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Aspectos essenciais da história da região conhecida como a “zona portuária” do Rio

O conhecimento da história das regiões central e portuária do Rio é fundamental para compreender algumas questões que hoje giram em torno das memórias locais; entre continuidades e descontinuidades, transformações sociais, espaciais e culturais, muito do passado perdura, seja nas memórias, nos discursos, nos objetos ou nas edificações etc., e acaba por formar um amálgama de referências e singularidades. Apesar da complexidade, vamos apresentar alguns aspectos essenciais da história diretamente ligados à região portuária, hoje delimitada em Gamboa, Saúde e Santo Cristo.

A região que é hoje conhecida pelos cariocas como Castelo, Praça XV, Uruguaiana (área central) foi ocupada desde o século XVI; ali constituiram-se as primeiras atividades portuárias do Rio, aonde começam a atracar embarcações com a produção dos engenhos (mais afastados) e mercadorias trazidas de Portugal (LAMARÃO, 1991 P. 22). O comércio de africanos escravizados intensifica-se a partir do século XVII, e estes entravam inicialmente pela atual Praça XV, daonde seguiam para diferentes destinos, tanto dentro quanto fora da cidade (muitos eram levados para as minas de Potosí), que tinha como principais atividades a cana de açúcar, a pesca, o cultivo de alguns alimentos e a caça a baleia (SOARES, 2011 p.9; LAMARÃO, 1991, p. 23). A ocupação do território se concentrava principalmente no perímetro entre os quatro morros de São Bento, Conceição, Santo Antônio e Castelo, e foi-se adensando em torno do cais do Porto dos Padres da Companhia – como vários autores atestam, a cidade nasce e cresce vinculada ao porto (MELLO, 2003; LAMARÃO, 1991;

SOARES, 2011;) tendo sido aí construídos algumas edificações fundamentais a sociedade nascente, como o mosteiro de São Bento, a câmara, a cadeia pública, a fazenda real, a casa da moeda, os armazéns reais e as igrejas. No século XVIII alguns acontecimentos fundamentais vão transformar a dinâmica do Rio e precisam ser pontuados: a descoberta de ouro e diamantes em Minas Gerais, com a consequente abertura de novos caminhos entre as duas regiões, a intensificação do tráfico de africanos e das atividades portuárias, e com tudo isso, a expansão territorial e demográfica (LAMARÃO, 1991 p. 25-27). Os cais foram sendo construídos servindo

de transporte e ponto de comércio para o exterior e interior, e depois da ameaça francesa em início do século XVIII, cuja invasão se deu pelo morro da Conceição, construiu-se o forte de mesmo nome, entre outras edificações que viriam a iniciar o adensamento da ocupação no local (SOARES, 2011, p.11) O dinamismo da cidade e sua crescente importância no cenário colonial a torna capital em 1763, quando as mudanças vão se intensificar cada vez mais e em menor espaço de tempo.

Mercado de escravos, cais do Valongo, Lazaretto e Cemitério dos pretos novos

A história da região do Valongo, situada onde hoje é a Saúde e parte da Gamboa, é de especial interesse para esta pesquisa, já que lá foi estabelecido o comércio de escravos, quando é ordenado que este saia da rua Direita (atual Primeiro de março) e da região da atual Praça XV,

(...) criando o maior complexo negreiro da história da cidade, formado por quatro principais pontos: a rua do Valongo (atual Camerino) local dos armazéns de compra e venda de africanos; o trapiche do valongo, na embocadura da rua com o mar; o cemitério do Valongo, na atual rua Pedro Ernesto, hoje sede do Instituto Pretos Novos; e o Lazareto dos escravos (criado por D. João VI em 1818) que recebia os africanos novos que chegavam doentes, hoje no alto da pedra da Saúde (SOARES, 2011,p. 10).

Fig. 1 Detalhe do Plano e terreno da cidade do Rio de Janeiro, 1779. Nele é possível ver o núcleo urbano chamado “cidade”, a Prainha e logo depois o Valongo. Fonte: http://bndigital.bn.br/acervodigital .

Fig. 2 Detalhe da região do Valongo. “Valonguinho” passa a ser chamado também de Valongo no século XIX e mais tarde de Saúde. Fonte: HONORATO, Claudio de Paula, 2008 apud BARREIROS, 1965, p.

10.

