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As variáveis clínicas são analisadas na Tabela 8. A maioria dos pacientes estudados (88,0%) não teve complicação pós-operatória, mas nos que a apresentaram, deiscência foi o acometimento mais encontrado (6,7%). O tempo médio decorrido da amputação foi de 49 meses (DP= ±58,1), com um mínimo de 0 e um máximo de 247 meses.

Entre os casos analisados houve mais amputações de membros inferiores (92,0%) que superiores (8,0%), onde os níveis de secção mais encontrados foram transfemoral (46,7%) e transtibial (24,0%), seguidos por amputação abaixo do tornozelo parcial (6,7%).

Quarenta e um entrevistados (54,7%) informaram alguma comorbidade (Figura 7), que em 60,0% dos casos foi hipertensão arterial sistêmica. Foram relatadas ainda diabetes (14,5%), cardiopatia (9,1%) e doença vascular (5,5%). Outras comorbidades foram apresentadas por 10,9% dos entrevistados.

Com relação às alterações de humor conseqüentes à cirurgia, 52,0% dos pacientes informaram sentirem-se normais, sem alterações vinculadas ao fato. Vinte e quatro (32,0%) entrevistados disseram estar tristes (17,3%) ou muito tristes (14,7%) devido à amputação, enquanto que 10,7% relataram não pensar a respeito das repercussões emocionais advindas do procedimento. A alteração de humor foi tratada em 14,7% da população, havendo relato de abordagem psicológica em nove (12,0%) pacientes e medicamentosa em cinco (6,7%).

Ao diagnóstico, a maior parte da população de estudo (60,0%) enfrentava os sintomas da doença, mas deambulava e mantinha atividades diárias (PS1), enquanto que 28,0% conseguiam ficar fora do

alguns afazeres a despeito da enfermidade (PS2). Apenas um paciente estava restrito ao leito mais de 50% do dia e dependente de cuidados relativos (PS3). Não foram encontrados pacientes com PS4.

Tabela 8 - Variáveis clínicas referentes aos 75 pacientes estudados

Variáveis Total Tempo decorrido desde a amputação (meses)

Média (± DP) Variação 49,0(±58,1) 0,0 – 247,0 Local de amputação Membros Inferiores Membros Superiores 69 (92,0) 6 (8,0) Nível de amputação, N° (%) Hemipelvectomia Desarticulação de quadril Transfemoral Desarticulação de Joelho Transtibial

Abaixo do tornozelo parcial Abaixo do Tornozelo Total Inter escapulo-torácica (Berger) Desarticulação escápulo-umeral Transumeral Transradial 2 (2,7) 4 (5,3) 35 (46,7) 4 (5,3) 18 (24,0) 5 (6,7) 1 (1,3) 2 (2,7) 2 (2,7) 1 (1,3) 1 (1,3) Complicação pós-operatória, N° (%) Não houve Deiscência Seroma Infecção Dor Outras** 66 (88,0) 5 (6,7) 0 (0,0) 2 (2,7) 0 (0,0) 2 (2,7) Relato de comorbidade, N° (%) Sim Não 41 (54,7) 34 (45,3) Uso de prótese, N° (%) Sim Não 39 (52,0) 36 (48,0) Performance Status, N° (%) PS0 PS1 PS2 PS3 PS4 8 (10,7) 45 (60,0) 21 (28,0) 1 (1,3) 0 (0,0) Alteração de humor, N° (%) Feliz Normal Triste Muito triste

Não pensa a respeito

4 (5,3) 39 (52,0) 13 (17,3) 11 (14,7) 8 (10,7) Tratou humor, N° (%) Sim - com medicação - psicológico Não 11 (14,7) 5 (6,7) 9 (12,0) 64 (85,3)

Doença vascular 5,5% Cardiopatia9,1% Outras Doenças 10,9% Diabetes 14,5% Hipertensão Arterial 60,0%

