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Aspectos da dinâmica da administração do Distrito Federal

CAPÍTULO 4 – OS GUINLE, A GUINLE&CIA, A CBEE E O SETOR DE

4.1 Aspectos da dinâmica da administração do Distrito Federal

Investir no setor de eletricidade do Distrito Federal, na passagem para o século XX, não era tarefa das mais fáceis nem para os Guinle, nem para os diretores da “The Rio Light”, pois além de já existirem concessões firmadas, o Distrito Federal tinha uma administração bastante complexa e imprecisa.

Os direitos da SAG e da William Reid&Cia., respectivamente a concessionária dos serviços de iluminação pública e particular e concessionário dos serviços de hidroeletricidade, evidenciaram a existência de atribuições do poder local e também federal sobre a

641 Embora os números não sejam precisos, a 2º cidade/capital mais populosa era São Paulo com 400.000 hab (metade da população do RJ), seguida por Salvador (3ª) com 348.130 hab., Belém (4ª) 275.167 hab. e Recife (5ª) com 2216.464 hab. Cf. http://www.ibge.gov.br/seculoxx/arquivos_xls/populacao.shtm . Acesso em julho de 2011.

642 Sobre a economia do Rio de Janeiro e do Distrito Federal Cf. LEVY, Maria Bárbara.(1994). op.cit.; LEOPOLDI, Maria A. op.cit. ; LEVY, M. B.(1977).op.cit.; LOBO, Eulália L. op.cit.

643 A respeito da organização da Light no Canadá e do mercado de capitais do Canadá cf. SAES, Alexandre M.

op.cit; GAULD, C. op.cit. McDOWALL, Duncan. op. cit. Fizemos algumas considerações superficiais sobre a empresa no Capítulo 2 da Tese.

644 Vários arranjos políticos na Câmara Municipal de São Paulo foram feitos para que a São Paulo Light conseguisse suas concessões. Cf. HANSEN, Cláudia &SAES, Alexandre. “Poder Municipal e as concessões de serviços públicos no Brasil do início do século XX”. Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores de História Econômica. ABPHE. Vol. X, n.º 1, 2007. Cf. também SAES, Alexandre M. (2010), op.cit.

administração da cidade, pois enquanto a SAG cobrava seus direitos e respondia por suas obrigações junto ao governo federal, a Willian&Reid cobrava seus direitos e respondia por suas obrigações junto ao governo municipal.

Essa situação de simultaneidade de atribuições federais e municipais na administração do Distrito Federal não era atípica, criando especificidades acerca da administração da cidade como um todo. Com a Proclamação da República, a União teve presença significativa na gestão da cidade do Rio de Janeiro.645

A Constituição de 1891 transformou o antigo Município Neutro da Corte646 em Distrito Federal, a sede do Estado nacional. Essa mesma Constituição atribuiu ao Congresso Nacional competência exclusiva para legislar sobre a organização do Distrito Federal. Foi, então, aprovada, em 1892, a Lei Orgânica do Distrito Federal – Lei n.º 85, de 20 de setembro - que regulou essas disposições, instituindo um Conselho Municipal, com funções legislativas e a Prefeitura do Distrito Federal, com funções executivas 647. Nascia uma entidade política e jurídica original no quadro do federalismo brasileiro. Por quê?

Porque o Distrito Federal, assim como os outros estados, elegia representantes para o Congresso Nacional648 e para a Câmara Municipal, mas tinha o prefeito e o chefe de polícia indicados pelo presidente da República. E ainda, cabia ao Senado, e não à CâmaraMunicipal, a apreciação dos vetos do prefeito649 aos projetos de leis aprovados pelo Conselho. Portanto, havia na cidade do Rio de Janeiro “uma superposição de atribuições entre as esferas de poder local e supra-local”650, pois os poderes envolvidos na administração da cidade do Rio de

645 MEMÓRIA DA ELETRICIDADE. (1990), op.cit., p. 157.

646 Segundo Américo Freire, no tempo do Império o Rio era “Corte Imperial, polo irradiador de civilização e elo político entre o poder central e as províncias”. FREIRE, A. “Três faces da cidade: um estudo sobre a institucionalização e a dinâmica do campo político carioca (1889-1969). In: MOTTA, M.; FREIRE, A e SARMENTO, C. E. (org.). A política carioca em quatro tempos. Rio de Janeiro: FGV, 2004, p. 25.

