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Os aspectos arquitetônicos das casas nobres remanescentes no Centro Histórico: o Solar do Barão de Guajará, a Casa Rosada e a Casa das Onze

2 EM BUSCA DAS ORIGENS: A CASA NOBRE PORTUGUESA DO ANTIGO REGIME

4 AS CASAS NOBRES EM BELÉM NO PERÍODO COLONIAL E AS REMANESCENTES NO CENTRO HISTÓRICO DA CIDADE

4.4 Os aspectos arquitetônicos das casas nobres remanescentes no Centro Histórico: o Solar do Barão de Guajará, a Casa Rosada e a Casa das Onze

Janelas.

4.4.1 A morfologia das fachadas e os aspectos estilísticos

O Solar do Barão de Guajará (Figura 130) trata-se de um prédio azulejado de três andares - térreo, superior e camarinha - com dezessete vãos na sua fenestração. Sobre uma parte da camarinha, ou mirante, um trecho se eleva como outro mirante mais elevado, quase não sendo percebido numa visada frontal por um observador localizado na praça a sua frente.

102 O Projeto Feliz Lusitânia engloba outros prédios de reconhecido valor histórico e arquitetônico no

entorno da Praça Frei Caetano Brandão, o Largo da Sé, como: o Forte do Presépio, o Museu de Arte

Sacra – no antigo colégio dos jesuítas – e a igreja de Santo Alexandre, além do casario voltado para

Figura 130 - Fachada do Solar do Barão de Guajará, em frente à Praça Dom Pedro II, antigo Largo do Palácio.

Fonte: OLIVEIRA, 2010

Os dois primeiros andares são divididos por quatro pilastras em três panos de alvenaria. Os panos laterais agrupam três vãos em cada pavimento, sendo duas portas e uma janela no térreo e três portas-janelas103 com sacadas e grades de ferro no pavimento superior. Todos os vãos são em arco curvo. O pano central, bem mais estreito, demarca o eixo de simetria através da portada ligada à sacada superior curva, mais larga e saliente que as demais, por elementos em massa em alto relevo e forma sinuosa. O terceiro andar, o mirante ou camarinha, ocupa uma parte central da área equivalente aos outros dois. Tem três vãos de portas-janelas voltados para um balcão contínuo em ferro que se estende por todo o comprimento, até encontrar as pilastras laterais. Estas pilastras não são contínuas em relação às pilastras que se prolongam nos andares inferiores. Este terceiro pavimento é arrematado por uma cornija seguida de um frontão triangular (Figura 131).

103 Janelas do andar superior das casas de sobrado, cujo vão é rasgado até o piso, dando acesso a

Figura 131 - Terceiro pavimento, com camarinha ou mirante na fachada do Solar do Barão de Guajará, em frente à Praça Dom Pedro II, antigo Largo do Palácio.

Fonte: SÁ, 2011

Coexistem na mesma edificação características e princípios peculiares da arquitetura das Casas Nobres do período colonial com elementos do neoclássico do início do século XIX e do ecletismo do final do mesmo século. Aparentemente sua arquitetura se enquadra na fase de transição entre dois períodos históricos do Brasil, marcados pela mudança de regime político, do Colonial ao Imperial, que a reboque produziu alterações estéticas na arquitetura, relativas ao Barroco e Neoclássico, respectivamente. Da mesma forma se enquadram algumas Casas Nobres do Maranhão, como a de Ana Jansen e o Solar dos Leite. Porém, alguns detalhes notados fazem crer tratar-se de um edifício setecentista que ao longo do tempo foi se ―modernizando‖, até a segunda metade do século XIX.

Nota-se, neste terceiro pavimento, a adaptação às concepções formais do neoclássico, com a presença no coroamento do frontão triangular, emoldurado por uma bem traçada cornija, passando a fazer composição com os pavimentos inferiores (TRINDADE e MONTEIRO, 1996, p.38).

O acréscimo de um terceiro andar com características neoclássicas foi similar ao que aconteceu com o prédio do Paço Imperial no Rio de Janeiro, quando a família Real ali se instalou, em 1808, empreendendo a reforma que acrescentou o mirante à construção setecentista de dois andares. No caso do Solar do Barão de

Guajará, Trindade e Monteiro atribuem algumas características adquiridas, à segunda metade do século XIX: ―uma nova ‗roupagem‘, que corresponde ao estilo ‗clássico‘, significando um neoclássico tardio‖ (1996, p.38).