Figura 7. Distribuição percentual das comorbidades apresentadas pelos pacientes estudados (n= 55 comorbidades em 41 pacientes)

As variáveis referentes às neoplasias apresentadas são apresentadas na Tabela 9. A maioria dos amputados apresentou o câncer de pele não-melanoma (53,3%) como causa de amputação, seguida pelas neoplasias ósseas (28,0%) e de tecido conectivo (17,3%). Apenas um paciente (1,3%) teve como fator desencadeador o câncer de pulmão. O tipo histológico de câncer mais encontrado foi o carcinoma espino-celular (45,3%), seguido pelo osteossarcoma (18,7%). A maioria da população não fez quimioterapia (70,7%) nem radioterapia (81,3%).

As características referentes ao uso de prótese estão dispostas na Tabela 10. Trinta e nove pacientes (52,0%) referiram uso de prótese, todas (100%) fornecidas pelo INCA, do tipo funcional mecânico (dado não mostrado). Trinta e um entrevistados (79,5%) referiram uso diário superior a 8 horas, havendo três relatos (7,7%) de utilização ente 4 a 8 horas. Cinco pacientes (12,8%) não usavam a prótese diariamente. A maior parte da população estudada informou que utilizava prótese para realizar atividades, tanto dentro do ambiente doméstico (87,2%) quanto fora dele (94,9%).

Com relação à presença de dor fantasma, oito pacientes (20,5%) afirmaram não haver modificação do fenômeno com o uso da prótese. Em 15,4 % ocorreu melhora do quadro álgico, enquanto que outros 12,8% não repararam se houve alguma modificação do acometimento. Apenas um paciente (2,6%) informou piora da dor fantasma com o uso da prótese.

Em 12,8% dos entrevistados não houve percepção de alteração da sensação fantasma quando em uso da prótese. Em 38,5% da população houve melhora do fenômeno com a utilização. Apenas um paciente (2,6%) apresentou piora do acometimento, enquanto 41,0% dos entrevistados relataram não haver modificação do fenômeno em vigência da prótese.

que usavam prótese, havendo relato de piora desta em 10,3%. Quatro pacientes (10,4%) não perceberam se aconteceu modificação com relação ao quadro álgico e apenas dois (5,1%) acusaram melhora da dor.

Tabela 9 - Variáveis referentes às neoplasias apresentadas pelos 75 pacientes estudados Variáveis Total Tipo de câncer, N° (%) Pulmão Pele Ósseo Conectivo 1 (1,3) 40 (53,3) 21 (28,0) 13 (17,3) Tipo histológico mais freqüente, N° (%)

Carcinoma espino-celular Osteossarcoma Condrossarcoma Mixofibrossarcoma Melanoma Sinoviossarcoma Outros* 34 (45,3) 14 (18,7) 5 (6,7) 5 (6,7) 4 (5,3) 3 (4,0) 10 (13,3) Fez quimioterapia, N° (%) Antes da cirurgia Após cirurgia Antes e depois Não fez 8 (10,7) 6 (8,0) 8 (10,7) 53 (70,7) Fez radioterapia, N° (%) Antes da cirurgia Após cirurgia Antes e depois Não fez 10 (13,3) 4 (5,3) 0 (0,0) 61 (81,3)

* Outros : Carcinoma de Merckel (1,3%), carcinoma sarcomatóide (1,3%), lipossarcoma (1,3%), neurofibrossarcoma (1,3%), neurossarcoma (1,3%), sarcoma de kaposi (1,3%), sarcoma de células fusiformes (1,3%), sarcoma pleomórfico (1,3%), TCG ósseo (1,3%).