A transferência dos mercados de africanos escravizados da rua Direita para o Valongo em 1774 pelo segundo Marquês do Lavradio se deu em boa parte pelos administradores se convencerem que aqueles estariam proliferando doenças, e que tais atividades não eram apropriadas para a via principal da cidade em crescimento, como já havia sido denunciado pelos senhores de escravos e outros moradores (MELLO, 2003;

HONORATO, 2008; SOARES, 2011). Para o Valongo foi também transferido o Cemitério dos Pretos Novos, já existente no Largo de Santa Rita desde 1722, aonde eram depositados aqueles africanos e africanas que não sobreviviam à dura travessia marítima, ou a quarentena nos armazéns, e morriam recém chegados – grande parte eram bem jovens - também por isso o nome. Já o cais do Valongo, construído no início do século XIX, tornou-se o principal local de desembarque de africanos escravizados do país, estima-se que tenham passado por ali, ao todo mais de 600 mil pessoas trazidas de Angola, Congo, Moçambique, Guiné, etc. (SOARES, 1962). Pois bem, junto ao porto, ao cais e aos armazéns de venda de pessoas, foram sendo construídos também outros comércios, moradias, práticas culturais e de sociabilidade, que foram por sua vez transformadas com as diversas ondas de povoamento e transformações urbanas que aconteceram posteriormente. Pelas condições históricas citadas, a sociabilidade nessa região foi fortemente ligada a vida do porto, aos escravos, libertos e seus descendentes, mas também vieram ocupar a região muitos imigrantes europeus; todos estes

trabalhavam como estivadores, marinheiros, trabalhadores de trapiches e da construção civil, ambulantes, cozinheiras, entre outras ocupações. Ou seja, a região portuária do Rio torna-se o grande núcleo do tráfico atlântico de africanos, especialmente a partir do século XIX – na contramão das políticas europeias e em contraposição a pressão da Inglaterra, que sairia oficialmente da rota em 1807. Quando Napoleão foi derrotado e as relações internacionais portuguesas melhoraram (já que as guerras napoleônicas forçaram a vinda da família real ao Brasil e o rompimento com a França e sua zona de influência em 1808), o resultado para o Brasil foi a ascenção do mercado do café, determinante nesse processo de intensificação da escravidão (em termos quantitativos) sendo que milhares de africanos e africanas foram levados ao Vale do Paraíba (VIOTTI, 2008; HONORATTO, 2008; BENCHIMOL, 1992)¹. As pesquisas históricas evidenciam a construção de um grande complexo negreiro na região do Valongo (HONORATTO, 2008; PEREIRA, 2007), hoje chamada de área ou zona portuária, aonde os seguintes locais se integravam: o cais do Valongo, os mercados de escravos e armazéns, o Lazareto (hospital para africanos recém chegados) e o cemitério dos pretos novos. Pelos documentos apresentados, essa estrutura foi propiciada já com uma intenção de higienizar as principais vias da cidade no núcleo central, isolando as atividades ligadas ao tráfico do núcleo urbano aonde famílias abastadas moravam e os prédios oficiais eram estabelecidos, e também a própria dinâmica do tráfico seria otimizada com maior organização e localização concentrada; os africanos doentes seriam separados dos sãos, os primeiros se melhorassem iriam para a venda, senão, para o cemitério (HONORATO, 2008; PEREIRA, 2007). Como se constatou nessas e outras pesquisas históricas, tudo era realizado de forma precária e brutal.

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1.A Inglaterra aboliu o tráfico de escravos em suas colônias em 1807, passando a perseguir a atividade desde então, apreendendo navios negreiros brasileiros e pressionando a abolição. Nesse período a França, rival tradicional da Inglaterra, declarou um embargo econômico que proibia vários países entre eles Portugal, de estabelecer relações comerciais com o país britânico. Porém as relações entre Portugal e Inglaterra já era antiga e Portugal rompeu com o embargo, o que levou Napoleão a uma retaliação;

fugindo do conflito, a família real portuguesa foge para o Brasil. Quando Napoleão é derrotado, abre-se um momento favorável a Portugal novamente, e aos interesses comerciais do Brasil, especialmente o café, produto muito apreciado na Europa. O vale do paraíba é uma das regiões aonde se intensifica sua produção e milhares de africanos são levados para a região.

Acerca da “nefasta combinação” entre mercado escravo e cemitério esclarece Pereira (2007,p. 77): “o Cemitério dos Pretos Novos funcionava como que acoplado às necessidades da sociedade escravista, continuamente alimentado pelo tráfico negreiro, que despejava no porto um número, a partir de 1769, cada vez maior de cativos”.

