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CAPÍTULO 2 – ANÁLISE MUSICAL DAS PEÇAS

2.2. ASPECTOS COMUNS ÀS TRÊS PEÇAS

Música para orquestra de cordas 1946, Canto de amor e paz e Ponteio

foram as únicas peças compostas por Claudio Santoro para orquestra de cordas entre os anos de 1946 e 1953. As três foram concebidas como peças isoladas, não fazendo parte de ciclos ou obras maiores e apesar de existir uma grande diferença no que se refere à linguagem musical empregada e princípios estéticos, as peças possuem similaridades que apresentaremos de maneira conjunta, antes da análise individual de cada uma delas. Estas similaridades encontradas dizem respeito à formação instrumental utilizada (não nos referimos ao meio “orquestra de cordas”, mas sim ao tamanho do grupo necessário para sua execução) e ao emprego de certos procedimentos composicionais em comum que podem apontar para aspectos estilísticos característicos da escrita de Santoro no período, principalmente por serem encontradas em peças de natureza muito diferentes entre si47.

2.2.1. Formação instrumental

Apesar de não haver especificações de Santoro quanto ao tamanho da orquestra a ser utilizada, podemos inferir que as peças foram escritas para orquestras de cordas de dimensões semelhantes. Ao considerar as indicações de

soli e divisi, concluímos que o compositor concebeu estas peças não para uma

pequena orquestra de câmara, mas para um agrupamento maior de instrumentistas.

Música para orquestra de cordas 1946 possui indicações soli para o naipe

de primeiro violino com abertura para quatro instrumentistas. Mas será através dos

divisi, que ocorrem em todos os naipes, que poderemos estabelecer um número

mínimo de instrumentistas para sua execução, mais precisamente os divisi de contrabaixo, que se abre a duas vozes e violoncelo com necessidade de cinco instrumentos. Canto de amor e paz também possui divisi para até quatro grupos de

47 Devemos frisar que embora nossa pesquisa aponte para este resultado, a quantidade de peças analisadas é muito pequena para que se possa afirmar que estes aspectos sejam traços estilísticos do compositor. Para sua comprovação ainda são necessárias pesquisas envolvendo um conjunto maior de obras do compositor neste período.

instrumentistas para os violinos. Ainda para os naipes de violino, Santoro faz indicações de quais instrumentistas devem executar determinada linha, numerando de 1 à 8 tanto para os primeiros quanto para os segundos violinos. Também encontramos indicações de divisi para os naipes de violoncelo e contrabaixo. Em

Ponteio as indicações de divisi encontrados nos naipes de primeiro e segundo

violinos são para apenas duas vozes, porém os divisi no naipe de contrabaixo influenciam a constituição dos demais naipes da orquestra devido ao equilíbrio necessário.

A partir disso, sugerimos para a execução das três peças uma orquestra com formação mínima de 08 primeiros violinos, 08 segundos violinos, 05 violas, 05 violoncelos e 02 contrabaixos. Estes números estão baseados na quantidade de vozes em que cada naipe se subdivide e o número mínimo de instrumentistas para executá-las. Estas subdivisões ocorrem principalmente nos naipes de primeiro violino, segundo violino e violoncelo, e que, por razões de equilíbrio, influenciam diretamente a formação dos naipes de viola e contrabaixo. A quantidade de instrumentistas ainda pode variar de acordo com a sonoridade ou peso desejado para cada naipe. Esta sugestão de tamanho da orquestra necessária tem um caráter ideal, ou seja, estabelece um número mínimo de instrumentistas considerando apenas os elementos presentes nas partituras. Isso não impede que as peças sejam executadas por grupos menores, porém nestes casos haverá a necessidade de adaptação e até mesmo de se suprimir algumas das partes envolvidas, resultando sempre em algum tipo de prejuízo para a obra.

2.2.2. Procedimentos composicionais similares

Embora o objetivo deste trabalho não fosse realizar uma análise comparativa entre as peças, observamos ao longo do processo analítico a presença de procedimentos composicionais similares em Música para orquestra de cordas

1946, Canto de amor e paz e Ponteio. São eles: a precisão da escrita e a liberdade

com relação à métrica estabelecida pelo compasso.

2.2.2.1. Precisão na escrita

A escrita de Claudio Santoro se mostra bastante minuciosa no que diz respeito aos andamentos (tempo), dinâmicas e também com relação às indicações e uso de técnicas específicas para a orquestra de cordas e seus instrumentos. Neste sentido, as partituras ao apresentarem uma grande riqueza de detalhes, mostram ao intérprete de um modo relativamente claro aquilo que Santoro desejava em determinado trecho. Esta precisão na escrita também significa que qualquer acréscimo ou mudança de dinâmica, andamento e articulação devem ser cuidadosamente pensados para não alterarem em demasia a concepção original da peça.

Em Música para orquestra de cordas 1946 e Canto de amor e paz o compositor aponta não só os andamentos desejados, mas também os tempos metronômicos a serem seguidos. Há também ao longo das duas peças indicações detalhadas de dinâmica e acentuações a serem empregadas. O Ponteio, talvez por ser uma peça de caráter mais simples, apresenta um nível de detalhamento menor. Nela Santoro não aponta o tempo metronômico e existem poucas indicações de dinâmica.

Há ainda aquelas indicações que se referem especificamente ao uso da orquestra de cordas. Como sabemos, além de compositor Santoro também era regente e atuou por muitos anos como violinista de orquestra. Isso explica as indicações detalhadas nas partituras de técnicas específicas para instrumentos de corda como trêmulo, pizzicato, senza vibrato, uso de surdina, cordas soltas e até mesmo arcadas. Além disso, também observamos o emprego preciso de articulações, acentos e ligaduras características desses instrumentos que se adequam perfeitamente ao uso do arco. Mas é na frequência e no uso que Santoro faz dos divisi que observamos seu profundo conhecimento sobre a orquestra de cordas. Em alguns casos, como ocorre em Canto de amor e paz, o compositor chega a especificar inclusive a quantidade e o posicionamento dos instrumentistas que deverão executar cada uma das vozes envolvidas. Por fim, Santoro também realiza uma exploração timbrística e idiomática da orquestra de cordas, principalmente na criação de efeitos de continuidade entre os diferentes naipes sem

que haja quebra de sonoridade, possível apenas pela grande semelhança de timbre existente entre estes instrumentos.

2.2.2.2. Liberdade com relação à métrica vigente

Um aspecto importante ligado ao elemento rítmico encontrado com muita frequência nas três peças diz respeito à liberdade das intervenções motívicas ou temáticas em relação à métrica vigente, ou seja, aquela estabelecida pela fórmula de compasso. Neste caso, quando utilizamos o termo “métrica”, estamos nos referindo à relação hierárquica de tempos fortes e fracos, existente dentro de cada compasso, típica da música ocidental.

Os motivos e temas utilizados por Santoro possuem uma métrica regular, porém suas intervenções podem ocorrer em qualquer dos tempos do compasso, mesmo quando possui caráter tético. Isto contribui para o obscurecimento da hierarquia esperada para a métrica corrente e aumenta a sensação de independência da linha em questão, gerando assim camadas sobrepostas autônomas que são percebidas mais como simultaneidades sonoras do que como linhas em conflito.