Tabela 10 – Variáveis clínicas referentes aos pacientes em uso de prótese (n= 39)

Variáveis Total Freqüência de uso da prótese, N° (%)

Diariamente 8 horas ou mais Diariamente de 4 a 8 horas Diariamente menos de 4 horas Não usa diariamente

31 (79,5) 3 (7,7) 0 (0,0) 5 (12,8) Usa prótese em casa, N° (%)

Sim Não

34 (87,2) 5 (12,8) Desempenha atividades com a prótese, N° (%)

Sim Não

34 (87,2) 5 (12,8) Usa prótese para sair de casa, N° (%)

Sim

Não 37 (94,9) 2 (5,1) Uso de prótese e sensação fantasma, N° (%)

Melhora Piora

Nada modifica Não reparou

Não tinha dor fantasma

15 (38,5) 1 (2,6) 16 (41,0) 5 (12,8) 2 (5,1) Uso de prótese e dor no coto, N° (%)

Melhora Piora

Nada modifica Não reparou

Não tinha dor no coto

2 (5,1) 4 (10,3) 5 (12,8) 4 (10,3) 24 (61,5) Uso de prótese e dor fantasma, N° (%)

Melhora Piora

Nada modifica Não reparou Ignorado

Não tinha dor fantasma

6 (15,4) 1 (2,6) 8 (20,5) 5 (12,8) 2 (5,1) 17 (43,6)

7. DISCUSSÃO

Esta pesquisa teve por objetivo estudar a prevalência de dor fantasma em pacientes oncológicos submetidos à amputação de membros, bem como condições relacionadas a este acometimento como dor prévia à amputação, sensação fantasma e dor no coto cirúrgico.

Embora dor fantasma seja um tema muito discutido no meio científico nos últimos anos, trabalhos com enfoque em sua prevalência são escassos e apresentam grande variabilidade nos resultados (DIJKSTRA et al., 2002; KOOIJMAN

et al., 2000; LACOUX; CROMBIE; MACRAE, 2002). Nota-se também que nos

últimos 6 anos não são encontradas informações relativas ao tema em países da América Latina ou a existência de pesquisas exclusivas sobre dor fantasma em pacientes com doença oncológica no mesmo período de tempo (PROBSTNER; THULER, 2006).

Em uma revisão de literatura referente aos artigos publicados entre 2000 e 2005 (PROBSTNER; THULER, 2006), foi observado que, em 11 estudos selecionados, a prevalência de dor fantasma variou entre 9 e 80%, o que é confirmado pelos dados desta pesquisa (prevalência= 46,7%; IC95% 35,1 - 58,6).

Essa variação já havia sido indicada por outros autores que apontam como principais fatores, a falta de conhecimento sobre o assunto por parte dos pacientes e médicos assistentes, a falta de homogeneização de critérios e instrumentos de coleta de dados que caracterizam o fenômeno e as diferentes respostas terapêuticas (FLOR et al., 2001; NIKOLAJSEN; JENSEN, 2001; WOODHOUSE, 2005). Borsje et

al. em estudo publicado no ano de 2004, também chamam a atenção para a

considerável variação dos índices de prevalência de dor fantasma quando diferentes pontos de corte para sua freqüência são aplicados, afirmando que essa escolha influencia nos percentuais de prevalência encontrados para este acometimento.

Lembrando ainda que Tomillero et al., em 2002, relatam que a etiologia que leva à amputação tem influência na incidência da dor fantasma, observação que se opõe às referidas por Gallagher; Allen e MacLachlan, em 2001, e Ephraim et al., no ano de 2005. Além disso, instrumentos auto-aplicados, recebidos em domicílio pelo correio, apresentam índices substanciais de não-resposta (DIJKSTRA et al., 2002; EHDE et al., 2000; FLOR et al., 2001; KOOIJMAN et al., 2000; VAN DER SCHANS

et al., 2002; WHYTE; NIVEN, 2001), o que pode enviesar os percentuais de

prevalência obtidos. Essa condição pode ser minimizada empregando-se entrevistas em lugar de questionários auto-aplicados, o que foi realizado no presente estudo.