647O Conselho seria formado por 27 intendentes. MEMÓRIA DA ELETRICIDADE. (1990), op. cit., p.157. Segundo Américo Oscar Guinchard Freire, a Lei de 1892 foi o marco de institucionalização de um campo político carioca, marcado pela partilha e pelo estabelecimento de um complexo jogo entre os poderes municipais e federais, inclusive com a presença de órgãos de diferentes níveis (federal e municipal), e sem um “claro centro de gravidade política”. FREIRE, A., op.cit., p.24-29.

648 Em 1891 o Distrito Federal possuía representação no Congresso Nacional de 3 senadores e 10 deputados. MAGALHÃES, Marcelo, op.cit., p. 84

649 Além dessa responsabilidade o Senado tinha a atribuição de aprovar, ou não, a pessoa indicada pelo presidente da República. Tendo, portanto, o Senado, um papel central nas disputas políticas existentes entre os poderes executivo e legislativo municipais, pois cabia aos senadores avaliar os vetos do prefeito aos projetos de lei aprovados pelo Conselho, isto é, dar a palavra final acerca dos impasses ocorridos entre os poderes municipais, em se tratando de uma lei. MAGALHÃES, Marcelo. op.cit. p. 84.

650

MEMÓRIA DA ELETRICIDADE.(1990). op.cit. p.157-158. Essa questão das implicações de ter um poder municipal e ser capital federal foi respondida pela historiografia brasileira, pelo menos, de duas formas: uma delas entendia o Rio de Janeiro dos primeiros tempos republicanos como uma capital despolitizada, poder municipal sem autonomia, dissociação entre representantes e representados, política como tribofe, povo como bilontra. Cf. CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a política que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987; BASTOS, Ana Marta Rodrigues. “O Conselho de Intendência Municipal:

Janeiro eram: o legislativo municipal ( Conselho Municipal); o executivo municipal (Prefeito); o legislativo federal (Senado) e executivo federal (presidente da República).

Américo Freire e Carlos Eduardo Sarmento, debruçando-se sobre os embates ocorridos entre o poder federal e as forças políticas locais para a definição de um modelo de capital para a República, afirmaram que a criação do Distrito Federal resultou de uma composição de interesses que misturou tutela federal congressual com demanda política autonomista do Rio de Janeiro, onde o Congresso organizara politicamente o Distrito, mas este teria sido administrado por autoridades municipais. Portanto, mesmo existindo um conjunto institucional de difícil manejo, de forte interferência da União, havia uma “pitada de autonomia política” a nível municipal.651

No entendimento dos autores houve diferentes modelos político-institucionais relativos à cidade do Rio de Janeiro durante o período republicano. Afirmaram que, nos primeiros anos republicanos, houve a criação e fortalecimento de grupos políticos locais reunidos em torno do Partido Republicano Federalista (PRF), e que estes grupos teriam passado a controlar grande parte dos cargos representativos municipais e federais652. No entanto, esse processo fora revertido nos governos de Campos Sales (1892-1898) e Rodrigues Alves (1902-1906), onde o primeiro teria, pela via da desconstrução653, desordenado o campo político carioca654; e o segundo, pela via autoritária655, teria reforçado os poderes federais autonomia e instabilidade (1892-1902). Rio de Janeiro: FCRB (mimeo), 1984. A outra procurou relativizar a leitura da política como tribofe, como trapaça, debruçando-se sobre os embates ocorridos entre o poder federal e o local e também sobre os embates travados entre os membros do Conselho Municipal. Cf. FREIRE, Américo Oscar Guichard. Uma capital para a República: poder federal e forças políticas locais no campo político carioca. Rio de Janeiro: UFRJ/PPGHIS, 1998. (Tese de Doutorado); MAGALHÃES, op. cit.; MOTTA, Marly da S. Rio de Janeiro: de cidade-capital a Estado da Guanabara. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001.

651 FREIRE, A. e SARMENTO, C. E., op. cit., p. 28.

652 Idem. Ibidem. p.29. Marcelo Magalhães, estudando os embates entre os membros do Conselho Municipal, entre 1892-1898, mostra que o legislativo municipal (Conselho Municipal) era mais importante que o executivo municipal (prefeito), nomeado pelo presidente da República, pois o executivo municipal ficava atrelado às deliberações do Conselho.

