 Complexo-metálico Lã 2-5 Reativo Algodão 10-50 Sulfuroso Algodão 10-40 Tina Algodão 5-20

Fonte: Blackburn, 2004; Valldeperas, 1999.

A presença de cor no efluente é um indicador óbvio de poluição das águas e pode ser detectada mesmo em concentrações de 1 mg/L (Guarantini e Zanoni, 2000). Além de esteticamente desagradável, essa coloração impede a penetração da luz e a fotossíntese, prejudica a qualidade da água do corpo receptor e pode ser tóxica aos microrganismos utilizados em processos de tratamento biológicos, aos organismos da cadeia alimentar e à vida aquática em geral (Talarposhti, Donnelly e Anderson, 2001; Yu, et al., 2002). O impacto ambiental pode ser agravado ainda mais quando se trata de um efluente com altos valores de DBO, normalmente decorrentes de processos de desengomagem. Neste caso, pode haver superpopulação de algas, o que impedirá ainda mais a fotossíntese da flora no ambiente imediato, reduzindo o teor de oxigênio e sufocando tanto a flora como a fauna aquática (Figueiredo, Boaventura e Loureiro, 2000).

Normalmente, o uso de corantes orgânicos não possui efeito tóxico agudo. De acordo com o estudo de Clarke e Anliker (1984) que analisou 3.000 corantes, apenas 2% apresentaram LC50 a peixe < 1,0 mg/L, ocorrendo em corantes diazo e catiônicos (Guarantini

e Zanoni, 2000). Esses corantes são considerados como os mais tóxicos pela ETAD (Ecological and Toxicological Association of Dyestyff Manufacturing Industry) (Reife, 1992).

A maior parte dos corantes produzidos mundialmente apresenta o grupo azo como cromóforo. Esses corantes apresentam comportamento ambiental ainda desconhecido e, por isso, são considerados especialmente perigosos (Bustard, McMullan e McHale, 1998). Sabe-

se, entretanto, que alguns corantes azo em sua forma hidrolisada produzem aminas carcinogênicas (Özen et al., 2005). Os azo-aromáticos podem exibir efeitos tóxicos às populações microbiológicas, produzir aminas aromáticas, podendo também ser tóxicos ou carcinogênicos a animais, principalmente quando ingeridos (Reife, 1992; Hao, Kim e Chiang, 2000). Quando degradados enzimaticamente pelo sistema digestivo humano, produzem substâncias carcinogênicas e mutagênicas, como: aminas aromáticas, toluidinas, benzidinas, radicais ativos, entre outras (Reife, 1992; Zanoni e Cordeiro, 2001; Guarantini e Zanoni, 2000).

Os compostos tóxicos surgem como intermediários da degradação ou descoloração dos corantes, podendo inclusive haver a formação de novos compostos coloridos (Hao, Kim e Chiang, 2000). Isto se deve à quebra ou destruição do grupo cromóforo do corante, seguida da formação de um novo composto que não é facilmente mineralizado, sendo frequentemente mais tóxico que o composto original. Um exemplo da formação de intermediários mais tóxicos que o corante original é o caso do corante Reactive Red 2, que possui em sua molécula 3 tipos de nitrogênio: grupo azo, amina e nitrogênio em anel triazina heterocíclico. Neste caso, os intermediários formados pela degradação do corante contêm aminas aromáticas que podem ser extremamente tóxicas, como a 2-naftil-amina (Hao, Kim e Chiang, 2000). Apesar disso, 15% dos corantes do tipo azo utilizados são descartados no ambiente sem tratamento (Zanoni e Cordeiro, 2001).

Outra característica a ressaltar é a presença de metais pesados no efluente. Metais pesados são usados como catalisadores e agentes complexantes na síntese de corantes ou de produtos intermediários (Reife, 1992). De modo especial, Cu e Zn estão normalmente presentes em corantes e auxiliares, sendo o Cu especialmente usado para complexar corantes reativos (Moran, Hall e Howell, 1997; Reife, 1992). Embora complexos de cobre sejam estáveis, quando em presença de seqüestrantes como o EDTA (normalmente utilizados em indústrias têxteis e, portanto, igualmente presentes no efluente) transformam-se em cobre dissolvido, com níveis de toxicidade dependentes da concentração encontrada (Baughman, 2001; Wu e Baughman, 2001). Quando ingerido em quantidades elevadas, o cobre pode causar hemocromatose (Gupta e Torres, 1998) e em quantidades menores, inferiores a 1 mg/L, é tóxico para plantas aquáticas e aos peixes (Tchobanoglous e Burton, 1991). Devido a isso, está na lista de poluentes prioritários da “US Environmental Protection Agency” (Gupta e Torres, 1998).

Extensivo trabalho tem sido dedicado à pesquisa da potencial toxicidade dos corantes comerciais e ainda é comum o pensamento de que corantes não causam toxicidade crítica à vida aquática, uma vez que os níveis de exposição em rios são sempre menores do que os usados para obter os valores LC50 (Greene, 1996). Entretanto, dados precisos acerca dos

níveis de toxicidade crítica da maior parte dos corantes comerciais e seus derivados, bem como da potencial toxicidade dos intermediários gerados por degradação, permanecem ainda desconhecidos (Abrahão, Silva, 2002; Vandevivere, Bianchi e Verstraete, 1998).

Quanto à toxicidade dos corantes reativos, sabe-se que cerca de 70% desses corantes possui o grupo azo como cromóforo acrescido de grupos sulfonatos que aumentam sua solubilidade (Arslan, Balcioglu e Bahnemann, 2000). Embora a alta solubilidade sirva para minimizar sua absorção no organismo, é importante lembrar que esses corantes são configurados para reagirem com substâncias portadoras de grupos amina ou hidroxila, presentes nas fibras naturais, porém presentes também em todos os organismos vivos constituídos de proteínas, enzimas, etc. (Venkataraman, 1974). Outra característica desses corantes no efluente é sua forma hidrolisada que, de acordo com Weber e Stickney (1993), acarreta uma alta estabilidade hidrolítica em meio neutro, com tempo de vida de até 50 anos. Além disso, muitos corantes reativos caem na categoria AOX, devido à presença de cloro no grupo reativo (Lewis, 2000).

A alta estabilidade química, baixo índice de fixação e elevada solubilidade tornam os corantes reativos resistentes aos processos convencionais de tratamento de efluentes (biológicos e físico-químicos), onde tipicamente 90% desses corantes passam ilesos pelas plantas de tratamento. Portanto, são considerados como a principal causa da cor em efluentes têxteis (Vandevivere, Bianchi e Verstraete, 1998; Hul, Rácz e Reith, 1997; Cooper, 1993; Talarposhti, Donnelly e Anderson, 2001; Swamy e Ramsay, 1999).

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