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Compreender os processos de criação e de execução de uma política pública é trazer para fora os atores responsáveis pelo seu sistema de funcionamento. Ou seja, é desnudar os protagonistas e coadjuvantes que formulam e implementam as políticas públicas em seus diversos contextos. Essa teia, quando arquitetada, a priori por seus formuladores, mesmo sendo modulada durante a fase de implementação, quando colocada em ação, ainda que na forma de lei, com projetos ou programas de governo, pode definir e contribuir para decidir os rumos de uma nação.

Então, para compreender como é constituído o processo formulação das políticas públicas, faz-se necessário saber quem são os agentes do sistema: os burocratas dos setores técnico, administrativo e econômico, aqueles que operacionalizam os projetos e programas. Muitas vezes esses agentes, de maneira confusa, no cotidiano das práticas e da burocracia, tornam-se implementadores.

Importante destacar, ainda de acordo com Celina Souza, que a área de políticas públicas no Brasil, é um campo recente da ciência política e, de modo genérico, compreendida como um instrumento de ações promovidas por governos. Nesse contexto, as normas burocráticas para a formulação e implementação de políticas públicas tendem a se ampliar frente às demandas públicas que vão emergindo (SOUZA, 2006).

Na visão de Lipsky (1980), “as políticas públicas não são melhor entendidas na legislação (na letra da lei), isto porque as políticas são elaboradas, de fato, nos órgãos públicos, diariamente, no encontro dos funcionários do nível da rua com a população” (LIPSKY apud ROMERO, 2012, p. 27). O autor afirma ainda que “os órgãos públicos evidenciam o interesse nas ações públicas. No caso da educação compreende como educador

o funcionário público, ou seja, o burocrata que circula em meio a população de uma comunidade” (LIPSKY apud ROMERO, 2012, p. 27).

A compreensão dos agentes estruturantes que sustentam o funcionamento e a organização, ou melhor, os aspectos burocráticos para o percurso desde a ideia até as ações práticas de uma política pública bem como as fases da vida de um programa, que com o desenvolvimento das atividades busca alcançar os objetivos traçados em documentos, é uma experiência que culminaria com análises delongadas.

Como vimos na seção que trata dos conceitos da área de políticas públicas, há uma diversidade de fundamentos que norteiam suas bases teóricas. Essas teorias são utilizadas regularmente no cotidiano dos planos governamentais a fim de possibilitar o controle, acompanhamento e a avaliação das ações promovidas nas esferas públicas do Estado e seus entes, estados, municípios e Distrito Federal.

Marta Arretche (2001), ao tratar desse assunto, implica e chama atenção para uma situação. A autora aponta que a distância entre as intenções e o desenho para o desenvolvimento das ações práticas de programas públicos, como são concebidos pelos burocratas que formulam as políticas públicas, na maioria das vezes se distanciam durante a efetivação do programa. Numa perspectiva com ampliação da visão, com menos “ingenuidade”, Arretche destaca que a implementação pode modificar os objetivos de uma política pública.

Outro fator observado por Marta Arretche (2001), que ocorre durante a fase de estruturação de uma política pública, é a modulação que pode acontecer no transcurso de sua implementação. Reforça em seus apontamentos o fato de que na prática uma política pública está submetida a rupturas entre a teoria e a ação. Apesar de haver coincidência entre os atores governamentais, e em muitos casos eles podem ser os mesmos burocratas de uma mesma repartição pública, é raro que os objetivos e estratégias formulados a priori numa política pública sejam desenvolvidos integralmente durante as ações práticas de um programa. A implementação integral de um programa como política pública, então, é o resultado de uma combinação complexa de tomadas de decisão realizadas por inúmeros agentes.

As tomadas de decisão realizadas a partir desses agentes envolvem inúmeras circunstâncias ditas burocráticas. Dentre elas podemos citar interesses individuais e de grupos políticos instalados nos setores do governo. Exemplo disso são os trâmites e ritos que ocorrem entre os sistemas legislativo e judiciário. Estes, quando em vias de definição de alguma matéria, abusam das regras formais e informais, isto é, burocratizam e atravancam os setores

governamentais. Emendam normas constituídas pelo Estado e acabam modificando ou até anulando a estrutura de uma política pública.

