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Aspectos formal e substancial do Princípio da Igualdade

3. PRINCÍPIO DA IGUALDADE

3.3 Aspectos formal e substancial do Princípio da Igualdade

No primeiro tópico do presente capítulo, foi feita uma breve análise da evolução histórica do princípio da igualdade, da qual observou-se a existência de dois aspectos preponderantes: formal e substancial ou material. Embora o princípio da igualdade seja, essencialmente, composto desses dois aspectos, indivisíveis, portanto, é possível fazer um detalhamento de cada um deles.

Consiste a igualdade formal naquela prevista em lei, na medida em que esta não deve fazer discriminação, sendo igual para todos. Traduz-se no direito que tem todo cidadão de não ser discriminado pela lei, exceto pelos elementos de ponderação constitucionalmente previstos.

A igualdade formal, em um primeiro momento, tinha como pressuposto a impossibilidade de tratamento desigual perante os homens, dada a igualdade de uns perante os outros. Com o passar do tempo, essa concepção foi sendo eliminada, na medida em que se percebeu a existência de discriminações oriundas do passado de cada nação que permaneciam enraizados na sociedade, gerando-se diferenças entre os homens que justificavam tratamento diferenciado. Percebeu-se que o tratamento igualitário perante todos os homens recairia na manutenção e aumento das desigualdades existentes na sociedade.

Bellintani (2006, p. 23) assim traduz a atual faceta da igualdade formal:

A moderna concepção do princípio da igualdade formal consiste, portanto, em o aplicador da lei tratar indistintamente os indivíduos que compõem as categorias estipuladas normativamente pelo legislador para o fim de incidência daquela norma específica. A consecução do princípio da igualdade, em sua vertente formal, não se dá quando da

elaboração da norma, mas sim no momento de sua aplicação, quando o julgador fizer incidir a lei de maneira uniforme sobre todos que ela abarca.

O pressuposto da visão moderna de igualdade formal, portanto, é a desigualdade. Diante desse pressuposto, seria possível tratar os indivíduos igualmente, de forma a perceber a ótica legislativa a ser seguida para a promoção da igualdade.

Relativamente à igualdade substancial ou material, consiste esta não somente no tratamento equânime e uniformizado de todos os seres humanos, mas também na sua equiparação no que diz respeito à concessão de oportunidades. Trata-se de oferecimento igualitário de oportunidades para todos os cidadãos. Senão vejamos o conceito de Silva (2005, p. 41):

Igualdade substancial, portanto, é a busca da igualdade de fato, da efetivação, da concretização dos postulados da igualdade perante a lei (igualdade formal).

Mais adiante, fazendo uma análise histórica de ambos os aspectos, afirma:

De início, com sustentáculo no princípio da igualdade perante a lei, parte-se da premissa filosófico-liberal de que os homens nascem livres e iguais em direitos, sendo a lei aplicada de maneira uniforme para todos; empós, com o surgimento e expansão dos direito sociais e fundamentais, direitos de segunda geração, na busca da concretização da igualdade material, com o binômio indivíduo versus Estado, cedendo caminho para encetar a integração da sociedade civil como esse mesmo Estado, agora de um prisma social- democrático, em que se distingue a noção de discriminação positiva.

Conforme aludido linhas acima, o princípio da igualdade é composto indivisivelmente pelos aspectos formal e material. Não obstante, a história da humanidade mostra que somente com o surgimento do Estado Social que o aspecto substancial do princípio em análise é incorporado, passando a ter um maior alcance e profundidade.

Silva (2000, p. 216-217) apud Perelman (1963) assim expõe o tema em tela:

A justiça concreta ou material seria, para Perelman, a especificação da justiça formal, indicando a característica constitutiva da categoria essencial, chegando-se às formas: a cada um segundo a sua necessidade; a cada um segundo seus méritos; a cada um a mesma coisa. Porque existem desigualdades, é que se aspira a igualdade real ou material que busque realizar a igualização das condições desiguais.

Nossa Carta Magna estabelece uma série de preceitos com objetivo de nivelar e diminuir as desigualdades reinantes. São exemplos de tais normas: Art. 3º;Art. 170 e incisos que tratam da ordem econômica e social; Art. 7º que tratam da questão salarial; Art. 205 que trata da democratização do ensino.

Trata-se de uma confissão dos constituintes de 1988 das desigualdades existentes na nação e a necessidade de contorná-las. Consiste numa evolução do conceito de igualdade, explicitamente posta no texto constitucional através de dispositivos tendentes a diminuir materialmente essas desigualdades.

Em suma, podemos constatar a impossibilidade de dissociação dos aspectos formal e material do princípio da igualdade, dada sua unicidade. Tal entendimento parte do pressuposto de que não a igualdade formal faz com que a igualdade só exista no plano de validade. Para que passe a incidir no campo de eficácia, torna-se fundamental a incidência do aspecto material, através do qual serão oferecidas também igualdade de oportunidades a todos os cidadãos.

Concluindo, vale colacionarmos a manifestação do então Ministro Carlos Alberto de Reis Paula, em palestra proferida em 21 de novembro de

2002 no seminário "Discriminação e sistema legal brasileiro”, promovido pelo Supremo Tribunal do Trabalho4:

Cidadania não combina com desigualdade. República não combina com preconceito. Democracia não combina com discriminação. E, no entanto, no Brasil que se diz querer republicano e democrático, o cidadão ainda é uma elite, pela multiplicidade de preconceitos que subsistem, mesmo sob o manto fácil do silêncio branco com os negros, da palavra gentil com as mulheres da esmola superior com os pobres, da frase lida para os analfabetos... Nesse cenário sócio- político e econômico, não seria verdadeiramente democrática a leitura superficial e preconceituosa da Constituição, nem seria verdadeiramente cidadão o leitor que não lhe rebuscasse a alma, apregoando o discurso fácil dos igualados superiormente em nossa história feita pelas mãos calejadas dos discriminados.

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