Este é o passado ao qual está ligado o Instituto dos Pretos Novos, nosso objeto principal de estudo, e por isso é fundamental conhecê-lo. Principalmente porque o instituto o reivindica, e se apóia neste passado como razão de sua existência no presente, como veremos mais adiante. Pois bem, o cemitério dos pretos novos passa a receber uma quantidade cada vez maior de mortos, que eram sepultados geralmente sem qualquer ritual fúnebre, em covas rasas, por isso estas eram descobertas pelas chuvas e vento. O mau cheiro e as inconveniências trazidas por essa rotina sinistra começa então a incomodar os moradores locais, alguns comerciantes, geralmente brancos e portugueses; requerimentos são endereçados ao príncipe regente e os protestos aumentam, para que fosse retirado o cemitério do local, porém, a burocracia ou falta de interesse estratégico dos administradores o mantém até 1830 (PEREIRA, 2007).

Com uma quantidade cada vez maior de negros e negras nascidos no Brasil, as estratégias de resistência e inserção na sociedade também se diversificam, havendo uma população de libertos vivendo na cidade, pressionando cada vez mais a abolição da escravidão, bem como várias formas de insurreições criadas em territórios afastados.

Desde a segunda metade do século XX a historiografia tem procurado trazer a luz sujeitos históricos antes desconsiderados, e mais recentemente, esta preocupação tem estimulado a produção de trabalhos sobre aspectos sócio-culturais da vida dos negros e negras, inclusive aqueles que se estabeleceram na área portuária após a abolição. Assim hoje podemos conhecer por exemplo, sobre alguns dos quilombos formados no Rio de Janeiro ainda no século XIX (GOMES, 1996); um pouco da agitada vida política protagonizada pelos sindicatos criados desde o início do século XX, como a Sociedade de Resistência dos trabalhadores em trapiche e café e a União dos Operários Estivadores que construíram grandes greves (ARANTES, 2010); as festas, batuques, candombes e capoeiragens realizados, bem como a criação, reconstrução e ressignificação de rituais religiosos provindos de diversas etnias e linguagens nas casas de santo do candomblé–

muitas vezes mantidos sob repressão policial (MOURA, 1995); as dificuldades e superações cotidianas vividos por negros e negras para garantir sustento e moradia;

entre outros temas pertinentes. Porém ainda são muitas as lacunas deixadas pelo longo silêncio social, e muitos registros foram perdidos graças a ordem de Rui Barbosa, de queimar os arquivos referentes ao sistema escravocrata logo após a abolição – embora

essa determinação não tenha sido integralmente cumprida.

A transição do século XIX para o XX foi bastante agitada do ponto de vista político e cultural. Após o árduo processo que culminou na abolição e na proclamação da república, os negros e negras começam a organizar-se em grupos de resistência - grêmios, clubes ou associações, que se formam em São Paulo, Santa Catarina, no Rio de Janeiro ² – e que buscam à sua maneira a afirmação e inserção dos negros na sociedade, através de apoio mútuo, atividades culturais, debates e discussões pertinentes à comunidade (DOMINGUES, 2007). Ao mesmo tempo, fundam-se jornais publicados por negros voltados a temática racial, a chamada imprensa negra:

Esses jornais enfocavam as mais diversas mazelas que afetavam a população negra no âmbito do trabalho, da habitação, da educação e da saúde, tornando-se uma tribuna privilegiada para se pensar em soluções concretas para o problema do racismo na sociedade brasileira. Além disso, as páginas desses periódicos constituíram veículos de denúncia do regime de “segregação racial” que incidia em várias cidades do país, impedindo o negro de ingressar ou freqüentar determinados hotéis, clubes, cinemas, teatros, restaurantes, orfanatos, estabelecimentos comerciais e religiosos, além de algumas escolas, ruas e praças públicas (DOMINGUES, 2007, p. 105).

Na região do Valongo, os armazéns de venda de escravos vão dando lugar aos trapiches de café. A malha ferroviária é construída a partir das necessidades da exportação do café e seus caminhos. Essa efervescência foi vivida no Rio de Janeiro também por manifestações e revoltas singulares, como a ocorrida em 1880, contra o aumento do imposto sobre o preço das passagens de bondes; em 1893 contra o aumento dos impostos nos bens de consumo; já em 1904 houve novo protesto contra impostos que causariam aumento das passagens, com participação de motoristas e usuários de bondes (PEREIRA, 2002). Na primeira década do século as insurreições mais conhecidas são a da vacina (1904) e da chibata (1910), eventos bastante diversos, mas que tinham negros e negras como importantes protagonistas, e portanto caráter popular.