Imaginariamente, excluindo-se os azulejos e o terceiro andar, ocupado pela camarinha ou mirante, pode-se facilmente vislumbrar uma Casa Nobre do tipo comprida (Figura 132), semelhante à casa da Rua da Praia na Campina104, junto ao convento dos mercedários, obsevada nos prospectos de Belém apresentados na seção 4.2 do presente capítulo.

Figura 132 - Simulação da provável morfologia da fachada, na segunda metade do século XVIII, do Solar do Barão de Guajará, em frente à Praça Dom Pedro II, antigo Largo do Palácio. Fonte: SÁ, 2011

O Palácio dos Condes de Anadia em Viseu, uma Casa Nobre do século XVIII, na região central de Portugal, apresenta em maior escala e mais ornamentada, uma variação do tipo de estruturação da fachada do Solar do Barão de Guajará e da casa da Rua da Praia citada no parágrafo anterior, porém com os elementos arquitetônicos ressaltados em cantaria (Figura 133).

104 A referida casa é entre as três casas analisadas aquela indicada com a letra A nos prospectos

Figura 133 - Fachada do Palácio dos Condes de Anadias, Viseu, Portugal.

Fonte: http://www.flickriver.com/photos/vitor107/tags/mangualde/.

Portanto, um ponto determinante na análise do Solar é a falta de coerência na estruturação do mirante em relação ao corpo formado pelos outros dois pavimentos, visível na descontinuidade de pilastras. Um projeto elaborado para uma família de recursos financeiros, membros da elite local, mesmo naquela época, dificilmente incorreria em tal equívoco. Denota, portanto, a camarinha, na forma como se apresenta no contexto daquela fachada, uma adaptação arquitetônica em um corpo pré-existente.

O corpo acima referido, por sua vez, um bloco de dois andares, estrutura- se tal quais as Casas Nobres do século XVIII, cuja fachada se desenvolve horizontalmente demarcada por um eixo central de simetria e por pilastras, cornija e embasamento. Sua fenestração é simétrica em relação ao eixo central da portada. Os vãos de verga curva possuem molduras simples com discretas cimalhas alteadas no coroamento e uma leve ondulação nas extremidades. Sua cobertura seria, na ausência do mirante, em duas águas, uma vertendo para a rua, com beiral apoiado sobre cornija, e a outra vertendo para o pátio interno.

Observa-se na fachada; a) o sentido de movimento em direção ao centro na sequência rítmica das portas, portada e janelas e nas sacadas individuais; b) o volume maciço na forma arquitetônica com equilíbrio entre cheios e vazios; c) a monumentalidade, considerando o contexto da época em que foi edificada; e d) a

hierarquia na distribuição dos panos de alvenaria no sentido horizontal, com destaque para o pano central onde se encontra a portada.

Na leitura da fachada as duas pilastras que ladeiam a portada acusam o vestíbulo no térreo. No entanto, a clareza e equilíbrio da fachada expressa na organização dos vãos com: portas mais largas e outras mais estreitas, janelas e portada, no andar térreo, e portas-janelas no andar superior, aliadas a disposição de pilastras, não tem total correspondência com a distribuição dos compartimentos internos que a casa apresenta na atualidade, e que outrora possivelmente existia. Estes aspectos serão analisados detidamente na seção 4.4.2 deste capítulo.

Embora não esteja dividida em panos de alvenarias por pilastras centrais, tal qual a edificação analisada anteriormente, a Casa Rosada (Figura 134), o próximo edifício a ser analisado, apresenta bem demarcados os outros elementos estruturantes da fachada: pilastras laterais, cunhal, cornija e embasamento. Trata-se de uma casa de esquina, em forma de L, em dois pavimentos, com o menor lado fazendo frente para a rua principal, a Siqueira Mendes, para onde o acesso principal, ou acesso nobre está voltado.

Figura 134 - Foto da Fachada da Casa Rosada após o restauro, na esquina da Rua Siqueira Mendes com a Travessa Félix Rocque.

Mesmo a sua fachada de menor comprimento, a principal, dá- lhe o aspecto de casa comprida, com horizontalidade dominante. As duas fachadas tem toda a estruturação morfológica de uma Casa Nobre de fins do período colonial brasileiro, correspondente a sua congênere portuguesa no mesmo período. Além dos elementos estruturantes, já citados, possuem: a) fenestração equilibrada na relação cheios/vazios; b) demarcação do eixo de simetria pela centralidade da portada, com vão mais largo e mais alto na fachada principal - neste aspecto, entretanto, as duas fachadas se diferenciam, pois somente uma apresenta a portada -; c) o mesmo ritmo na disposição de vãos de portas e janelas intercaladas no pavimento térreo; d) janelas rasgadas até o piso com sacadas de púlpito no pavimento superior; e e) ornamentos em estuque nos contornos dos vãos que se repetem, mas se diferenciam em cada andar. Sua ornamentação tem destaque no eixo central da fachada principal (Figuras 135 e 136), uma repetição de padrões de influência renascentista para reforçar o eixo central, ou para indicar o acesso principal, comum nas Casas Nobres barrocas em Portugal.