653 Os autores defendem que Campos Sales cooptou lideranças e interferiu pessoalmente nos processos de reconhecimento, intimidou adversários e etc. Fez coro com parte da imprensa que denunciava as fraudes ocorridas nos pleitos cariocas. FREIRE, A. e SARMENTO, C. E. op. cit.p. 30-31. Marcelo Magalhães afirma que Campos Sales procurou esvaziar o Conselho Municipal de suas atribuições, pois, com o Decreto n.º 543, de 23 de dezembro de 1898, o legislativo perdeu as atribuições de criar empregos públicos e propor emendas ao orçamento que aumentassem as despesas. E ainda, o dito decreto estabeleceu que o prefeito passaria a ser nomeado sem o mandato fixo de 4 anos, pois o presidente da República passou a ter o direito de exonerar o chefe do poder executivo municipal sempre que o considerasse não efetuando bom serviço. MAGALHÃES, op. cit. 85.

654 Os autores entendem o campo político como sendo um campo de lutas concorrenciais que se processaram entra os agentes que disputavam o poder na cidade do Rio de Janeiro. FREIRE, A. e SARMENTO, C. E., op. cit., p. 24.

655 Rodrigues Alves, ao sancionar a lei n.º 939, de 29 de dezembro de 1902, reduziu ainda mais as atribuições do Conselho Municipal e adiou as eleições municipais por seis meses, o que na prática teria significado o fechamento do Conselho. Portanto, assim como Campos Sales, esvaziou o Conselho Municipal em suas atribuições.

sobre as forças locais, esvaziando o Conselho Municipal em suas atribuições. Entretanto, esse enquadramento - via desconstrução ou autoritarismo - teria se esgotado na gestão Pereira Passos. A partir daí e até o final da chamada Primeira República, tal como ocorrera no momento da fundação do Distrito Federal, o governo municipal seria, ao mesmo tempo, tutelado e partilhado entre os diferentes órgãos e forças políticas presentes no campo político carioca, onde os conflitos entre a prefeitura e o Conselho Municipal estiveram, quase sempre, ligados a problemas político-administrativos, e os prefeitos teriam adotado um estilo mais discreto em suas administrações, sem grandes intervencionismos, enquanto o Conselho seria alvo das críticas dos poderes federais e da imprensa.656

Portanto, haveria uma partilha de poderes no Distrito Federal entre o município e a União, mesmo após as políticas de esvaziamento do Conselho Municipal em suas atribuições, colocadas em prática durante os governos Campos Sales e Rodrigues Alves, o que não significava despolitização completa do poder municipal.657 A tensão entre matrizes locais e federais correspondia a uma relação operada no interior da administração carioca de forma complementar, pois o fato da cidade do Rio de Janeiro sediar os principais órgãos e agências da gestão do poder federal possibilitou fortalecimento de redes locais de patronagem, “que se utilizaram de complexos mecanismos de negociação e mediação para viabilizar o acesso a uma considerável reserva de capital político a ser disponibilizado”658 . Portanto, havia uma organização das forças locais atuando em um campo político com alto padrão de competição e concorrência, onde a fragmentação desse campo estava ligada aos seus fatores constitutivos e não à incapacidade de organização e articulação das forças locais em face das perspectivas interventivas.659 Ou seja, se fazia muita política na capital federal.

Entendemos que as implicações de ter um poder municipal e ser capital federal, especificidade da cidade do Rio de Janeiro na Primeira República, não vai ao encontro da idéia de capital despolitizada, poder municipal sem autonomia. Mas ao encontro da idéia de que existia um espaço onde a política era partilhada, marcado por um complexo jogo entre os poderes municipais e federais, tal como salienta Américo Freire e Carlos E. Sarmento, e que o Conselho Municipal, espaço político reservado para as forças políticas locais, era um lugar legítimo de discussão dos interesses da municipalidade, como assinala Marcelo Magalhães.660

656 FREIRE, A. e SARMENTO, C. E., op. cit., p. 24-32. 657 Idem. Ibidem. p. 32-33.

658 Idem. Ibidem. p.49. 659

Idem. Ibidem. p.49-50.

4.2 A disputa em movimento: os Guinle, a Guinle&cia e a CBEE no embate contra a The

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