Quanto aos aspectos burocráticos de uma política pública, Lipsky (1980) destaca que,

é preciso saber como funciona na prática as regras de um programa e como os agentes que delas participam, principalmente os funcionários públicos da organização, são por elas afetados, em particular no que se refere ao enfrentamento de incertezas e pressões no trabalho por ocasião de tal burocracia. (LIPSKY, 1980 apud ROMERO 2012, p. 27).

Assim, a burocracia que afeta os funcionários públicos não deveria criar impedimentos para uma política pública com foco na população. Pois, em tese, é em razão da população que são propostos e instituídos projetos. A população não está descolada dos funcionários e burocratas que circulam em meio aos problemas sociais. Numa simples reflexão é possível predizer que os burocratas, que tomam decisões, enquanto agentes do sistema, também são cidadãos da sociedade e são afetados com as causas e consequências dos projetos por eles gestados.

Para confirmar o que descrevemos anteriormente, Romero (2012) afirma que é a ação dos burocratas que circulam em meio à população ou em meio a um determinado sistema da sociedade, que direciona os rumos e a maneira como um projeto será entregue à população. Em última instância é possível estabelecer que a tomada de decisão é realizada pelos burocratas instalados nos órgãos estatais e são eles que elaboram e implementam as políticas públicas de fato.

Ainda, a autora destaca que “decisões públicas tomadas por órgãos estatais formulariam políticas públicas tendo como elementos de sua lógica de produção, segundo a ciência política: a agenda, a elaboração, a formulação, a implementação, a execução, o acompanhamento e a avaliação” (ROMERO, 2012, p. 21). Para construir uma política pública, portanto, faz-se necessário tomar decisões nas quais muitos quesitos devem ser levados em consideração, dentre eles a vontade política e o compromisso com o desenvolvimento de um país.

O período de vida de uma política pública no Brasil pode variar de acordo com o tempo de permanência no poder de um partido ou de um grupo político. A lógica de uma eleição ou reeleição implica diretamente na tomada de decisões realizada pelo governo ou por órgãos estatais. Vivemos numa democracia representativa em que as políticas públicas antes de serem criadas passam por diferentes órgãos nas diferentes esferas do poder legislativo e executivo.

Todo esse engendramento implica em processos de análise burocráticos por diferentes comissões que acompanham desde a formulação até a implementação. As circunstâncias de elaboração das políticas públicas no Brasil, via de regra, não são constituídas como políticas de Estado. Elas são políticas de governo dotadas de interesses com data e prazo de validade. Os elementos que integram o ciclo de uma política se modulam conforme os atores e a ideologia demandada por cada momento histórico do país (SOUZA, 2006).

Sendo o processo de formulação e implementação de uma política pública complexo e constante, existem aspectos muito relevantes para a construção e para os resultados finais dela. Segundo Hill, “envolve escolhas e, na maioria das vezes, negociações que vão muito além do processo legislativo” (HILL, 2006, p. 71). A formulação de uma política pública é um tanto quanto confusa e permanentemente, engloba muitas escolhas, intenções e negociações. Por conta disso, tão importante quanto necessário, é conhecer o contexto social, a economia, a história e todos os atributos decisivos para a criação ou não das políticas públicas.

Devido a toda essa complexidade fica difícil identificar claramente os aspectos que compõe a gênese de uma política pública. Então, é preciso relativizar com algumas indagações: Por que razão ela é escrita em um momento e não em outro? Por que sua implementação acontece em um lugar e não em outro? Essas e outras questões adjacentes, demonstram que é necessário e oportuno avaliá-las criticamente sempre que desejarmos. Com esclarecimento e também ciência, é possível contribuir para o desenvolvimento da sociedade, da educação e do esporte de modo geral.

Foi com essa precaução, com o entusiasmo de quem ausculta e sente o ambiente do esporte e da educação, que decidimos estudar o Projeto Atleta do Futuro (PAF) desenvolvido pela Secretaria de Juventude Esporte e Lazer do município de Chapecó (SEJEL). O PAF, como já sinalizamos de antemão, é fruto de uma política pública de Estado, suas atividades esportivas estão voltadas ao desenvolvimento de princípios educacionais complementares à escola. Por isso, não podemos e nem buscamos avaliá-lo ignorando o contexto macro de onde ele está inserido, queremos entender as estruturas desse campo do esporte e também o sentido da prática de suas ações na perspectiva da sociologia reflexiva preconizada por Bourdieu.

2 A SOCIOLOGIA REFLEXIVA DE BOURDIEU E AS ESTRUTURAS DO CAMPO