Apesar deste trabalho apontar para episódios de dor fantasma de forte intensidade (mediana de 8) mensurados pela EVN, esses não parecem ter incomodado à população entrevistada o suficiente a ponto de interromper suas atividades diárias (mediana de interrupção= 0) ou incorrer em automedicação. Ehde

et al., em estudo transversal publicado em 2000, reportam resultados semelhantes,

obtidos por meio do uso do instrumento de medida CPG, com relação ao grau de incômodo dos pacientes e conseqüente interferência na vida diária destes. Em pesquisa realizada no ano de 1985 por Wall; Novotny-Joseph e MacNamara, em 25 pacientes amputados com doença neoplásica, também foi descrito não haver correlação entre a gravidade da intensidade da dor e interferência na rotina dos pacientes. Talvez a natureza episódica deste acometimento possa explicar esta particularidade (WHYTE; NIVEN, 2001).

A freqüência e a duração da dor fantasma foi avaliada por Gallagher, Allen e MacLachlan em estudo de prevalência publicado no ano de 2001, mostrando um grande percentual de entrevistados com relato de episódios com duração de minutos, porém sem queixas constantes. Este trabalho mostra percentuais de duração de episódios semelhantes aos dos autores citados, entretanto, aponta para

índices substanciais de queixas álgicas constantes.

Por outro lado, com relação ao tratamento da dor e da sensação fantasma nos doentes entrevistados, chamou à atenção a subutilização dos recursos de psicologia na abordagem terapêutica destes fenômenos. Baseando-se em estudos como o de Gallagher, Allen e MacLachlan (2001), Flor (2002) aponta o stress e os fatores cognitivos como tendo importante papel na modulação destes fenômenos, chamando atenção ainda para o fato de que, nestes trabalhos, pacientes que receberam menos ajuda psicológica antes da amputação relataram mais dor fantasma após a mesma. Acrescenta também que alterações psicológicas ocorridas após a amputação podem ser preditivas do curso da dor fantasma (Flor, 2002). Interessante notar que 52,0% dos entrevistados na presente pesquisa informaram não apresentar qualquer alteração de humor conseqüente às cirurgias mutilantes, e que, quando a apresentaram, foram tratados psicologicamente somente em 14,7% dos casos. Dos pacientes com dor fantasma, apenas 11,4% foram tratados com recursos de Psicologia. Talvez aí esteja a explicação para a subutilização dos recursos de Psicologia na abordagem terapêutica da dor fantasma apontada nesta pesquisa: a idéia arraigada de que apenas em vigência de distúrbio de humor importante este tipo de tratamento deva ser indicado. Partindo desta premissa, seria conveniente que ações educativas objetivando o esclarecimento não só dos pacientes, mas principalmente da equipe multidisciplinar de saúde, fossem instituídas em prol de uma melhor abordagem terapêutica da dor fantasma, destacando a importante participação dos recursos de Psicologia.

Observou-se ainda que os índices de escolaridade apresentados pelos entrevistados neste estudo foram mais baixos que os reportados por outros autores (EHDE et al., 2000; EPHRAIM et al., 2005), o que pode ter ocorrido devido às características dos pacientes que utilizam o Sistema Único de Saúde no Município

do Rio de Janeiro.

A maioria dos entrevistados (54,7%) nesta pesquisa apresentou comorbidades, sendo a hipertensão arterial sistêmica a mais freqüente (60,0%). Este dado está de acordo com as estimativas de que aproximadamente 30% da população brasileira com mais de 40 anos apresenta hipertensão arterial sistêmica (OPAS, 2007). Outros autores (STREMMEL et al., 2005; TOMILLERO et al., 2002) apontam como comorbidade mais encontrada a diabetes, o que certamente reflete a etiologia das amputações avaliadas. Vale ressaltar que foi identificado apenas um estudo onde houve descrição detalhada das comorbidades apresentadas (TOMILLERO et al., 2002).