Distinguindo-se de todos estes elementos, está mais uma vez, o centro da fachada paralela à Rua Siqueira Mendes. No pavimento térreo distingue-se a portada principal com um largo vão de arco abatido que é ladeado por moldura de placas retangulares descendo até próximo o embasamento, [...]. A arcada é arrematada por larga moldura escamada e por um fecho de folhas de acanto com uma roseta ao meio. Tudo isso interligando-se ao balcão do pavimento superior de onde um vão surge emoldurado, assim como os demais ao seu lado, porém, diferenciado no desenho e no arremate das molduras na parte superior do vão (MORGADO NETO, 2008, p. 79).

Figuras 135 e 136 - Ornamentação de destaque do eixo central da fachada da Casa Rosada. Fonte: RAMOS, 2010; RODRIGUES, 1975.

Ressalta-se que, antes da restauração, alguns desses aspectos descritos haviam sidos adulterados ao longo do tempo e só puderam ser ponderados durante o projeto através da filologia com o apoio da arqueologia. Desta forma, foi plausível reconsiderá-los como proposta de restauro. É o caso do ritmo de vãos do pavimento térreo com portas e janelas intercaladas que antes do restauro estava modificado (Figura 137).

Figura 137 - Foto da Fachada adulterada, antes da restauração da Casa Rosada.

Foi possível identificar na fase de levantamento cadastral uma modulação diferenciada na largura de vãos das portas do andar térreo e alguns detalhes que, em decorrência disso, passaram a chamar a atenção: os vãos mais estreitos se intercalavam aos mais largos e coincidiam com a largura da única janela no andar térreo; emendas nos batentes de madeira das portas coincidiam nos vãos mais estreitos, numa altura aproximada ao nivelamento do peitoril da janela remanescente; além da presença de soleiras em pedra de Lióz nas portas mais largas, o que não ocorria com as portas mais estreitas. Todos esses fatores levavam a conclusão de que num determinado momento as alvenarias dos peitoris das janelas haviam sido demolidas, transformaram-na em vãos de portas, adulterando o ritmo e movimento impresso na fenestração (MORGADO NETO, 2008, p. 77).

Numa observação mais atenta de outras Casas Nobres deparou-se com semelhante ritmo com alternância de vãos de portas e janelas de peitoril em relação a um eixo de simetria. Uma delas foi o Solar do Barão de Guajará e as outras foram as projetadas pelo arquiteto Landi para seus clientes senhores de engenho, citados na seção 4.2 (ver Figuras 108, 109 e 114). Situação semelhante ocorre no Paço Imperial no Rio de Janeiro, na Casa dos Contos de Ouro Preto e no Solar dos Leite em São Luís (ver Figuras 63, 65, 66).

Estes aspectos foram abordados por Smith (1969, p. 96-97) que ressalta as mesmas características na arquitetura civil no Brasil colonial setecentista:

As casas brasileiras típicas do século XVIII diferem das do século anterior pela maior simetria do risco das fachadas e por maior variedade na ornamentação. Pelos meados do século XVIII tinha-se desenvolvido de modelos portugueses um tipo padrão de fachada, no qual as janelas se agrupavam com regularidade de um lado e de outro e acima de uma portada central. Esta nova disposição, chegada com o Renascimento no século XVI, aparecerá já no Paço dos Governadores na cidade do Salvador. Mas foi somente com a adoção do vestíbulo central de uso comum nas plantas do século XVIII, que essa disposição simétrica do exterior se generalizou. Às vezes a porta central é flanqueada por dois tramos de janelas iguais de cada lado [...]; outras vezes por três [...]; por quatro [...]; seis [...]; ou mesmo sete (Paço dos Governadores em Belém do Pará). [...] Às vezes na fachada há duas portas, com as janelas simètricamente colocadas entre elas [...].

Outro aspecto marcante na arquitetura da Casa Rosada, que a distingue de muitas Casas Nobres no Brasil é a ornamentação de sua fachada. Ainda que não