A área portuária está intimamente ligada a ambas, já que boa parte das barricadas e confrontos da revolta da vacina foram levantadas na região (PEREIRA, 2002); e João Cândido, maior líder da revolta da Chibata, convivia na área não só por sua condição de marinheiro, mas porque sua irmã morava na Saúde (MOURA, 1995, p.

140-145). Para completar o cenário, na cultura acontecia a formação da umbanda, cujas sementes vinham sendo cultivadas desde o primeiro século do choque entre os diversos cultos religiosos dos Oyó, Ijexá, Ketu, Ijebu, Egbá, Ifé, Oxogbô, Nagô, Haussas, (entre

outras etnias) e o catolicismo português (MOURA, 1995; PRANDI, 2000); e a formação dos primeiros ranchos, cortejos populares que marcariam a construção das tradições carnavalescas. A migração intensa de baianos e baianas para o Rio, grande parte instalando-se na zona portuária, foi decisiva para a formação cultural hoje chamada por muitos de afrocarioca. Utilizaremos esse termo ao longo do trabalho, que é fundamentado na ideia de que existe uma formação cultural ligada a afrodescendência que é peculiar do Rio, devido ao processo histórico vivido, que é diverso em cada parte da própria cidade. Na zona portuária forma-se aos poucos uma comunidade (que teve seu auge na primeira metade do século XX) cuja centralidade das ayalorisás e mães de santo, chamadas baianas e tias, foi fundamental; as atividades que organizavam em torno de festas profanas ou religiosas - festas para os orisás, batuques, candombes e rodas, onde misturava-se a culinária baiana e carioca, a capoeira, o partido alto, a dança:

Tia Bebiana e suas irmãs-de-santo, Mônica, Carmem do Xibuca, Ciata, Perciliana, Amélia e outras, que pertenciam ao terreiro de João Alabá, formam um dos núcleos principais de organização e influência sobre a comunidade.

Assim, são essas negras, que ganham respeito por suas posições centrais no terreiro e por sua participação conseqüente nas principais atividade do grupo, que garantem a permanência das tradições africanas e as possibilidades de sua revitalização na vida mais ampla da cidade (MOURA, 1995, p. 95)

Pereira Passos e o “Bota abaixo”

O início do século também ficou marcado pela reforma urbana realizada por Rodrigues Alves e Pereira Passos. E para nós é fundamental ressaltar este período já que ele foi tomado como referência na atual revitalização da zona portuária, planejada pelo Instituto Pereira Passos ³, não coincidentemente.

Pereira Passos era filho de barão do café e inicialmente ingressou na carreira diplomática; até chegar a ser prefeito, teve longa trajetória como engenheiro, tendo estudado na França e acompanhado obras importantes, como as lideradas por Haussman para a capital francesa.

Este último condensou em sua reforma urbana questões práticas de saneamento e reordenamento urbano com questões políticas e sociais, em confluência com as intenções de Napoleão III, como coloca Benchimol (1992):

O plano de Haussmann tinha como uma de suas estratégias principais a neutralização do proletariado revolucionário de Paris, a destruição da estrutura material urbana que servira aos motins populares de rua . Mas, além de servirem ao exercício da coação política e militar das classes dominantes, os bulevares atendiam a razões de ordem sanitária e às novas exigências de circulação urbana colocadas pelo desenvolvimento da grande indústria (p. 193).

Essa experiência foi decisiva para o que Passos viria a executar no Rio de Janeiro mais de duas décadas depois, porém nesse meio tempo, aprofundou seus conhecimentos e experiências em diversos empreendimentos, presidiu companhias e teve êxito em cargos relacionados a implantação de ferrovias e reordenamento urbano (BENCHIMOL, 1992) .

Rodrigues Alves, representante da oligarquia cafeeira paulista (tendo como vice um mineiro, estratégia clássica da chamada “política do café com leite”) assume em seu plano de governo a prioridade com a reforma urbana do Rio, a qual Pereira Passos já estava envolvido em projetos anteriores, e o nomeia para prefeito do Rio em 1902.