Além disso, a presente pesquisa investigou o perfil de tabagismo dos entrevistados, mostrando que 56,0% dos pacientes submetidos à amputação eram fumantes ou ex-fumantes, percentual elevado quando comparado à prevalência de tabagismo da cidade do Rio de Janeiro, de 17,0%, obtida por meio de inquérito domiciliar realizado pelo INCA em 2002/2003 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004). É provável que essa elevada prevalência de fumantes esteja relacionada à etiologia das amputações, já que o tabaco é sabidamente o maior fator de risco isolado para o desenvolvimento do câncer (WHO, 2004 apud MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004). Entre os trabalhos consultados, apenas o de Tomillero et al. (2002) reporta dados epidemiológicos sobre tabagismo em pacientes com dor fantasma, obtendo uma prevalência de 7% de fumantes, menor que a deste estudo.

Cabe ressaltar que o câncer de pele não-melanoma foi o tipo de neoplasia mais freqüentemente observado nos pacientes estudados (53,3%), sendo o carcinoma espino-celular o tipo histológico mais encontrado (45,3%). Quando maior que 2 centímetros de diâmetro e mais profundo que 4 milímetros esse câncer apresenta maior chance de produzir metástase para outros órgãos do corpo,

inclusive tecidos ósseo e linfático (MOTLEY; KERSEY; LAWRENCE, 2002), o que é corroborado pelos dados aqui apresentados. Esta ocorrência indica que seu diagnóstico e tratamento têm sido tardios e que estratégias de prevenção secundária poderão mudar esse panorama.

Sobre os dados referentes às características relacionadas ao uso de prótese, observa-se que a maioria da população estudada faz uso diário superior a 8 horas (79,5%), estando bem adaptada. Esta informação é similar à reportada pelos estudos transversais de Ephraim et al. (2005) e Kooijman et al. (2000).

Observa-se que dor prévia à amputação tem sido apontada por alguns autores como fator de risco para o desencadeamento de dor fantasma (NIKOLAJSEN; JENSEN, 2001). Nikolajsen e Jensen, em estudo de revisão de publicado em 2001, concluem que este acometimento aumentou o risco de dor fantasma e dor no coto de amputação, não excluindo, porém, a participação de outros fatores no desenvolvimento e manutenção destes fenômenos. Neste trabalho, a correlação de dor prévia à amputação e dor fantasma não foi estudada, apesar do elevado percentual de quadro álgico (77,3%) com forte intensidade (EVN mediana= 10) antecedendo as cirurgias mutilantes. Dificilmente o número de entrevistados desta pesquisa poderia trazer resultados sólidos para uma análise de fatores de risco, dada a extensão dos intervalos de confiança.

Ainda sobre o intenso quadro álgico prévio apresentado pelos pacientes aqui estudados, chama à atenção a subutilização da morfina (13,9%) quando comparada ao emprego de outras medicações de ação menos potente, como antiinflamatórios (25,0%). De acordo com a escada analgésica preconizada pela OMS (WHO, 2006), dor de caráter intenso (EVN entre 8 e 10) é melhor abordada por meio de opiáceos, classe de drogas onde a morfina é o fármaco padrão. Estes dados podem estar refletindo o difícil acesso dos pacientes a esta droga, o que indica que esforços não

devem ser poupados para que profissionais de saúde, gestores do SUS e centros de referência abordem adequadamente o problema.

O percentual elevado de sensação fantasma obtido por esta pesquisa (90,7%) está de acordo com aqueles relatados pela maioria dos autores que também estudaram este acometimento ao discorrerem sobre dor fantasma (DIJKSTRA et al., 2002; EHDE et al. 2000; KOOIJMAN et al., 2000; LACOUX; CROMBIE; MACRAE, 2002; VAN DER SCHANS et al., 2002). Dos autores consultados apenas Kooijman

et al. (2000) e Ehde et al. (2000) discriminam os tipos de sensação fantasma

referidos pelos pacientes, sendo encontradas mais freqüentemente queixas de “coceira”, movimentos fantasma, sensações elétricas como choque, percepção do membro como se ainda estivesse no local amputado (membro fantasma), além de “dormência”. Tais relatos são similares aos resultados alcançados por esta pesquisa. Ainda com relação aos tipos de sensação fantasma, Flor em revisão de literatura recente sobre dor fantasma, coloca que existem evidências de que alterações em nível de sistema nervoso central, dor fantasma e telescopagem estão positivamente relacionadas (Flor, 2002). Este estudo encontrou um percentual bem modesto de telescopagem (3,8%), que está de acordo com os achados de Lacoux, Crombie e Macrae (2002), não sendo encontradas outras referências sobre o assunto nos demais trabalhos consultados.

Outra situação freqüentemente associada à dor fantasma é o quadro álgico no coto cirúrgico. Em estudo recente com amputados de membros inferiores, van der Schans et al. (2002) identificam este fenômeno como o mais importante determinante de qualidade de vida, chamando atenção para sua importância epidemiológica. No presente trabalho, o índice de prevalência de dor no coto de amputação foi baixo (32,0%) quando comparado com os percentuais relatados por outros autores (DIJKSTRA et al., 2002; EHDE et al., 2000; EPHRAIM et al., 2005;

GALLAGHER; ALLEN; MACLACHLAN, 2001; KOOIJMAN et al., 2000; VAN DER SCHANS et al., 2002). Kooijman et al. (2002) citam Hill (1999) ao afirmar que a difícil distinção entre este fenômeno e dor fantasma possa ser a explicação para as altas freqüências obtidas pela literatura científica (HILL,1999 apud KOOIJMAN et al., 2000). Apenas Tomillero et al. (2002) referem um baixo percentual (9,0%) de dor em coto de amputação, inferior inclusive ao desta pesquisa, para o quê não tecem explicações. Com relação à abordagem terapêutica desse acometimento, esta pesquisa mostra que a terapêutica instituída (AINE e analgésicos) trouxe alívio a mais da metade (66,6%) dos entrevistados, número bem mais alto do que aquele obtido para o alívio da dor fantasma (48,5%). Apesar da maioria dos autores consultados não entrarem em detalhes sobre a abordagem terapêutica de dor no coto, este estudo encontrou respaldo nas observações de Kooijman et al. (2000) que relatam que o tratamento instituído para dor no coto de amputação tende a ter mais sucesso do que aquele empregado para dor fantasma.

Finalmente, é importante que se analise os resultados obtidos pela presente pesquisa tendo-se em conta suas limitações. A primeira diz respeito ao tipo de desenho de estudo utilizado. Nos desenhos transversais a relação causa e efeito não pode ser estabelecida, o que torna interessante a realização de uma pesquisa futura, no sentido de avaliar a influência de fatores como a dor prévia à amputação no desencadeamento da dor fantasma, especialmente em patologias como o câncer, onde dor é um aspecto clínico usual. Cabe ainda relembrar a argumentação de Whyte e Niven (2001) de que mensurar a dor em um único ponto no tempo pode engendrar vieses, dada a natureza episódica deste acometimento, sendo esta outra provável limitação do estudo, também vinculada ao tipo de desenho.

É possível que, à semelhança da pesquisa realizada por Koiijman et al. (2000), a presente análise possa estar enviesada no que diz respeito ao elevado

percentual de uso de prótese, uma vez que a população estudada foi recrutada em um serviço de fisioterapia em uma instituição que fornece 100% das próteses necessárias à reabilitação. É importante computar ainda outra limitação relacionada à inclusão de pacientes atendidos na Seção de Fisioterapia. Alguns pacientes encaminhados à reabilitação podem não ter comparecido ao setor, quer por julgarem-se muito bem, ou por estarem extremamente debilitados ao ponto de não aderirem ao tratamento proposto.