Interessante observar que o contexto também era de turbulência política e revoltas populares - ainda que de caráter bem diverso daquelas vividas pela França em fins do século XIX. Mesmo assim, segundo Benchimol (1992, p.226) “A Avenida do Cais foi concebida também como um instrumento de "policia" sanitária e militar para uma das áreas mais perigosas do Rio de Janeiro”.

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2.O autor cita no Rio de Janeiro o Centro da Federação dos Homens de Cor, porém existiram outras como as já citadas Sociedade de Resistência dos trabalhadores em trapiche e café e a União dos Operários Estivadores; como ele aponta tem-se registro de inúmeras outras em São Paulo e no sul, inclusive formadas apenas por mulheres como as Sociedade Brinco das Princesas (1925), em São Paulo, e a Sociedade de Socorros Mútuos Princesa do Sul (1908), em Pelotas (p. 103-104).

3. Com o desmembramento da Rioplan, “em 1999, o IPP assumiu as atividades de planejamento urbano, produção cartográfica e de estatísticas do Rio de Janeiro. Em 2009, o gerenciamento do espaço urbano do Rio ficou a cargo da Secretaria Municipal de Urbanismo e o IPP passou a se especializar em projetos de desenvolvimento econômico. Desde a sua fundação, o IPP coordenou grandes projetos urbanos, como o Rio Cidade, o Favela Bairro, o Rio Orla e o Porto Maravilha. O planejamento da candidatura da cidade a sede das Olimpíadas de 2016 também foi iniciado no instituto” (http://www.rio.rj.gov.br/web/ipp/historia.

O prefeito, junto ao sanitarista Oswaldo Cruz adotam a arbitrariedade para empreender suas intencionadas mudanças, que culminam na já mencionada Revolta da Vacina. Entre as primeiras ações de Rodrigues Alves, uma foi o início da construção da Avenida Central e a outra as negociações finais de início das obras para os

“melhoramentos” do porto carioca, iniciadas após grandes disputas em 1904. Estes vão estabelecer nova estrutura as atividades portuárias, com a construção de um grande cais para embarcações de grande porte, vários aterramentos, armazéns e guindastes; as funções trabalhistas vão sofrer por sua vez transformações. Mas o que mais nos interessa são as obras de “remodelação” e “embelezamento” da área central, dos bairros da Saúde, Gamboa e Saco do Alferes (atual Santo Cristo), que irão demolir muitas moradias pobres como os cortiços e outras construções, expulsando milhares de famílias da região e adensando os morros que já vinham sendo paulatinamente ocupados.

O termo "embelezar" tem enorme ressonância no discurso propagandístico da época. Designa mais do que a imposição de novos valores estéticos.

A criação de uma nova fisionomia arquitetônica para a cidade.

Encobre, por assim dizer, múltiplas "estratégias". A erradicação da população trabalhadora que residia na área central, projeto debatido desde meados do século passado; a mudança de função do centro, atendendo - num plano mais imediato - aos interesses especulativos que cobiçavam essa área altamente valorizada e - num plano mais geral - as exigências da acumulação e circu1ação do capital comercial e financeiro; razões ideológicas ligadas ao "desfrute" das camadas privilegiadas; razões políticas decorrentes de exigências específicas do estado republicano em relação àquela cidade que era a sede do poder politico nacional (BENCHIMOL, 1992, p. 228).

O período de governo de Pereira Passos ficou conhecido como “Bota abaixo”, expressão alavancada pelo crítico romance de José Vieira, escrito na época. Foram construídas as avenidas Central, Francisco Bicalho, Rodrigues Alves (“Avenida do cais”) e a Beira-mar, além de outras vias menores; o transporte foi incrementado com linhas de bonde, houve pavimentação de ruas e melhoria nos serviços essenciais, porém, a “crise habitacional” se agravou, já que a moradia popular não era uma prioridade governamental. Não podemos nos alongar mais, porém é importante concluir que a gestão de Alves/ Passos procurou inserir o Rio no contexto econômico e cultural predominante - cuja referência era a Europa, especialmente a França - trazendo a ideia de modernização ao contexto brasileiro e ampliando a noção de planejamento urbano como função do estado, até então muito discutida. Para as famílias despejadas que não

conseguiram se realocar nas proximidades, representou também uma face marcante do discurso modernizante, a reafirmação da exclusão social da classe trabalhadora.

Temos de pensar que a reforma urbana de Passos/Alves foi o primeiro grande

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