O número de pacientes estudados pode ser igualmente apontado como uma limitação, alargando os intervalos de confiança e fazendo com que os resultados obtidos sejam interpretados com cautela. Este também foi o motivo pelo qual não foram realizadas medidas de associação entre os desfechos estudados e as variáveis independentes.

Alguns estudos questionam a existência de um viés de memória relacionado à lembrança da presença e intensidade de dor prévia à amputação pelos pacientes, o que poderia sub ou superestimar este acometimento (KOOIJMAN et al., 2000; NIKOLAJSEN; JENSEN, 2001). Apesar de não parecer haver nenhuma dificuldade dos entrevistados em recordar o quadro álgico que antecedeu às cirurgias nesta pesquisa, dada a intensidade relatada para o acometimento, este viés pode ter ocorrido nesta investigação. Uma solução para esse problema seria a realização de estudos de coorte prospectivos, de forma a avaliar os pacientes antes, durante e depois das amputações. Cabe ressaltar que, em ampla revisão da literatura (PROBSTNER; THULER, 2006), foram encontrados apenas três estudos de coorte publicados entre 2000 e 2005.

Apesar das limitações expostas, este é o primeiro trabalho latino-americano a estudar a prevalência de dor fantasma, enfocando com exclusividade pacientes com câncer. Além disso, é importante destacar que estudos de prevalência são guias

valiosos para o planejamento dos serviços de saúde, e sob esta ótica, a presente pesquisa, mesmo descritiva, traz elementos que poderão contribuir para a melhoria das ações de atenção oncológica praticadas em nosso meio.

Estudos futuros para identificar os fatores associados ao desenvolvimento de dor fantasma neste tipo de população devem ser realizados visando identificar possíveis intervenções que possam minimizar a ocorrência deste fenômeno.

8. CONCLUSÕES

• A maioria dos pacientes entrevistados era do sexo masculino (66,7%), de cor branca (60,0%), casada (38,7%), com baixo índice de escolaridade (1° grau incompleto = 41,3%; sem instrução = 25,3%), com média de idade de 54,4 anos (±18,5), tinha contacto com tabaco, quer como fumantes (21,5%) ou como ex-fumantes (34,7%), e apresentava como comorbidade mais freqüente a hipertensão arterial sistêmica (60,0%)

• A prevalência de dor fantasma em população oncológica atendida na Seção de Fisioterapia do HCI / INCA foi de 46,7 % (IC95%= 35,1 – 58,6)

• As prevalências de sensação fantasma e dor no coto de amputação na população entrevistada foram, respectivamente, de 90,7% (IC95%= 81,7 – 96,2) e 32,0% (IC95%= 21,7 – 43,8)

• A prevalência de dor prévia à amputação foi de 77,3% (IC95%= 66,2 – 86,2), apresentando forte intensidade (valor mediano da EVN= 10)

• Não foi encontrada alteração de humor significativa (52,0%) em decorrência às cirurgias mutilantes

• Apesar da intensidade identificada de dor fantasma ser importante (EVN mediana= 8), os pacientes referem não ter havido interrupção das atividades de vida diária

• A abordagem psicológica foi raramente utilizada na terapêutica da dor fantasma (11,4%)

• O câncer de pele não-melanoma (53,3%) foi o mais freqüente nos casos avaliados, sendo o carcinoma espino-celular o tipo histológico mais encontrado

• A maioria dos entrevistados faz uso de prótese (87,2%), com utilização diária igual ou superior a 8 horas (79,5%)

9. RECOMENDAÇÕES

• Seria interessante que ações educativas direcionadas a pacientes e equipe multidisciplinar de saúde fossem instituídas, no sentido de aprimorar a abordagem terapêutica da dor fantasma, onde os recursos de Psicologia merecem destaque

• É interessante que se faça uma reflexão sobre a importância do percentual de

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